«Jorge Jesus abriu a porta para muitos profissionais de Portugal no Brasil» – Entrevista BnR com Sandro Orlandelli

    – A ciência na base do espetáculo –

    «Um menino de 15 anos pode não correr bem, mas pode ter potencial para isso. Tem de se chegar ao potencial»

    BnR: O Scouting está muito ligado à carreira do Sandro. Pode explicar-nos um pouco do que é o Scouting?

    Sandro Orlandelli: Em primeiro lugar, o Scouting é entender o que é o Scouting. Ainda para mais, estamos a viver a quarta revolução industrial, a era digital em que a máquina vai substituir o homem, a questão visual é muito sedutora e predomina muito no aspeto quantitativo. O scouting é predominantemente qualitativo. Quando se observa um jogador, observa-se o apeto físico, técnico, tático e mental. Num exemplo físico, quando o estiver a ver nas demonstrações de velocidade que ele produz, o olhar tem de ser muito próximo a uma fotocélula, ao que a tecnologia produz, para se identificar que tipos de velocidade ele produz e qual a qualidade dessa velocidade, porque se está no jogo a ver o jogador, ele não pertence ao seu clube, não se tem o auxílio de uma fotocélula. Tanto no aspeto da maturação, nas faixas etárias cronológicas e nas ligas que se jogam com talento, é necessário entender os contextos. Se fizer scouting na formação, até 14 anos é uma forma de análise, respeitando os processos de crescimento, dos 15 aos 17 é outro, tudo inserido no crescimento e desenvolvimento. Tem de haver conhecimento de aprendizagem motora, de fases de aprendizagem, porque um menino de 15 anos pode não correr bem, mas pode ter potencial para isso. Tem de se chegar ao potencial. Se der um estímulo coordenativo nesse menino, em que aumente a amplitude da passada do movimento e torne correto o alinhamento corporal, ele já se torna um jogador rápido. Às vezes é um jogador que toma boas decisões, mas não teve estímulo de sincronismo da técnica do passe. Então, uma correção de estímulos pode ajudar a que esse menino seja um jogador com grande qualidade de passe. Quando se vai para um aspeto profissional, avalia-se mais o momento. Pode fazer uma análise a um jogador em janeiro, e em dezembro, por um motivo pessoal, má alimentação, má gestão de treino, por algum motivo ele já não é o mesmo, surge outra análise. Isto demoraria dias ou meses a explicar.

    Fonte: Instagram Sandro Orlandelli

    BnR: O Sandro trabalhou como Scout, como diretor de futebol, antes já tinha sido treinador. De qual papel gostou mais?

    Sandro Orlandelli: Essa é uma pergunta interessante. Eu sempre estive aberto à versatilidade no futebol. O futebol apaixona-me num contexto geral. Ser treinador foi o meu início neste processo todo e acho que consegui corresponder com as entidades em que trabalhei, mas apareceram oportunidades para trabalhar no scouting e aí eu descobri outro lado do Sandro: conseguir fazer uma projeção dos potenciais, e isso ajudou-me muito. Como eu me especializei em várias áreas dentro do futebol, a área da gestão técnica, como coordenador técnico, permitiu-me ter discussões com profissionais de todas as áreas: fisiologia, área médica, de análise de desempenho, de scouting… E isso foi desenvolvendo ao longo dos anos em mim. E eu, se disser no que tenho mais prazer, é exatamente a função que desempenho hoje. Eu preparei-me muito para que tivesse esta oportunidade, eu sempre procurei atingir o máximo da minha capacidade em tudo o que investi, nos conhecimentos, e hoje eu vejo, dentro dessa oportunidade que tenho, num dos melhores momentos da minha vida, o Sandro como profissional. A resposta então seria a área da direção técnica, interagir com os treinadores, ajudar a realçar as pessoas, a melhorar o potencial das pessoas, isso interessa-me bastante.

    BnR: Sempre foi virado para América do Sul em todos os clubes?

    Sandro Orlandelli: No Saint-Étienne foi mais América do Sul, no Manchester United também, predominantemente Brasil, e no Arsenal também, eu era o Head Scouting na América Latina, mas no Arsenal tive a oportunidade de vivenciar muitas situações, pelo dinamismo que havia na minha posição. Então, fazia muitas viagens pela Europa para fazer análises de jogadores noutros mercados também, para entender qual o processo de adaptabilidade do jogador sul-americano à Premier League, é o grande desafio até hoje. Então isso permitiu que eu tivesse uma noção muito ampla do meio europeu de análise, mas predominantemente especializei-me na América do Sul.

    BnR: Concorda que é muito mais fácil a adaptação do jogador brasileiro à Premier League hoje do que em 2002/2003, quando começou no Arsenal?

    Sandro Orlandelli: Eu estive num processo muito interessante na Inglaterra, participei no processo de transição do jogo. O jogo era muito verticalizado, era um tiro direto para área, muita velocidade, muita força, muito contacto corporal, o que se tornava muito difícil para o jogador brasileiro, então eu ressalto muito o Edu, o Sylvinho, o Gilberto Silva, porque eles conseguiram destacar-se nessa liga num momento em que era muito difícil jogar futebol, eles podiam fazer esse jogo, mas o adversário não, então era muito complicado para esses jogadores terem destaque e eles tiveram destaque. O Denilson, na altura um menino do São Paulo que jogou três anos no Arsenal, ele conseguiu desenvolver muito bem o papel dele também numa fase muito difícil da transição de jogo. Hoje o futebol, com essa ideia liderada pelo Arsène Wenger, ele é que lançou a bola pelo chão no futebol inglês, vemos todos os clubes a ter esse seguimento, e assim fica muito mais fácil. O conforto com a bola, a relação com a bola, ela tem um valor muito grande na Premier League, e o talento brasileiro é muito favorecido. Hoje o jogador brasileiro consegue adaptar-se na liga mais competitiva do mundo.

    BnR: Como treinador, quase que já deu a volta ao mundo todo. Como foi a experiência?

    Sandro Orlandelli: O futebol é um mercado, como se fosse uma árvore muito grande, ele não deixa ser abraçado, mas oferece várias ramificações, em que uma delas é para ti. Eu fui um modesto jogador de futsal no Japão, e, sabendo das minhas limitações, fui dando treino aos miúdos e a primeira surpresa positiva que tive foi, saindo de um país que tinha a hegemonia do futsal, eu pensei que ia ensinar algo no Japão, mas aprendi muito mais do que ensinei, e isso deixou-me de olhos abertos para o mundo, e a partir daí fiquei com vontade de conhecer os mercados do futebol mundial. Como nós temos uma cultura muito mais voltada para o mercado interno, eu quis dar a volta ao processo, quis ir para fora do Brasil procurar conhecimento para aplicar no Brasil. Eu acredito muito na força mental e sempre me mentalizei em procurar as oportunidades e sempre fui pelo amor ao que faço e não pelo dinheiro. Iniciei com uma oportunidade de ser adjunto no futsal do Japão, depois fui para França, para o Saint-Étienne, depois tive uma oportunidade única no Arsenal.

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    Pedro Pinto Diniz
    Pedro Pinto Dinizhttp://www.bolanarede.pt
    O Pedro é um apaixonado por desporto. Em cada linha, procura transmitir toda a sua paixão pelo desporto-rei, o futebol, e por todos os aspetos que o envolvem. O Pedro tem o objetivo de se tornar jornalista desportivo e tem no Bola na Rede o seu primeiro passo para o sucesso.                                                                                                                                                 O Pedro escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.