«Os dois anos no Vitória FC foi onde eu desfrutei mais de jogar» – Entrevista BnR com Artur Jorge

    -De estrela de aeroporto à regularidade encontrada em Setúbal-

    “Quando cheguei ao aeroporto, tive uma receção como acho que nunca mais vou ter na vida ”

    Bola na Rede: Na época que se seguiu, tu vivenciaste a primeira experiência internacional e logo num clube que, no passado, integrou o lote dos grandes europeus. Foste transferido para o Steaua de Bucuresti. Mas a época não te corre de feição. O que aconteceu?

    Artur Jorge: A opção do Steaua já surgiu muito tarde no mercado e foi quase uma opção de recurso. Aquilo cativou-me porque, como disseste, foi um grande europeu e, a nível interno, era o maior clube da Roménia. Sabendo que teria de sair, a escolha incidiu sobre o Steaua. Não me arrependo, mas, depois de lá estar, percebi que era um clube com umas dinâmicas um bocadinho diferentes e complicadas. O presidente/dono (Gigi Becali) era muito polémico e a verdade é que eu também tive a infelicidade de, na minha estreia, marcar um autogolo. Eu cheguei e, no dia seguinte, estreei-me. Estávamos a meio dos playoffs da Liga dos Campeões, contra o Sporting CP, e, nessa gestão, eu joguei logo. Não tinha feito pré-época, não tinha feito nada. Devido à gestão que ele faz ali na equipa – é ele que manda e ponto final – decidiu (falo logo nisso durante essa semana) que não saberia se eu iria ter mais oportunidades porque não tinha gostado da estreia. De facto, na primeira semana, vi logo que ia ter uma época complicada.

    Bola na Rede: Falaste aí do autogolo, eu ia perguntar-te isso precisamente agora. Eu pesquisei notícias sobre ti, tive que realizar o trabalho de casa, naturalmente. Existe uma notícia muito interessante, avançada – na altura – pelo ZeroZero, que dizia “autogolo aos 14 segundos… e estrela no aeroporto”. Queres contar-nos o que se passou?

    Artur Jorge: No dia anterior, eu tinha chegado e a equipa tinha empatado em Alvalade (0-0), na primeira mão do playoff de acesso à Champions League. Estava num bom momento e lá está, como te disse, é um gigante na Roménia. Se estiveres dentro da realidade, consegues ter essa ideia e perceber o que estou a dizer. Eu não tinha bem, no início. Quando cheguei ao aeroporto, tive uma receção como acho que nunca mais vou ter na vida. Sobretudo da imprensa. Aqui em Portugal nunca tinha vivenciado isso e não estava habituado, naturalmente. Achei aquilo diferente e motivador, ao mesmo tempo. Acompanhavam-te desde a chegada ao aeroporto até ao carro, com as câmaras atrás de ti e tudo mais. Penso que seja daí que venha o termo “estrela do aeroporto”. De facto, fui recebido como tal. No dia seguinte, acontece aquela infelicidade; na primeira vez que toco na bola, faço um autogolo. É caricato, é raro, mas aconteceu.

    Bola na Rede: Na época que se seguiu, 2018/2019, regressas a Portugal e assinas contrato com o Vitória de Setúbal. Representas os sadinos durante duas temporadas. Sentes que foi daquelas situações nas quais dás um passo atrás para no futuro dar dois à frente?

    Artur Jorge: Claramente, claramente. Depois dessa época na Roménia, onde joguei muito pouco para aquilo que é uma temporada inteira, eu tinha muito poucas opções. E só tinha dois caminhos: ou continuava por mercados alternativos, não estando nas equipas mais fortes, ou voltava a Portugal, que era uma liga que eu conhecia e a um clube que me quisesse de modo a que voltasse a ganhar confiança, condição física e regularidade, fatores essenciais para um jogador. Abdiquei da parte financeira, de tudo, para olhar só para a parte desportiva. Eu venho da Roménia numa realidade contratual completamente diferente daquela que encontrei em Setúbal. Em relação ao Steaua de Bucuresti, o Vitória de Setúbal foi completamente diferente: desde a abertura do mercado, foi um clube que demonstrou sempre muito interesse. Ligaram-me, quiseram contar comigo e eu não hesitei. Enquadrava-se dentro daquilo que que queria. Uma equipa de Primeira Liga, com muita História, com histórico de lançar jogadores nas últimas épocas, porque nas temporadas anteriores tinha lançado imensos jogadores, mesmo para os três grandes. O tempo veio dar-me razão. Eu tinha que jogar, senti que a minha carreira precisava disso.

    Bola na Rede: Qual foi o treinador que mais te marcou em Setúbal?

    Artur Jorge: Velásquez, talvez…

    Bola na Rede: Identificaste-te com ele pela personalidade, pelo método de treino?

    Artur Jorge: Sim. Muito metódico, muito ao pormenor, e eu vejo o futebol um bocadinho também dessa forma. Portanto, identificava-me com aquilo. E depois pelo facto de coincidir – apesar de eu não acreditar nesse mundo – com o meu melhor momento de forma a nível de rendimento até hoje, se calhar. Foi uma fase na qual eu estive muito bem e juntou-se o útil ao agradável. Poderá ser um bocadinho por aí. Contudo, todos os treinadores que eu tive no Vitória de Setúbal (o mister Lito, o mister Sandro) joguei com todos eles, retirei um bocadinho de todos eles e gostei, honestamente, de ser treinado por todos eles. Portanto, eu estou aqui a dizer o Velásquez porque apanhou o meu pico de forma, mas, sinceramente, entre os três, não existe grande diferença nesse aspeto. Até seria injusto da minha parte…

    Bola na Rede: Para além de completares duas temporadas de forma sólida, também marcaste alguns pontos fora das quatro linhas. Existe um vídeo na internet que demonstra a surpresa que preparas a um adepto do clube, no dia do seu aniversário e em frente à escola que ele frequentava. Foi combinado ou partiu da tua iniciativa/ iniciativa do clube?

    Artur Jorge: Não, partiu da minha iniciativa. Se me recordo, era um miúdo que gostava imenso de mim, esperava por mim à porta do estádio. Ele já me tinha pedido a camisola algumas vezes, no final dos jogos. Em conversa com um diretor, soube que o miúdo fazia anos, já não me recordo bem como. Surgiu essa ideia, de preparar uma surpresa e levar-lhe a camisola assinada. O próprio clube ganha com isso porque desempenhava uma boa ação, eu próprio também e o miúdo ficava feliz. Seguíamos todos a ganhar. Ele adorou. É de vincar que o Vitória de Setúbal tem muitas iniciativas desse género. Daí, eu te digo. Foram os dois anos onde eu desfrutei mais de jogar, foi ali, até hoje. Mesmo na cidade, senti-me muito valorizado, como nunca me senti até hoje em lado nenhum. Foram dois anos muito bons.

    Bola na Rede: Já que estamos a falar desse assunto, queria perguntar-te se sentes falta de mais momentos desses no futebol, ou seja, a partilha e a confluência entre jogadores e adeptos?

    Artur Jorge: Sim, porque não? Agora não porque estamos num contexto completamente diferente e específico e não vale a pena estar aqui a repetir tudo o que já foi dito. Eu acho que está intimamente ligado o jogador, ou o jogo em si, ao adepto. Tanto é que agora vivemos a experiência de jogar sem adeptos e é horrível. Não acredito que haja algum jogador que goste disto ou que possa retirar algum prazer disto. Porque não essas iniciativas fora do campo? Um jogador sente-se valorizado porque existem pessoas a apreciar o seu trabalho, o adepto fica super realizado. Normalmente, nota-se que os clubes já começam a fazer esse tipo de coisas. Acho que é importante e benéfico para todas as partes!

    Bola na Rede: No final da temporada transata, encerras mais um capítulo. Certo que da forma que menos querias e desejavas porque o Setúbal acabou por descer de divisão. Vi um post teu na internet acerca da despedida, onde é percetível o agradecimento que fazes a todos os que caminharam contigo, dos jogadores ao staff. Que momentos é que guardas com mais sentimento de pertença e carinho?

    Artur Jorge: Imensos! Nos dois anos tivemos grupos muito bons, mas o staff que ali trabalha é muito bom. Não só a nível profissional, mas também pessoal. Eles trabalham ali quase por amor à camisola. São pessoas que estão ali todo o dia, de manhã à noite, que dão quase a vida pelo clube e nós sentimos muito isso. A parte da rouparia, as senhoras do pequeno-almoço. Tudo isso! Estavas ali dentro e sentias aquilo como uma família. O ambiente era muito propício a isso. por trás, o clube tem uma grandeza irreconhecível – Setúbal é uma cidade muito grande, muito mais o distrito então. Eu acredito que existam poucos clubes na Primeira Liga a ter a massa adepta que o Vitória tem e quantidade de pessoas que seguem e acarinham o clube. A gabarem-te tanto num restaurante, num café, numa simples saída.

    Bola na Rede: O Vitória SC, talvez…

    Artur Jorge: Sim, sim. Mas se nos referirmos a mais de metade dos clubes da Primeira Liga – e eu não quero estar aqui a dizer nomes – nenhum tem este tipo de História que o Vitória de Setúbal tem. Seguramente! Infelizmente, o clube atravessava uma crise financeira desde há muitos anos atrás. Eu passei ali momentos muito simples com as pessoas, mas ao mesmo tempo muito agradáveis. Mesmo dentro do campo, nos dois anos, temos momentos incríveis. No meu primeiro ano, fomos a Chaves e selamos a manutenção. Quem perdesse, praticamente descia. Mobilizaram-se imensas pessoas de Setúbal para nos ver vencer o GD Chaves. Eles desceram nesse ano. No ano passado, vamos a Alvalade a precisar de pontuar. Empatamos e a receção na chegada ao aeroporto é fantástica! Digna de clube grande! Foram, sem dúvida, momentos que me fizeram ver a grandeza do clube! Foi devido a isso, de facto, que me de muito prazer jogar lá. Esquecendo todos os problemas administrativos. Não pensavas naquilo também. Esquecias-te de tudo.

    Bola na Rede: À próxima pergunta; não sei se me vais responder. Fizeste a tua formação e cresceste no SC Braga; tiveste dois anos em Setúbal fantásticos, como me acabas de dizer. Pode dizer-se que os dois clubes ocupam o mesmo lugar no teu coração?

    Artur Jorge: Ocupam os dois lugares no meu coração, apesar de estarem em sítios diferentes. Com o SC Braga, eu tenho uma relação distinta. A começar pela relação familiar. Aconteça o que acontecer, é uma ligação muito íntima. O trajeto do meu pai, a forma como cresci. Passei os meus anos todos dentro do clube. É diferente! Quanto a Setúbal, antes de lá chegar não me dizia rigorosamente nada. Mas, depois, considero ser a cidade que melhor me tratou, onde me reconheciam e reconheciam o que fazia, onde fui eleito 10/15 vezes para o onze da jornada. Isto faz-me gostar do clube! Ali consegui ter sucesso. Lugares diferentes, mas os dois no meu coração.

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    Romão Rodrigues
    Romão Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    Em primeira mão, a informação que considera útil: cruza pensamentos, cabeceia análises sobre futebol e tenta marcar opiniões sobre o universo que o rege. Depois, o que considera acessório: Romão Rodrigues, estudante universitário e apaixonado pelas Letras.                                                                                                                                                 O Romão escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.