«Ser treinador do Porto e ganhar é competência, ser treinador do Braga e ficar em segundo é um milagre» – Entrevista BnR com Domingos Paciência

    -Da consagração no SC Braga à saída para o Sporting CP-

    «Se no Braga tivesse o Hulk ou o Falcão na minha equipa, eu ganhava a final e não era preciso ser muito bom treinador»

    BnR: Em 2009/2010, sucede a Jorge Jesus no SC Braga. Apesar de não ter começado da melhor maneira ao ser eliminado precocemente das competições europeias pelo Elfsborg, consegue o impressionante registo de sete vitórias nas sete primeiras jornadas da Liga, incluindo triunfos sobre o Sporting em Alvalade e sobre o FC Porto no Minho. Como explica um arranque tão positivo no campeonato?

    DP: Houve momentos que aconteceram em que eu ganhei o grupo e sentiu-se que nós podíamos fazer uma época extraordinária. Tínhamos um bom plantel, bons jogadores, um bom grupo, muitos deles brasileiros, que já estavam cá há muitos anos, mas que já tinham passado por clubes grandes e isso tudo isso ajudou muito. Acabou por ser uma época extraordinária, não haja dúvida, as pessoas pouco esperavam que isso pudesse acontecer. Num ano a lutar para ser campeão até à última jornada e depois no ano seguinte chegar à final da Liga Europa, algo que as pessoas não acreditavam que fosse possível fazer melhor do que na época anterior. Fiquei com algum receio de continuar no SC Braga porque poderia correr o risco de não fazer igual ou melhor do que tinha feito. No primeiro ano conseguimos pôr a equipa a lutar pelo título nacional e no segundo conseguimos pôr a equipa a lutar por um título internacional, era impensável que pudesse acontecer.

    BnR: Quais eram as pedras basilares do balneário desse SC Braga?

    DP: Tinha verdadeiros campeões. O Moisés era um campeão, o Eduardo era um campeão, o Vandinho era um campeão, o próprio Alan também. Depois tinha jogadores que faziam diferença. O Luís Aguiar, o Mossoró, o Paulo César, o João Pereira, o Sílvio, tive vários jogadores que realmente eram bons jogadores e que complementavam bem o balneário.

    BnR: Nas eliminatórias da Champions, vence o Celtic e Sevilha. Já na Champions consegue uma vitória caseira histórica frente ao Arsenal. Quando tinha começado a sua carreira como técnico principal, sonhava algum dia que uma equipa orientada por si jogasse na Champions, principalmente uma equipa da dimensão do SC Braga?

    DP: Não, porque não era esse o grande objetivo. Só para dizer que não tinha no meu contrato essa possibilidade, porque até para o presidente era impensável. Foi o caminho, o contexto, tudo isso.

    Em Braga faz história ao alcançar o 2º lugar no campeonato, uma presença inédita na Champions e a final na Liga Europa
    Fonte: SC Braga

    BnR: Acaba em terceiro lugar na Champions e já na Liga Europa volta a fazer história, eliminando Lech Poznan, Liverpool, Dynamo Kyiv e Benfica, até à final de Dublin. Como era por esta altura o estado anímico dos adeptos bracarenses, dos seus jogadores e do Domingos?

    DP: A partir de um determinado momento em que nós ganhamos a um Arsenal em casa por 2-0 e que fizemos o que fizemos contra o Liverpool, a equipa começa a acreditar que é possível. Nós estamos a competir com os melhores e a equipa acreditou muito. É evidente que houve muita estratégia de motivação, houve situações que foram criadas sempre no sentido de motivar, mas mais do que isso, foi a vontade de querer e o compromisso.

    BnR: Na final da Liga Europa, encontra nada mais nada menos do que…o FC Porto. Final mais especial do que essa era difícil. Como foi esse jogo em Dublin?

    DP: Se me perguntassem se algum dia gostaria que isso acontecesse na minha carreira, eu diria que sim. Mas se pudesse retirar alguma coisa, eu retiraria. O FC Porto não era o adversário certo para encontrar numa final de uma competição europeia. Pelo conhecimento que existia, pela equipa e pelos jogadores que o Porto tinha na altura. Com todo o respeito que tenho pelos jogadores que tinha no Braga, eu se no Braga tivesse o Hulk ou o Falcão na minha equipa, eu ganhava a final e não era preciso ser muito bom treinador.

    Falcão foi o carrasco do SC Braga na final europeia em Dublin
    Fonte: FC Porto

    BnR: Após o 2º lugar no campeonato, presença inédita na Champions e final da Liga Europa pelo SC Braga, segue-se o Sporting CP. Porquê o Sporting?

    DP: O Sporting CP apresenta-me um projeto todo ele de mudança radical e eu acreditei que seria a pessoa certa para mudar aquele clube. Fui com as pessoas certas, na altura com o Carlos Freitas que sabia como eu trabalhava, fizemos uma boa equipa num ano em que entraram 15 ou 16 jogadores. As coisas estavam a correr bem e o projeto que era para ser no fim de dois anos lutar para ser campeão, passou a ser de dois meses. Começaram a tirar jogadores que nós tínhamos ido buscar e depois mais tarde quiseram recuperar muitos desses jogadores. Estou-me a lembrar do Van Wolfswinkel, do Insua, do Elias, jogadores que tinham passado pelo Sporting e depois quiseram recuperá-los por serem bons jogadores, mas entretanto, já os tinham deixado sair.

    BnR: Continuou a achar o projeto aliciante depois da entrada de 15 a 16 novos jogadores? Para um treinador não deve ter sido nada fácil unir um balneário construído do zero. Como foi esse processo?

    DP: Era isso mesmo, vários jogadores e de várias nacionalidades. Não foi complicado unir o balneário, porque foram criadas estratégias de grupo bem pensadas para conseguir um grupo forte e unido e isso conseguiu-se. Juntar americanos, com argentinos, com brasileiros, com holandeses, peruanos, acho que foi uma experiência única. Para mim, no Sporting, foi o ano mais enriquecedor que tive como treinador. Acabamos por ter palestras, eu a falar em português, em espanhol, apresentações em power point em inglês, portanto todo esse trabalho foi feito.

    BnR: Sentiu impaciência por parte do clube?

    DP: Muita, muita. Nesse aspeto, foi o maior erro que contra mim cometeram. Foi falta de liderança e pressão. Eu tive oportunidade de falar com o presidente da altura e encontrei-o, ele mostrou o seu arrependimento, mas foi a decisão que tomou. Estou-me a lembrar que houve dois presidentes que senti que no dia em que me estavam a despedir não era por vontade própria. Foi o Godinho Lopes e o do APOEL. Senti que não o estavam a fazer de livre vontade.

    BnR: Acha que foi o maior erro da sua carreira aceitar a proposta do Sporting?

    DP: Não, se tenho ganho a Liga Europa teria outro tipo de clubes interessados, porque o treinador português para sair para o estrangeiro, para um clube com algum nível, terá de ganhar uma competição europeia, chegar à final não chega para entrar noutros patamares.

    Sai do comando do Sporting CP a 13 de fevereiro de 2012, com a equipa na quarta posição do campeonato
    Fonte: Sporting CP

    BnR: Mas quando o André Villas Boas ganha a Liga Europa com o FC Porto e dá o passo para o Chelsea, não sente que o feito de você levar o SC Braga a essa final é equiparável ou até ainda melhor?

    DP: Ser treinador do Porto e ganhar é competência, ser treinador do Braga e ficar em segundo lugar é um milagre. É essa a leitura que as pessoas fazem sempre.

    BnR: Então o passo maior que um treinador pode dar numa equipa como o SC Braga ou inferior, é chegar a um grande português?

    DP: Sim, esse é o passo. É chegar a um grande português e daí tentar fazer um bom trabalho. Vou dar um exemplo. Um treinador vai para o Benfica, é campeão dois anos e as propostas que tem é de ir treinar para a Arábia Saudita? Dessas também eu tive e não tive num clube como o Benfica e como o Porto. São aspetos financeiros que pesam, mas não são propostas equilibradas para o estatuto e história do clube. Porque é que isso não apareceu ao Jorge Jesus e ao Rui Vitória? É essa a leitura que eu faço e o passado assim o confirma.

    BnR: Aconteceu o mesmo com o Paulo Fonseca.

    DP: Sim, o Paulo Fonseca teve que dar um passo atrás, teve que voltar ao mesmo patamar para o Paços, ir para Braga e depois ir para fora. Não haja dúvida que o Shakhtar é um bom clube que participa na Liga dos Campeões, mas não estamos a falar dos grandes clubes da Europa.

    BnR: Tal como aconteceu o regresso do Paulo Fonseca ao Paços Ferreira, nunca pensou regressar ao Braga?

    DP: Eu recebi proposta do Braga quando estava na Turquia. Não voltei porque merecia, pelo menos, que me tratassem de uma forma mais aproximada da que eu tive quando saí. Eu saí com condições boas, para a dimensão do Braga, e quiseram-me recuperar por condições muito abaixo das que eu tinha na Turquia. Estamos a falar de condições dez vezes melhores em termos financeiros. Por muito que gostasse do Braga e quisesse voltar, aquele não era o momento certo.

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    Nélson Mota
    Nélson Motahttp://www.bolanarede.pt
    O Nélson é estudante de Ciências da Comunicação. Jogou futebol de formação e chegou até a ter uma breve passagem pelos quadros do Futebol Clube do Porto. Foi através das longas palestras do seu pai sobre como posicionar-se dentro de campo que se interessou pela parte técnica e tática do desporto rei. Numa fase da sua vida, sonhou ser treinador de futebol e, apesar de ainda ter esse bichinho presente, a verdade é que não arriscou e preferiu focar-se no seu curso. Partilhando o gosto pelo futebol com o da escrita, tem agora a oportunidade de conciliar ambas as paixões e tentar alcançar o seu sonho de trabalhar profissionalmente como Jornalista Desportivo.