-Porto Sentido–
“Calma, calma, porque vai dar bera”
BnR: Que referências tinhas do clube e da cidade quando chegaste a Portugal?
MJ: Fui mentalizado para jogar. O conhecimento, tanto do clube, como da cidade, era uma consequência da minha profissão e foi acontecendo gradualmente. Devagar também fui conhecendo os meus colegas e fazendo amigos. Sabes que não cheguei como titular? As pessoas começaram a contestar-me, eu vinha da Libertadores muito cansado e não estava a render o que podia… As pessoas diziam que o Jardel “não sabe dar um passe” e aí eu falava “calma, calma, porque vai dar bera”.
BnR: E deu. Não temos tempo suficiente para enumerar os títulos que conquistaste ao serviço do FC Porto, portanto foquemo-nos no célebre “penta”, para o qual muito contribuíste: numa média superior a um golo por jogo, apontaste 130 golos em 125 partidas. Já te ouvi dizer que eras especial por seres diferente. O que te tornava diferente?
MJ: Boa pergunta! Ninguém me fez essa pergunta dessa maneira… Parabéns! [risos] Olha, penso que o que me tornava diferente era a minha força de vontade. Chegar cedo, ser o último a sair, pedir para treinar a finalização sempre (!)… eu já tinha um dom de cabeceio e de posicionamento e pensava “porque não melhorar?” e foi o que aconteceu. Ninguém me segurava. Chegava, dizia que ia ser o melhor marcador e no final fazíamos as contas: cinco vezes seguidas melhor marcador do campeonato português. Não tem igual. Mas quero ressaltar a ajuda de todos os meus companheiros.
BnR: Sapateiro do golo, passaram-te pelas mãos (e pelos pés) todas as botas: primeiro a de prata, depois a de ouro e também a de bronze. Os prémios individuais eram um objetivo?
MJ: Era o primeiro objetivo para mim. Lógico que com um encaixe certinho do “time”, as chances era grandes. Tornei-me o único brasileiro com duas Botas de Ouro e foram anos inesquecíveis. Tenho um enorme respeito pelo FC Porto, tenho passaporte português… É impossível esquecer-me desta história tão maravilhosa que construí.
BnR: Por falar em inesquecível, estreias-te nas competições europeias em San Siro e logo com um bis frente ao AC Milan, garantindo a vitória à tua equipa. Que memórias tens desse encontro?
MJ: Todas! Em princípio ia entrar de início (…) fiquei surpreso em ficar no banco, mas tudo bem… quando o Joaquim Teixeira me chamou para entrar, disse-me “Vai lá e faz um golo” ao que lhe respondi “Não. Eu vou fazer dois”. Nunca mais me esqueço: tínhamos um prémio estipulado por empate e por vitória, que foi mudado depois do jogo. Com o Jorge Costa, o Aloísio… pressionámos tanto a direção que dobrámos o prémio! [risos]
BnR: Na senda das recordações, já te ouvi descrever Sérgio Conceição como “um cara que se cobrava muito enquanto jogador” e que transporta essa exigência para a função atual. De um ponto de vista mais técnico-tático, já na altura o ex-extremo dava ares de poder vir a ser treinador?
MJ: Não se percebia e não o via como treinador, mas a vida dá voltas, sei pelo que ele passou, e nada é mais merecido. Quero aproveitar para dar-lhe os parabéns pelo excelente trabalho que ele tem vindo a desenvolver.
BnR: Incontáveis foram os craques com quem dividiste o balneário nessa altura, mas havia um sérvio pequenino de pé esquerdo açucarado que sei que te marcou. A tua relação com Drulović foi a mais especial ao longo da tua carreira?
MJ: Sem dúvida! De todas, por ter sido durante quatro anos, o miúdo chegava tanto pelo lado direito, como pelo lado esquerdo, e eu não sei o que é que ele fazia, porque a perna dele virava de um lado para o outro. Era um jogador diferenciado, que hoje é meu amigo e sempre que falo com ele agradeço-lhe todas as assistências que me fez.
BnR: E foram muitas. Para fechar o capítulo FC Porto, se te pedir para escolher de entre o golo de letra frente ao Juventude de Évora, (…) [não deixou acabar a resposta]
MJ: Acertou! Vou dizer os cinco melhores: primeiro o de letra; segundo San Siro; o de bicicleta contra o Campomaiorense, em que a bola bateu e fui junto como ela; em quarto o do Farense de pé esquerdo sem deixar cair e, por último, o golo contra o Benfica em que domino com o peito e remato ao ângulo. Olha, vamos botar este em primeiro só para picar os benfiquistas [risos].