«Quantas pessoas podem dizer que treinam no clube onde já jogaram desde os sete anos?» – Entrevista BnR com Nuno Manarte (Parte II)

    – “É por isso que Ovar era tão diferente”  –

    BnR: 2015 foi também o ano de disputa da “negra” com o Benfica, na segunda ronda dos playoffs, num jogo 5 na Luz, onde se encheu autocarros de adeptos para irem apoiar a equipa. Depois de um ou dois anos mais em baixo da equipa, o que significou esse enorme apoio dos adeptos? Achas que foi um ponto de viragem dos adeptos da Ovarense na forma como olhavam para a equipa sénior, sendo que vinham de um período de pouco sucesso?

    NM: Eu cresci com isto anualmente. O pavilhão enchia-se em jogos importantes e nos playoffs não cabia ninguém no Raimundo. Eu habituei-me muito cedo a esta onda positiva e ao impacto que o basquetebol tinha em Ovar e que as pessoas tinham na equipa. Lembro-me que num ano em que fomos à final com o Estrela da Avenida fomos todos os jogos à negra, ganhamos a meia final negra em casa e fomos à negra fora contra os Estrela da Avenida e houve 20 autocarros que foram para ver o jogo fora em Almada. Enchemos o pavilhão, parecia que jogávamos em casa. O Estrelas da Avenida não tinha adeptos. Portanto eu sei o que isso é e sei a importância que tem. Eu arrepiava-me quando entrava em campo, tinha momentos que tinha de morder o lábio para não me cair uma lágrima porque essa era a minha cultura e identificava-me com isso. Havia anos em que chegávamos ao pavilhão 1h30 antes para aquecer e o pavilhão (Raimundo) e já estava cheio, não cabia lá mais ninguém. Portanto imagina entrares 1h30 antes e o pavilhão inteiro a bater palmas a quem entra. Eu cresci com isto e para mim era normal. É por isso que Ovar era tão diferente. O que não é normal é que acontece nos últimos anos, em que existe poucas ondas positivas e pouca atenção à equipa. Mas como é óbvio também falamos de tempos em que o clube ganhava e ia às finais, não nos podemos esquecer que nesse momento a onda é maior.

    Nuno Manarte (à esquerda) foi Treinador adjunto durante 4 épocas
    Fonte: Nuno Manarte

    BnR: E esse jogo do Benfica foi um desses casos?

    NM: Nesse ano (2015), na meia-final contra o Benfica gerou-se uma onda de positivismo muito grande e a verdade é que podia nos ter ajudado a avançar para a final. Não havia grande expectativas. Mas essa também foi uma onda gerada pela própria equipa. Quando nesse ano (queria dizer o ano seguinte) fomos à final da Taça e perdemos por 50 contra o Benfica também criou uma onda positiva. Porque desde essa Taça de Portugal em 2009, a Ovarense entrou em decrescendo. De 2009 a 2015 o clube desceu bastante, e nesse ano em 2015 a equipa já tinha um nível bastante interessante. Normalmente têm a ver com essas ondas pois se tu não ganhas, eles não vêm atrás. O que é normal, acontece em todo lado, não apenas cá. Eu sou do tempo em que isto era constante, era muito constante os pavilhões encherem, o que não era difícil e as pessoas acompanhavam-nos muito. O que é um processo natural, a equipa tinha boas performances e puxava mais adeptos, o que puxa os adeptos é a performance da equipa. Não o adepto regular, o adepto regular vai sempre, são os adeptos extra, são os que fazem que de 1000 pessoas a ver o jogo possas ter 2000 ou 2500. Mas também é um adepto mais pacato, menos incisivo e fervoroso a ver o jogo, não sei imagino eu. Isso faz muita falta pois isso era uma imagem de marca do clube. Falava com outros jogadores e diziam-me que era muito difícil jogar em Ovar pois era uma pressão enorme, muita gente a fazer barulho, o que funcionava contra o adversário e funcionava a nosso favor. Seria interessante poder voltar a trazer toda esta dinâmica e onda positiva de volta, que eu acho que existe muito sinceramente, naqueles que são os verdadeiros Ovarenses, que vêm sempre. Têm, não quero ser mal interpretado naquilo que vou dizer, mas esses têm o meu maior respeito. O verdadeiro adepto, o verdadeiro Ovarense é aquele que vem sempre, não aquele que vem apenas quando as coisas estão bem. Não é que esse também não mereça o meu respeito porque merece como é óbvio, mas é aquele que vem sempre, que está quer nos momentos bons quer nos maus. Não só que aqueles vêm quando as coisas correm bem ou que se acha no direito de dizer o que quer que seja quando às vezes nem sequer vêm.

    BnR: A essência vai-se perdendo?

    NM: É óbvio que fomos perdendo essa essência e que muita gente até diz que é o facto de estarmos na arena, de tudo parecer afastado. O meu tio contou-me uma vez que também acontecia com os meus pais, que ainda hoje em dia quando há jogos no Raimundo, que vivem perto do Raimundo, quando ouvem a buzina saem de casa e vão lá, pois acham que está a haver algum jogo. Acho que na arena tirou um pouco aqueles adeptos que eram dali, da zona do pavilhão, que viviam ali, que aquilo era o bairro deles e que o clube é naquele raio de 2km. Penso que essas pessoas depois também deixaram de ir ao Basquetebol e acho que se perdeu um pouco essa cultura, que eu acho que tem a ver um bocado com isso. Acho que é completamente ultrapassável, não vejo porque é que numa final em 2008 pusemos 3500 pessoas na Arena, a maior enchente de sempre, no 7º jogo. Se temos 3500 pessoas a ir ver uma final não há de ser difícil pôr umas 2000 ou 1500 num jogo regular. É óbvio que também nos cabe a nós entusiasmar para ir ver os jogos, com exibições, com identidade, com carisma, porque se não ganhas já foste.

    BnR: Em 2016, a Ovarense consegue uma presença na final da Taça de Portugal, e ainda, uma presença na segunda Ronda dos Playoffs. Tendo nessa época terminado o regular em 3º, ficou um travo de amargura no final?

    NM: Nesse ano havia duas equipas muito fortes, o Porto e o Benfica. Nós tínhamos ganho na meia final ao Porto a fazer um grande jogo, num dos bons jogos em que já participei. Eu acho que foi natural, não penso que tenha sido uma desilusão. Nós apanhamos o Barcelos na primeira ronda, uma boa equipa, que ganhámos 3-1 e as expectativas do jogo do Porto não era fácil. Tínhamos ganho um jogo, mas ganhar três não seria fácil, mas a verdade é que acho que essa equipa da Ovarense era a melhor equipa destes últimos dez anos, havia muitas alternativas. A base tínhamos o José Barbosa e tínhamos o Nick Novak, dois jogadores muito distintos, umas das melhores duplas de bases de que me lembro. Dois jogadores muito distintos, mas com impactos no jogo brutais e de formas diferentes. Tinhamos o Miguel Miranda a um excelente nível, o Raven Barber que depois foi para o Benfica, o Jo Harris que era um jogador tremendo e o Jaime a um bom nível. A equipa tinha muitas soluções, competia todos os dias e o Félix era um treinador tremendo que ajudou muito a trabalhar a equipa e a gerar esta onda positiva pela forma entusiasmante de como a equipa jogava. Mas esse foi um ano muito difícil de ganhar, lembro-me que o Benfica tinha o Cook, ex-jogador da NBA que só ele ganhava o orçamento do clube num ano. Vale o que vale, mas no final de contas conta muito.

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    Vicente Tigre Avelar
    Vicente Tigre Avelarhttp://www.bolanarede.pt
    Pratica desporto desde os cinco anos, idade em que começou a jogar Basquetebol. Jogou ao serviço da Associação Desportiva Ovarense durante 12 anos (nos quais três foi campeão distrital de Aveiro). É licenciado em Gestão (ensino em Inglês) pelo ISEG e estudante no Mestrado de Finance pela mesma instituição. Instituição pela qual ainda pratica Basquetebol, tendo conseguido chegar ao Top-8 Nacional em duas épocas consecutivas. É uma pessoa com uma paixão pela modalidade e com uma forte opinião sobre a mesma, sempre aberto a diferentes visões e novas experiências.                                                                                                                                                 O Vicente não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.