«O FC Shakhtar lutava para ser campeão em Portugal» – Entrevista a Luís Castro (Parte I)

    – Portugal: O possível regresso e a cultura desportiva –

    «O que interessa a muita gente é o resultado
    e não discutir o porquê do resultado».

    BnR: A sua postura no futebol português sempre foi muito elogiada. De onde vem essa forma de estar?

    LC: Sou um ser humano. Às vezes apetecia-me ir para cima de muita gente quando falava, principalmente quando diziam que, por ter trabalhado no FC Porto, quando os defrontava não dava o máximo de mim. E apeteceu-me muitas vezes falar. Mas sempre fui aconselhado pelos meus pais para viver com a minha consciência e esquecer o que se dizia à minha volta. A minha consciência dizia que estava a dar o melhor de mim dentro de todos os princípios e valores que me foram ensinados. E foi sempre nesses valores que me resguardei. Aprendi, ainda no futebol de formação, graças a treinadores fantásticos que tive, a respeitar os árbitros, adversários, colegas que querem estar no teu lugar, e o treinador. E isso entrou em mim muito cedo. Sempre que tenho essa tentação, lembro-me dos meus pais, dos meus treinadores e de respeitar os outros, pois eles têm direito à sua opinião. O 25 de Abril, na minha cabeça, chegou muito cedo, para perceber que os outros são livres de dizerem o que querem e eu tenho de ouvir e calar, mesmo que muitas vezes não sejam tão respeitosos para comigo. Mas não ligar e não descer ao nível de quem nos está a tentar puxar é a melhor forma de respondermos. Estar calado é a melhor resposta. Não há nada pior para quem nos quer agredir do que ficarmos calado, pois eles perguntam-nos por aquilo em que estamos a pensar e o melhor é não responder. Fiz bem em seguir este caminho pois não tenho nenhuma má relação pessoal. E aproveito, agora que falo convosco, para realçar a forma respeitosa como a imprensa me tratou e sempre me obrigou a ter muito cuidado e a ser também muito respeitoso com as pessoas da imprensa. Porque muitas vezes falamos da imprensa e parece que é uma coisa vaga, mas a imprensa são as pessoas que trabalham lá. E sempre tivemos uma boa relação com a imprensa portuguesa. Foi muito gratificante trabalhar com a imprensa aí em Portugal ao longo dos anos em que estive ao serviço do futebol português.

    Luís Castro como treinador do Vitória SC
    Fonte: Vitória SC

    BnR: Gostava de voltar a Portugal ou não passa pelos seus horizontes?

    LC: Quando damos tudo, quando nos entregamos por completo e as coisas não aparecem, nós percebemos as coisas. Não podemos fechar os olhos e fazer de conta que as coisas não estão a acontecer. E eu nunca me deixei iludir com nada; vivi sempre o meu dia-a-dia. Neste momento sei qual é o caminho e o que me poderá esperar e é difícil olhar e ver que me espera o mercado português.

    BnR: Batemos na questão da cultura desportiva. Há, ou não, falta de cultura desportiva em Portugal?

    LC: Há um aspeto que fere muito a forma como se vive o futebol em Portugal. É muito resultadista. O que interessa a muita gente é o resultado e não discutir o porquê do resultado. Se formos ao porquê percebemos por que razão os planteis estão assim, por que razão alguns jogadores não recuperam rápido das lesões, por que é que há jogadores a levar muitos cartões amarelos ou vermelhos. Se vamos aos porquês, dentro daquilo que é a razão de um resultado percebemos que há outros agentes que também são culpados. Mas interessa que seja apenas o resultado porque só há um culpado que é o treinador e mais ninguém. Se analisarmos o porquê do resultado, vamos chegar à conclusão de que se podia ter reforçado mais o plantel ou os jogadores podiam estar mais equilibrados emocionalmente, dando melhores condições. Há vários agentes mas só interessa o treinador e isso é muito redutor, pensar o futebol a este nível de organização. O futebol vai muito além do que é a ação de um treinador, é muito mais organizacional e estrutural, há pilares que têm de ser muito fortes para que não se exponha tanto o treinador. Isso é fundamental acontecer e se os clubes tivessem essas estruturas estariam mais protegidos, poderiam falar o que falassem que lá dentro nada mexia. Logo, os clubes mais protegidos têm melhores caminhadas.

    BnR: É esse o ponto a melhorar no futebol português? A proteção ao treinador português?

    LC: Respondo com uma pergunta, quantos treinadores foram despedidos na primeira volta? Basta ver. Que critério preside a escolha do treinador? Não há uma análise antes da escolha do treinador? Parece que não se sabe o porquê de se contratar determinado treinador. A estatística mundial diz que a troca de treinadores na sua maior percentagem não resulta, só cria instabilidade nas equipas porque o problema é estrutural, como disse há pouco, não é do treinador. Se eu algum dia fosse presidente de um clube, seria firme na escolha de um treinador e, apesar de compreender a insatisfação da massa associativa, a melhor forma de responder à pressão é confiar em quem lidera.

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