«Acho que a lesão me fez crescer muito» – Entrevista a Teresa Vaz Carvalho

    BnR/PdA: Falaste de algumas marcas este ano que têm sido assombrosas. A título de exemplo, temos visto enormes resultados da Tamari Davis, da Briana Williams e, claro, da Sydney McLaughlin. A verdade é que tu a nível nacional tiveste algo muito semelhante. O que é que pensaste no momento em que saltaste os 6.52 com apenas 19 anos? Achaste que já nada te poderia parar?

    TVC: Eu acho que sempre tive os pés muito bem assentes no chão, os meus pais sempre me passaram a mensagem de que o Atletismo poderia acabar um dia, muitas coisas podiam acontecer e não evoluir. Eu olho muito para as experiências que os outros atletas tiveram em Portugal e no estrangeiro. Foco muito nas coisas más porque tenho muito medo que me aconteça o mesmo. Mas confesso que no dia em que fiz isso eu pensei “tenho dois anos, faltam-me 18 centímetros, é óbvio que eu estou nos Jogos Olímpicos do Rio”. Não pensei “sou a maior, ninguém me pára”, mas pensei “nos Jogos do Rio estou lá, eu treino todos os dias, eu mereço estar lá, claro que vou conseguir”. Realmente, foi um choque. Eu lesionei-me em Dezembro de 2015, em Janeiro de 2016 fui operada e sabia que só iria começar a treinar daqui a 6 meses e só com 2 meses de treino era óbvio que eu não ia conseguir ir aos Jogos Olímpicos.

    Uma lesão grave no joelho atrasou a sua progressão
    Fonte: ?

    BnR/PdA: Referiste há pouco o Aries Merritt, que é um atleta que também passou por uma situação complicada de saúde, que o afastou muito tempo de competição. O que é que passa pela cabeça de um atleta quando regressa à competição depois de tanto tempo parado?

    TVC: Eu no início quando voltei, fiquei muito feliz. A primeira prova em que regressas sentes que finalmente acabou a maré de azar. Mas depois…é muito difícil gerir as diferenças de marcas. Antes da lesão, para mim fazer 6.15 ou 6.20 era o meu dia a dia, às vezes todos os saltos da mesma prova a 6.20, por vezes a cair em pé e ficava chateada com esses saltos. E agora saber que faço uma marca que para mim era banal é um bocado frustrante, porque não consigo entender o que é que se passa. Estou a fazer tudo bem mas não passo daquelas marcas. Ainda assim acho que temos que acreditar no processo e nunca desistir. Os desportos individuais exigem uma força brutal a nível psicológico. Olho por exemplo para o Aries Merritt e ele é recordista mundial, foi campeão olímpico, campeão mundial e mesmo assim perde provas. É impossível estar sempre no máximo e às vezes temos que dar dois passos atrás para poder dar três à frente. É nisso que eu acredito.

    BnR/PdA: Os teus pais foram grandes atletas, o teu tio também e certamente eles foram grandes influências na tua vida e carreira. Que tipo de conselhos eles te foram dando? Foram eles que te incentivaram a seguir a via do Atletismo?

    TVC: Não. A única coisa que os meus pais sempre me impuseram foi a escola. Foi do género “tu vais fazer Atletismo, mas vais passar todos os anos, vais acabar o 12.º e fazer um curso. Podes não exercer logo, mas sabes que tens alguma coisa na gaveta e um dia quando acabares a carreira tens um backup” e sempre me mostraram o exemplo de grandes atletas do tempo deles que hoje em dia não estão tão bem na vida como poderiam estado se tivessem estudos e tivessem percebido que o Atletismo não é para sempre. Foi a única mensagem que eles me passaram e eu confesso que sempre vivi com esse medo. Quando me aconteceu o que aconteceu ao joelho, fiquei com medo de nunca mais poder vir a saltar e pensei “agora, o que é que eu faço?”. Eu até poderia estar a fazer os meus estudos de forma diferente. Poderia estar a fazer agora só metade das cadeiras e estender o curso ao longo dos anos, mas lá está, isso ia demorar muito mais a fazer e eu ia acabar o curso com 30 anos. Então preferi nunca usufruir do estatuto de atleta-estudante, faço o curso como uma pessoa normal e acredito que até há professores que nem saibam que eu sou atleta porque eu nunca troquei a data de um exame, a data de um teste e nunca falto às aulas. Eu também tenho consciência que o meu rendimento no Atletismo não é tão bom por causa disso e é por isso que estou muito motivada e acredito muito nesta época e na próxima época porque, depois de Junho, vou-me poder focar a 100% no desporto, principalmente na parte da recuperação. Eu durmo seis horas por dia e tenho a noção que nenhum atleta faz isso. Passo o dia na faculdade sentada a fazer trabalhos, vou treinar completamente estoirada e eu sei que não é bom, mas sei que é um projecto a longo prazo e prefiro fazer este sacrifício agora para depois poder colher os frutos mais tarde.

    Conciliar treinos e estudos nem sempre é fácil para a atleta
    Fonte: Adidas
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    Pedro Pires
    Pedro Pireshttp://www.bolanarede.pt
    O Pedro é um amante de desporto em geral, passando muito do seu tempo observando desportos tão variados, como futebol, ténis, basquetebol ou desportos de combate. É no entanto no Atletismo que tem a sua paixão maior, muito devido ao facto de ser um desporto bastante simples na aparência, mas bastante complexo na busca pela perfeição, sendo que um milésimo de segundo ou um centimetro faz toda a diferença no final. É administador da página Planeta do Atletismo, que tem como principal objectivo dar a conhecer mais do Atletismo Mundial a todos os seus fãs de língua portuguesa e, principalmente, cativar mais adeptos para a modalidade.                                                                                                                                                 O Pedro escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.