Seleção Nacional | A desmedida gratidão em detrimento da ocasião

    A um mês do Campeonato do Mundo, não é com as melhores perspetivas que o povo português encara a participação da seleção nacional na mais prestigiada competição mundial de futebol. À imagem do que aconteceu frente à Sérvia, em novembro de 2021, Portugal voltou a deixar escapar um objetivo nos minutos finais durante a última jornada de seleções, desta vez contra a Espanha, e viu-se assim afastado da fase das decisões da Liga das Nações, pela segunda edição consecutiva.

    Em causa não está, o que torna a coisa um pouco mais negra, a eliminação em si, até porque não falamos aqui de uma prova propriamente prestigiada. É natural que se a qualificação para a final-four tivesse sido conseguida, a conversa e o burburinho à volta de toda a situação não seriam tão intensos, mas para quem quer realmente analisar e falar de futebol, esta seria sempre uma questão e já há muito que vem sendo, apesar de haver quem prefira agarrar-se apenas às bolas que passam a linha de golo.

    Tudo isto se torna um tema quando, e aqui permitam-me um discurso mais opinativo, está à vista de todos que a qualidade individual da seleção portuguesa não está a ser minimamente aproveitada e poucas ou nenhumas responsabilidades estão a ser atribuídas. A prática de um futebol pouco vistoso já há muito que foi escrutinada e analisada, no entanto pouco ou nada se fez a partir do momento em que isso se tornou claro para todos. Grande parte dos jogos que Portugal faz são, efetivamente, contra seleções muito mais fracas, e os resultados acabam por surgir com naturalidade, mas é quando chega a altura de nos enchermos de coragem para enfrentar desafios maiores que assumimos uma postura de equipa pequena, que parece não conhecer a qualidade que tem no seu seio.

    Aqui a questão é mais ou menos pacífica, creio que a maioria dos portugueses concordará com esta posição. Outra questão que me parece unânime é que, quem mete a equipa a jogar (ou não) é o treinador, e por isso Fernando Santos tem de ser responsabilizado pela falta de resultados que Portugal vem demonstrando. É verdade que é, por outro lado, o grande “obreiro” da maior conquista do futebol português até aos dias de hoje, à qual juntou a conquista da Liga das Nações, mas aqui importa, mais uma vez, não olhar apenas para as bolas que entraram, mas sim para aquilo que ia sendo efetivamente feito no campo durante os 90 minutos (ou 120) de cada partida. E aqui creio que é também pacífico afirmar que Portugal não era, em 2016, a seleção que melhor futebol praticava na Europa. Isso pouco importa, uma vez que o resultado foi o que foi, mas neste contexto importa perceber que a seleção ganhou, na altura, da única maneira que poderia ganhar. As opções que o selecionador tinha não eram, nem pouco mais ou menos, parecidas às que hoje tem, e nesse aspeto é totalmente compreensível que Portugal tenha enfrentado, por exemplo, a França, numa estratégia mais defensiva.

    Em 2019, na Liga das Nações, já com a qualidade individual a aumentar drasticamente, a coisa acabou por se dar novamente, um pouco dentro da mesma estratégia que três anos antes tinha dado sucesso. Mais uma vez, o resultado não poderia ter sido melhor, mas já aqui se começava a perceber que era necessário que o selecionador evoluísse de mãos dadas com a qualidade da formação nacional. Não aconteceu, e a realidade é que os anos vêm passando, o valor da equipa vai subindo, mas as ideias (ou falta delas) de Fernando Santos vão-se mantendo.

    A falta de ação acaba por ser, por si só, uma ação (por sinal muito perigosa) e chegamos a este ponto, onde a grande maioria do povo se vai revoltando por ver uma seleção com tanta qualidade se submeter à posse de bola de uma Espanha modestamente inferior, contentando-se com saídas rápidas e tentativas de golo em ocasiões de descompensação de “nuestros hermanos”. Como é que se faz alguém mais desatento acreditar que uma equipa com Rúben Dias, João Cancelo, Nuno Mendes, Rúben Neves, Diogo Jota, Bruno Fernandes, Cristiano Ronaldo, Vitinha, Bernardo Silva, João Palhinha, Rúben Neves, João Félix, Rafael Leão, etc, passou 70% de um jogo atrás da bola? Como é que, em termos práticos, se prepara jogadores que nos seus clubes estão acostumados a ter bola grande parte do tempo, para passarem 60 ou 70 minutos a correr atrás dela, esperando pacientemente pelas poucas abertas que seleções de elevado nível possam permitir?

    Não faz, efetivamente, grande sentido, e é neste panorama que é necessário perceber que, apesar de tudo o que de bom fez, Fernando Santos já não é a pessoa certa para liderar este grupo de jogadores. Não tem mal nenhum nisso, cada treinador tem a sua ideologia e as suas ideias, mas a verdade é que está, já há algum tempo, à vista de todos, que a qualidade de todos estes jovens precisa de um outro tipo de abordagem ao jogo.

    A questão da gratidão, ou falta dela, que também a Cristiano se tem associado, não pode imperar para sempre, e é urgente saber fechar ciclos, algo que a Federação decididamente não está a saber fazer. Se agora é a altura certa para procurar outra solução? Provavelmente não, porque nenhum treinador, por muito bom que seja, conseguirá implementar ideias novas com tão pouco tempo de treino antes do Mundial, mas após esta grande competição, onde Portugal dificilmente terá grande sucesso, é imperativo que se encontre um selecionador que vá de encontro às capacidades atuais dos jogadores à disposição.

    Quanto a um dos melhores da história do futebol, que nos últimos dias muita polémica tem gerado, seria também interessante, para bem do coletivo, começar a perceber que Cristiano não é, com toda a legitimidade, o mesmo que foi, e que no seu lugar poderá aparecer alguém capaz de dar muito mais ao jogo, algo que só tem de ser encarado com naturalidade e não como um fracasso. Ronaldo continuará e deverá continuar a fazer parte dos convocados enquanto ele próprio se sentir capaz disso mas, tal como tem acontecido no Manchester United FC, é necessário perceber que a entrada a partir do banco poderá ser benéfica para todas as partes, até mesmo para ele.

    Mais uma vez, e faço questão de reforçar, isto não se justifica pela perda de todas as capacidades por parte do craque de 37 anos, mas porque a seleção tem a felicidade de poder contar com jogadores de enorme qualidade, muitos deles os melhores nas ligas onde atuam.

    Posto tudo isto, é desejo de todos nós que os responsáveis máximos percebam que Portugal está a formar jogadores de enorme qualidade que garantem ao futebol nacional um futuro risonho, mas para isso é necessário ter alguém que vá de encontro a todo o trabalho que tem sido feito nas grandes academias do país. Neste momento não há grande coisa a fazer, a não ser esperar por uma surpresa no Campeonato do Mundo, mas é efetivamente hora de perceber que a seleção nacional tem, como é internacionalmente reconhecido, uma das melhores seleções do mundo, e que é por isso necessário que comece a agir e a jogar como tal.

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    Guilherme Vilabril Rodrigues
    Guilherme Vilabril Rodrigueshttp://www.bolanarede.pt
    O Guilherme estuda Jornalismo na Escola Superior de Comunicação de Comunicação Social e é um apaixonado pelo futebol. Praticante desde os três anos, desde cedo que foi rodeado por bola e por treinadores de bancada. Quer ser jornalista desportivo, e viu no Bola na Rede uma excelente oportunidade para começar a dar os primeiros toques.