«Se fosse hoje, não ia para o SL Benfica» – Entrevista BnR com Fernando Mendes

    – Antas ao fundo do túnel –

    “Vou para o Rayo Vallecano”, respondi-lhe. “Rayo quê? Isso é onde? Mais vale ires jogar para o Chaves. Dou-te o mesmo dinheiro que os espanhóis e assinas pelo FC Porto”

    BnR: Seguiu-se o Boavista, onde levantaste uma Taça de Portugal, e depois uma carambola de equipas, entre o clube do Bessa, o Estrela da Amadora e o Belenenses. Qual foi a principal diferença que sentiste entre atuar num “grande” por comparação com uma equipa com aspirações mais modestas?

    Fernando Mendes: No Boavista não me custou muito e vou dizer-te o porquê: apanhei o Manuel José e sabia que estava emprestado, e que iria voltar; ainda por cima o Boavista é um clube à minha imagem. “Raçudos”, detestam perder e aquela imagem de marca de darem tudo em campo… Trabalhar e correr! Senti muita facilidade na adaptação e todo o ambiente que o Major [Valentim Loureiro] proporcionava… Nesse ano não senti essa mudança. Quando regresso ao Benfica e me vejo despachado de vez para o Estrela da Amadora… Aí sim! Não tenho, nem nunca tive, a mania que sou mais que os outros, mas estava habituado a estar no Sporting, no Benfica, e de um momento para o outro vejo-me a jogar no Estrela. E gostei (!) – tinha o João Alves e um grupo excelente -, mas se queres que seja o mais sincero contigo, passada para aí uma semana, senti que bati no fundo e que a minha carreira não ia passar dali. Tive várias oportunidades (…), chegando aqui, dificilmente melhora… Já tinha uns 25 ou 26 anos. Achava que não merecia aquilo, mas “é a vida e vamos continuar”.

    BnR: Há ainda a história com o Valentim Loureiro e com o João Alves… Ao certo, o que é o Major te pediu?

    Fernando Mendes: Ah, sim! Passados uns meses de assinar pelo Estrela, surgiu a hipótese de voltar ao Boavista e até acabei por ir, mas inicialmente o Estrela não me queria deixar sair. E qual foi a solução sugerida pelo Major? Arranjar confusão com o João Alves – que era um treinador fantástico e que mais tarde viria a encontrá-lo -, indo para os jornais dizer mal dele. Até que um dia o João chamou-me ao balneário e disse: “Oh menino, anda cá. Escusas de andar com estas tretas todas, porque eu sei quem é que te está a mandar fazer isto, porque se quiseres sair daqui, eles é que têm de vir falar connosco”. Acabei por ir para o Boavista e foi uma época terrível para mim.

    BnR: Na senda das histórias com presidentes argutos, peço-te para com os seguintes três nomes, reconstruíres a tua chegada ao FC Porto: Pinto da Costa, Rayo Vallecano e Casino de Espinho.

    Fernando Mendes: Isso foi quando fui para o Porto! No final da minha segunda época no Boavista, o João Alves, que estava no Belenenses, soube que eu estava na lista de dispensas do Manuel José – algo que nunca pensei. Então não é que o treinador de quem eu tinha ido dizer mal para os jornais é a primeira pessoa a ligar-me, juntamente com o Pietra, a convidar-me para o Belenenses? E foi no Restelo que fiz uma das melhores épocas da minha carreira, abrindo-me as portas de outros clubes. Só que o Belenenses, embora tivéssemos uma equipa excelente, também era um clube complicado, porque estivemos vários meses sem receber. No final dessa época, começaram a aparecer vários clubes: o Salamanca, para onde foi o João Alves, o Rayo Vallecano, o Brugge… E eu tinha de decidir a minha vida. Tinha 29 anos e tinha de ganhar algum dinheirinho para a minha vida. Optei pelo Rayo, porque as condições eram muito boas e estava mais perto do que se fosse para o Salamanca, clube para o qual o Belenenses queria vender-me. Mas quando fui ver o estádio, aquela zona, fiquei um bocado atordoado e aquele bairro [Vallecas] (…), parecia que estava no Casal Ventoso, sinceramente… “Meu Deus do Céu, onde é que vim cair?”. Entretanto, havia um problema: o Belenenses precisava desesperadamente do dinheiro da minha venda e o Rayo Vallecano ia pagar os 120 mil contos por mim em duas ou três prestações. Então o Belenenses foi pedir conselhos à Liga e o Presidente da Liga era o Jorge Nuno Pinto da Costa. No final da época, quando já estava quase tudo tratado com o Rayo, tinha de ir a Espinho receber o troféu do Público para melhor lateral-esquerdo da época. Saio de Lisboa com o Porfírio, que também ia receber o prémio de melhor extremo-esquerdo do ano, mas quando chego ao Porto tenho o Jorge Gomes à minha espera no aeroporto e eu assim: “Mas o que é que você está aqui a fazer?”. “Temos de ir ali falar com umas pessoas primeiro”, respondeu-me. O Porfírio foi andando para o casino e a mim meteram-me num carro, e só parámos no Estádio das Antas. Entrámos por uma porta do campo de treinos antigo, subimos umas escadas e quando entro na sala estavam o Pinto da Costa – fantástico (!), muito acima destas pessoas todas que andam agora por aí -, o Reinaldo Teles, o João Alves e o Presidente do Belenenses. “Mas o que é que estou aqui a fazer?”, perguntei. “O Pinto da Costa quer falar contigo”. Eu já tinha assinado o contrato com o Rayo, numa daquelas folhas A4 azuis… “Então vais jogar para onde?”, perguntou-me o Pinto da Costa, como se não soubesse, enquanto que da sala onde estávamos conseguíamos ver um corredor onde estava um homem para trás e para a frente: mais tarde vim a saber que era o diretor-financeiro do Rayo. “Vou para o Rayo Vallecano”, respondi-lhe. “Rayo quê? Isso é onde? Mais vale ires jogar para o Chaves. Dou-te o mesmo dinheiro que os espanhóis e assinas pelo FC Porto”. Pensei que estavam a brincar comigo. Assinei ali o contrato. Acredita numa coisa: estás a falar com o Pinto da Costa e não és capaz de dizer que não. É impressionante. Ele tem uma forma de te dar a volta e falar contigo… Digo-te pela alma do meu pai: ele já tinha o contrato todo preenchido, com o meu nome, com o nome dos meus pais, a minha morada, tudo! “E agora o que é que eu faço?”, ele agarra no contrato do Rayo Vallecano, rasgou aquilo tudo, meteu dentro de uma gaveta e respondeu-me: “Agora? Agora vais receber o prémio”. Foi a melhor escolha que fiz.

    Fonte: Facebook Fernando Mendes
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    Miguel Ferreira de Araújo
    Miguel Ferreira de Araújohttp://www.bolanarede.pt
    Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.