«É preciso revolucionar o Atletismo, apostar em jovens» – Entrevista BnR com Mariana Machado

    – Os desafios e as virtudes de praticar Atletismo em Portugal –

    «É preciso apostar nos atletas, e não vale a pena termos grandes competições se não temos grandes atletas».

    BnR: Vivemos num país onde o futebol domina sobre todas as modalidades. Neste contexto, achas que o Atletismo, enquanto modalidade, tem visto a sua importância acrescida no nosso país?

    Mariana Machado: Eu acho que o Atletismo já teve muita importância no nosso país, principalmente na altura da minha mãe, e das suas colegas de equipa. E acho que, agora, perdemos um pouco, porque há falta de grandes resultados, de grandes atletas. Atualmente, temos uma Patrícia Mamona, um Nélson Évora, uma Dulce [Félix], uma Sara Moreira, mas que já estão em final de carreira. Acho que é preciso revolucionar o Atletismo, apostar em jovens. Ainda agora, no Campeonato de Europa de Corta-Mato, tivemos uma equipa de juniores toda medalhada… Acho que é preciso pegar nestes jovens e apostar mais neles, também para não falar de mim (risos). Apostar em nós [atletas], para mostrar que não é só futebol, também temos resultados noutras modalidades. Claro que é muito difícil, de um momento para o outro, mudar a mentalidade dos portugueses, e trazê-los para este estádio [Estádio 1.º de maio] assistir a provas de Atletismo enquanto não temos um nível que cative para vir cá, porque, como não temos atletas muito bons, os portugueses perdem o interesse. Fui à Suécia competir, e o estádio estava completamente cheio. É mesmo triste ver que aqui, em Portugal, a nossa modalidade não é valorizada o suficiente, e acaba por ser ingrato.

    BnR: O facto de Portugal estar, cada vez mais, a organizar eventos nacionais e europeus de elevado calibre, no Atletismo, faz-nos pensar que tem crescido a valorização da modalidade no Desporto Nacional e também nos nossos atletas. Concordas com esta afirmação?

    Mariana Machado: Acho que, organizar campeonatos é uma questão de Portugal querer organizar e ter dinheiro para tal. Agora, ter atletas portugueses de grande nível para estar nesses campeonatos, já é preciso um trabalho diferente. É preciso apostar nos atletas, e não vale a pena termos grandes competições se não temos grandes atletas. Agora, tivemos o Campeonato da Europa, acho que houve uma boa aposta no Atletismo. Mas eu preferia que eles apostassem mais nos atletas do que nos eventos, apesar de que têm apostado em alguns eventos, é sempre bom promover a modalidade, mas, mais do que isso, é promover os atletas e investir neles.

    Mariana Machado participou no Campeonato Europeu de Cross-Country, que viu a passada edição ser realizada em Portugal
    Fonte: Federação Portuguesa de Atletismo

    BnR: Tal como outros atletas no nosso país, fazes parte do programa “Lidl Stars”, que ajuda no desempenho das promessas do Desporto Nacional. Para ti, qual é a importância destes programas para reconhecer o crescimento dos atletas nas modalidades em Portugal?

    Mariana Machado: É muito importante termos o apoio, não só de empresas como o Lidl, ou da Adidas, porque, para além de nos motivar, dão-nos condições de trabalho – quer equipamentos, apostar na nossa alimentação – e, muito mais importante do que fazer grandes treinos, é importante os cuidados que nós temos. Adquirimos produtos de qualidade, e outras condições, não só a nível alimentar, mas caso precisemos de ir a um estágio, uma prova internacional, estas [condições] que nos ajudam a ser atletas ainda melhores, tal como a Adidas nos ajuda com material desportivo. E ambas as partes ficam a ganhar: nós fazemos publicidade, e eles proporcionam-nos os serviços.

    BnR: Para ti, quais são as principais dificuldades que um atleta se vê obrigado a ultrapassar?

    Mariana Machado: Acho que o pior, pelo menos falo por mim, é o facto de termos de abdicar muito dos momentos que estamos com a família, com os amigos, todas as viagens… Por exemplo, no ano em que fui quarto no Mundial, abdiquei da minha viagem de finalistas. Mas depois, fui quarto no Campeonato do Mundo, e valeu mesmo a pena. Acho que, estas decisões que temos que passar na nossa vida são o que tornam o desporto algo mesmo difícil de lidar. Uma pessoa vai treinar, comer, dormir, estudar… E não faz muito mais do que isto, porque não há mais tempo do que isso. É muita coisa que gira à volta do Desporto, que nos tira tempo, e saber que não tenho esse tempo para retribuir à minha família e aos meus amigos, deixa-me triste. Há momentos que estamos mais em baixo que começamos a pensar «será que vale a pena abdicar de tanta coisa na minha vida, se nem sequer sou valorizada no meu país?». Ficamos numa maré de indecisões, que, por fim, acabam por valer a pena quando alcançamos um recorde nacional, ou uma medalha.

    BnR: Com ainda 19 anos, e certamente com um futuro brilhante pela frente enquanto atleta, qual é o conselho que dás às futuras gerações do Atletismo em Portugal?

    Mariana Machado: Eu gosto imenso de falar com adolescentes e com crianças. Sou convidada para ir a escolas e falar sobre a minha história, porque sempre quis, um dia, inspirar as crianças e os adolescentes, como eu me sentia inspirada ao ver reportagens de atletas, de pessoas que conseguiam mudar o mundo. E sempre tive esse «bichinho» de tornar o mundo melhor. E, hoje em dia, gosto muito de partilhar a minha experiência. Nós sonhamos, e tudo é possível. É uma questão de nos esforçarmos, trabalharmos. Nas provas do Desporto Escolar, acabo por falar com as crianças e perguntar-lhes há quanto tempo estão na modalidade, se correu bem… Porque, muitas vezes, elas [crianças] estão em baixo, e eu digo-lhes «vocês ainda são tão novos, apenas divirtam-se». Porque, nos primeiros Campeonatos, é mesmo para isso, para divertirmo-nos e desfrutar do momento. Quando crescemos, começamos a ser cada vez mais ambiciosos, e a querer resultados cada vez melhores. Temos que os motivar a não desistir, apoiar na prática do exercício físico, que acho que é o mais importante. Depois, ao crescer, eles vão ver se é o Atletismo que eles querem mesmo praticar, ou se é outra modalidade, porque nem todos somos feitos para praticar Atletismo, e acho que o importante é experimentarmos um pouco de tudo, e vermos no que realmente somos bons.

    Foto de Capa: Angelina Barreiro/Bola na Rede

    Artigo revisto por Joana Mendes

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    Angelina Barreiro
    Angelina Barreirohttp://www.bolanarede.pt
    Natural de Monção, a Angelina é Licenciada em Relações Internacionais e, Mestre em Economia Social pela Universidade do Minho. Vê o desporto como um dos bons lados da vida, que forma uma boa parceria com a escrita e o jornalismo. O seu interesse pelo desporto surgiu cedo, tendo como principal área de interesse o Futebol, o Ténis e a Fórmula 1.