«O Clube lá da Terra»: AD Marco 09

    «É muito fácil vermos presidentes que passam a vida em camarotes, em festas da AF Porto, da Federação Portuguesa de Futebol… e aqui não há nada disso, aqui todos trabalhamos por amor»

    BnR: O Marco 09 conta com muitos jogadores da terra na formação e nos seniores. O exemplo de sucesso dessa aposta é Gonçalo Cardoso do Boavista FC. A aposta no jogador local é para manter?

    EF: Claro, costumamos dizer que a formação é um projeto a longo-prazo. Algumas equipas aqui da região não apostam na formação porque quando uma direção entra num clube fica no máximo dois ou três anos. A grande maioria pensa que nesse espaço de tempo, para que tudo corra bem, o ideal é investir apenas na equipa sénior e não na formação. Esses miúdos como o Cardoso e como o João Mendes que recentemente assinou o primeiro contrato profissional pelo Vitória SC são os frutos já colhidos, mas acontecerá o mesmo daqui a alguns anos com esta geração. O nosso objetivo é continuar a investir para que o clube cresça em todos os sentidos. Mesmo que não consigamos lucrar no imediato, no futuro, uma eventual transferência de um desses miúdos vai ajudar muito o clube e fazer com que este cresça de forma sustentável. Gastar dinheiro apenas com o plantel sénior e trazer estrangeiros é errado e contra mim falo porque sou brasileiro e vim para Portugal numa aposta dessas.

    Gonçalo Cardoso integra os quadros da equipa sénior do Boavista FC e foi formado no AD Marco 09
    Fonte: Boavista FC

    BnR: E quais são os grandes benefícios que essa aposta tem trazido?

    EF: Neste momento estamos em primeiro lugar na Divisão de Honra e nas duas séries somos o clube com mais pontos contando com 16 jogadores formados no clube, ou seja, temos muito menos custos em relação ao plantel sénior. Posso garantir que temos um plantel sénior completamente sustentável e barato por ter jogadores da formação. É uma aposta que temos feito e tem dado certo. O nosso capitão, o Serrinha, é o melhor marcador da divisão e é daqui da terra. Podíamos gastar muito dinheiro e ir buscar um ponta-de-lança brasileiro, mas neste momento temos o Mirandinha que é excelente e é de Amarante, cidade vizinha. Nem tudo o que é de fora bom e apostar na prata da casa é o que traz resultados para o clube.

    BnR: Um problema do futebol português, especialmente nas divisões distritais, é a falta de adeptos nas bancadas a apoiarem o clube da terra. Como é que vê toda esta situação na perspetiva de dirigente desportivo?

    EF: É uma tristeza que eu tenho aqui em Portugal nesse sentido. Eu dou sempre o exemplo do Brasil, eu joguei muitos anos lá a nível de formação e lembro-me quando jogava no São Paulo, era infantil, íamos para o interior do Brasil fazer um jogo e a cidade inteira ia apoiar o clube da terra. Isso é uma mentalidade, que infelizmente em Portugal, nós só vemos em Guimarães ou mesmo em Matosinhos com o Leixões. As pessoas da própria terra preferem estar no sofá a ver os três grandes a jogar do que vir apoiar o clube da terra. E se um dia o clube da terra jogar contra um desses clubes, há muitas pessoas que estão na bancada pelo lado dos grandes e não do lado do clube da terra. As pessoas deviam interessar-se mais pelo clube da terra porque um dia esse mesmo clube pode ajudar essa pessoa de alguma forma, seja através dos filhos ou através dos netos, ou seja, é sempre importante para quem mora na cidade e infelizmente não se dá muito valor.

    Uma das maiores conquistas para Eduardo Filipe foi o regresso do “orgulho marcoense”
    Fonte: Luís Barros/Bola na Rede

    BnR: E como é que acha que esse problema pode ser solucionado?

    EF: Trabalhar muito a nível do marketing. O marketing desportivo tem de ser fundamental. É necessário criar campanhas que consigam consciencializar as pessoas a ajudar o clube da terra. Outra coisa que é fundamental, é a aposta na casa porque no fundo as pessoas também vêm pelos atletas que são da terra, porque têm um neto, têm um sobrinho ou um filho que joga no clube da terra. Óbvio que não pode ser “ter um jogador por ter”. Tem de ser um jogador bem formado nas categorias base. Isso faz com que a cidade, quer queira quer não, acabe por abraçar um pouco o clube. Sentimos um pouco isso, pois o povo daqui ainda está um bocado afastado… o que é normal, o Marco esteve lá em cima e agora está nas distritais. Não se vê uma casa tão cheia como no tempo do FC Marco, mas já se vê uma casa bem composta.

    O AD Marco 09 tem cada vez mais adeptos presentes nos jogos
    Fonte: Luís Barros/Bola na Rede

    BnR: A subida de divisão já está garantida. A próxima época já está a ser trabalhada ou só vão pensar nisso depois desta acabar?

    EF: Neste momento ainda não temos trabalhado em quase nada relativamente à próxima época. Nós temos uma base daquilo que pretendemos para a próxima temporada e tudo vai depender do desenrolar do campeonato. Depois conversamos com os nossos treinadores e jogadores para sabermos a disponibilidade de continuar, mas neste momento ainda não pensamos muito nisso. Queremos desfrutar primeiro este momento e depois teremos tempo para trabalhar e organizar um bocado a próxima época.

    O Marco 09 é o clube com mais pontos das duas séries da Divisão de Honra da AF Porto
    Fonte: Associação de Futebol do Porto

    BnR:  Já são anos de José Oliveira no comando da equipa e as coisas estão a correr da melhor forma. Como é a relação com o treinador?

    EF: A relação com o Zé é do melhor que pode haver. Ele é uma pessoa frontal e sincera. Falamos abertamente e falamos quase todos os dias. Conversamos sobre tudo – sobre o plantel, treinos, condições para o clube, as condições para ele e para a equipa técnica trabalhar e não ter problemas. Depositámos nele muita confiança e ele através dessa confiança provou-nos a qualidade que ele tem como treinador e que está a mostrar dentro de campo e na gestão do grupo e na sua formação. Tem sido uma aposta muito gratificante. Considero-o um amigo, não o conhecia antes de chegar ao Marco e tivemos os nossos atritos como todos os amigos tem. É normal, eu sou o presidente e ele é o treinador… ele diverge de coisas comigo e eu de certas coisas que o Zé faz, mas sempre de uma maneira frontal e sincera e assim acabamos por nunca ter muitos problemas de relacionamento. No caso de um dia um de nós sair do Marco, sei que é um amigo que posso levar para a vida toda.

    BnR: Como descreve o dia a dia de ser Presidente do AD Marco 09?

    EF: Não é fácil. Infelizmente, a nossa família acabar por ficar para segundo plano. Tendo o Marco 09 quase 250 atletas é como se tratasse de uma empresa que leva muito do nosso tempo. Acabamos por estar ausentes porque trabalhamos aqui praticamente 24 horas por dia. Joguei futebol como profissional durante 18 anos e nunca tive vontade de ser treinador ou empresário. A única coisa que eu gostava e tinha em mente se um dia parasse de jogar futebol era ser dirigente. Quando surgiu essa proposta de estar na direção do AD Marco 09 aceitei logo sem pensar duas vezes. Se custa? Claro que sim, estamos a despender de muita coisa para trabalhar em prol do clube, mas tem sido bom. Acho que as pessoas, apesar da exigência, compreendem que nós somos amadores e sinto muita paciência nos marcoenses que sabem que estamos a fazer isto por amor. Quando se faz com amor, nenhum sacrifício custa.

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    Tiago Moura
    Tiago Mourahttp://www.bolanarede.pt
    Desde criança a colecionar cromos e recortes de jornais de vários jogadores até às longas carreiras nos videojogos no seu clube do coração, foram muitas as alegrias que o desporto rei lhe proporcionou. Assume ficar fulo quando não consegue acompanhar um jogo da equipa da cidade Invicta, mas no que toca a tudo o que acontece à volta do seu clube sente a obrigação de estar sempre atualizado. Estuda Ciências da Comunicação e é através da escrita que se prefere expressar.