«Ganhei dois Euros com duas seleções diferentes» – Entrevista BnR com Zeca Rodrigues

    – Por terras sadinas –

    BnR: No verão de 2010 assinas pelo Vitória FC. Tendo em conta a realidade de que vinhas, quais as maiores dificuldades sentidas nos primeiros tempos?

    ZR: As maiores dificuldades que tive nessa altura foi mesmo o ritmo de jogo e a quantidade e qualidade dos treinos, porque eram muito mais difíceis, competitivos e fortes, exigiam mais de mim, então tive ali um momento de adaptação que me custou um bocadinho, pois vinha de outra realidade em que os treinos não exigiam assim tanto de mim. A velocidade de jogo era completamente diferente, tinha menos tempo para pensar e acontecia tudo mais rápido, mas felizmente tive colegas e um treinador que me deu muita confiança, o Manuel Fernandes, e assim foi mais fácil para mim e não levou assim tanto tempo para me conseguir afirmar.

    BnR: O técnico Manuel Fernandes acaba por ter um papel importante na tua adaptação. De que forma é que ele te ajudava nos treinos?

    ZR: O Manuel Fernandes teve o papel mais importante possivelmente na minha carreira. Ele e o filho, o Tiago Fernandes, que já era adjunto dele. Ajudava nos treinos porque me dava a confiança para fazer aquilo que achava melhor, não metia nenhuma barreira. Ensinava-me muitas coisas, o posicionamento em campo, a forma de defender que na altura era completamente diferente, e era um treinador que nunca desistia de mim e estava sempre à procura que fosse melhor, e quando as coisas são assim, é mais fácil, tens mais confiança, estás mais disposto para trabalhar e aprender, e sabia também que aos poucos estava a apostar em mim, então ajudou-me muito nessa altura a ter a confiança necessária para conseguir jogar.    

    BnR: A tua estreia no campeonato foi frente ao Marítimo. Qual foi o resultado? E foi um sonho concretizado poder jogar na Primeira Liga?

    ZR: Foi um sonho realizado sim. Na Madeira, até comecei no banco e entrei na segunda parte, e recordo-me que quando entrei, o coração estava com um batimento acelerado por causa da emoção, até porque o ritmo no jogo era diferente, estava também muito ansioso, e quando corria, qualquer pique que fizesse parecia que estava numa maratona. Foi um sonho jogar na Primeira Liga e vencemos por 0-1 com um golo do Jaílson. Foi fantástico, lembro-me de pensar na viagem de regresso que tinha realizado um sonho, ainda para mais com uma vitória. 

    BnR: Apanhas um balneário repleto de colegas experientes como o Zé Pedro, Hugo Leal e Neca. Quais foram os melhores conselhos que recebeste desses jogadores?

    ZR: Na altura, era um dos mais novos, mas o meu grupo era eu, Hugo Leal, Zé Pedro, Neca, Ricardo Silva e o Paulo Regula, que é um ano mais novo que eu. Estávamos sempre juntos, e o que nos diziam era para trabalharmos a cada dia, não levarmos as coisas num modo de garantido, aprendermos as coisas do futebol em termos táticos, a ler e perceber melhor o jogo e que iam estar ali aquele tempo todo para nos ajudar e apoiar. Então isso ajudou-nos muito, foi importante para nós porque sabíamos que tínhamos aqueles jogadores ao nosso lado, nos treinos estavam sempre a puxar por nós e davam-nos confiança. Naquela altura, tinha o Hugo Leal que vivia em Lisboa, eu e ele éramos os únicos a morar em Lisboa, e, ao fim de uma semana a treinar no Vitória de Setúbal, ele viu-me na ponte 25 de Abril e pergunta “Tu vives em Lisboa pá?” e eu disse que sim. “Então vamos passar a vir juntos”, porque na altura ele sabia que ganhava muito pouco, e os gastos com gasolina e portagens eram altos, então tomou a ideia: “Vamos começar a ir juntos, uma semana levo eu o carro, na outra levas tu” e assim aconteceu um ano todo com o Hugo Leal, e depois fiquei muito amigo dele. Cheguei a ir a casa dele, e dava-me sempre conselhos em termos de dinheiro: “Zeca, quando começares a ganhar o teu dinheiro, não comeces a gastar como certos jogadores que compram logo carros e muitas coisas”. Foi uma pessoa muito importante para mim nessa altura.

    BnR: Além de companheiro de viagens, o Hugo Leal era teu parceiro de meio-campo. O que aprendeste com ele?

    ZR: Era incrível. Aprendi muito, tentava olhar para ele e perceber as coisas que ele fazia porque ele, o Neca e Zé Pedro ali do meio-campo para frente eram muito diferenciados dos outros. Mas o Hugo Leal era aquele que me enchia as medidas, porque ele pensava muito mais rápidos que os outros, via as situações mais rápido que os outros e apercebia-se do que ia acontecer mais rápido que os outros e depois com a bola nos pés era incrível. Uma vez num treino, ele na brincadeira comigo…estava um pouco “chateado” porque o treino não estava a correr bem, e diz assim “Epá ó Zeca, vou passar o resto do treino só a utilizar o pé esquerdo”. “Só com o pé esquerdo? Se eu faço isso, caio” (risos). Depois começo a vê-lo só a jogar com o pé esquerdo, e parecia que estava a treinar com o pé direito. Aí vês a qualidade e por onde ele passou, os clubes onde jogou e podia ter tido uma carreira maior e melhor que, por uma ou outra razão não a teve, mas tinha muita qualidade.

    BnR: Acabas por realizar 32 partidas nesse ano em Setúbal. Estavas à espera de ser utilizado regularmente, visto que era o teu primeiro ano na Liga?

    ZR: Na altura, nem sabia e esperava que isso me ia acontecer. Nessa altura cheguei a pensar que a minha meta era fazer 10 a 12 jogos ou a titular ou a entrar a partir do banco, e já era uma coisa muito boa para mim vindo da realidade que tinha vindo, e quando vejo no final da época que fiz 32 jogos e metade deles foram a titular, fiquei super contente e estava orgulhoso. Mas também a meio do ano fui percebendo que podia jogar mais, se melhorasse um pouco mais, ia ter mais oportunidades, sendo assim difícil tirarem-me da posição que tanto custou a conquistar, e isso foi uma das coisas que meti na minha cabeça, fui trabalhando sempre mais e mais, mas também tive a sorte de ter treinadores que apostaram em mim, primeiro o Manuel Fernandes e depois o Bruno Ribeiro.

    BnR: Num desses jogos, fazes um golo ao Sporting para uma eliminatória da Taça de Portugal. Ainda te recordas desse lance? Em que medida foi importante esse golo?

    ZR: Recordo-me desse lance, e é engraçado porque há uns dias o Vitória de Setúbal pôs na sua página de Instagram o vídeo do golo e lembro-me que eliminámos o Sporting, e eu como sportinguista também, acabamos por conseguir esse feito. Foi uma alegria imensa, lembro-me de ter feito o golo e como no dia a seguir não ia haver treino, fui sair com os meus amigos para comemorar a vitória e o golo, porque eles sabiam que não era muito de fazer golos (risos). A partir daí, a comunicação social começou a dar mais ênfase à minha história e a tentar conhecer-me melhor, começou tudo ali de um momento para o outro tudo rápido a falar para os jornais, coisa que não fazia muito, e aí comecei a perceber o futebol e de que modo os teus jogos e a tua forma como jogas podem influenciar as pessoas e ajudar também.

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    Guilherme Costa
    Guilherme Costahttp://www.bolanarede.pt
    O Guilherme é licenciado em Gestão. É um amante de qualquer modalidade desportiva, embora seja o futebol que o faz vibrar mais intensamente. Gosta bastante de rir e de fazer rir as pessoas que o rodeiam, daí acompanhar com bastante regularidade tudo o que envolve o humor.                                                                                                                                                 O Guilherme escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.