«Quantas pessoas podem dizer que treinam no clube onde já jogaram desde os sete anos?» – Entrevista BnR com Nuno Manarte (Parte II)

    – O regresso ao basquetebol pós-pandemia –

    BnR: Apesar da crise com a pandemia e de agora retomares os treinos com apenas dois ou três jogadores de cada vez, sentes que o rumo para já é o mais certo para voltar a caminhar para o sucesso e para a evolução?

    NM: Dentro daquilo que é possível penso que sim. Penso que em termos de formação a formação poderia não ter parado. Tens clubes que nunca pararam, que criaram plataformas de treinos online, individuais e mesmo plataformas de treinos em equipa até. Não havia bola, mas eram colocados desafios aos miúdos, sem bola, mas era gerado a ligação entre eles que foi um pouco perdida durante esta pandemia. Nós fomo-nos adaptando, o nosso caso foi muito específico com a arena a ser utilizada para hospital de campanha e o Raimundo a ter os problemas que teve. Ficámos sem sítio onde pudéssemos retomar. A situação é muito especifica e é muito difícil ter uma opinião clara em relação a isso, é muito imprevisível. É difícil dizer o que seria melhor, será sempre pura especulação. Dentro do que é possível não está mau, começámos a treinar há duas semanas (em relação a 24 de julho) com dois jogadores de cada vez, um em cada lado do campo, tivemos que estar sete horas no pavilhão para treinar oito jogadores. A semana passada já pusemos dois jogadores em cada lado, os jogadores mais jovens, mas mantemos as sete horas na mesma para manter quatro horários de treino. Implica estar lá a tempo inteiro. Vamos incluindo jogadores aos poucos para em Agosto conseguirmos fazer treinos em conjunto. Serve-nos como uma preparação mais tranquila para jogo de contacto, pois há quatro meses que os jogadores não fazem treino de contacto e penso que seja importante estabelecer esta base antes de os jogadores fazerem jogos mesmo, sendo até jogos de manutenção apenas penso que seja importante. Até para observar e criar já algumas rotinas, se não o fizéssemos eles iriam chegar a setembro com imenso tempo parados, até podes dizer que eles dão umas corridas, mas nunca é a mesma coisa. Não tens noção de espaços, sabes onde pôr o pé, qual a probabilidade de num ressalto pisares o pé de alguém, o basquetebol é um desporto de contacto e todos esses desequilíbrios e mudanças de direção podem gerar lesões. Mas acima de tudo começar já a relacionar, pois eu no basquetebol, e na vida mesmo, sinto que falta o contacto, pois temos a máxima de nos cumprimentarmos e eu também sou um tipo assim. Sinto a faltar de estarmos perto e convivermos. A proximidade dos jogadores, o ambiente de balneário e isto é tudo “contra-natura” agora, é o contrário do que foi a nossa vida. Eu estava mortinho de voltar a treinar e sentir a adrenalina e a preparação do treino, eu chego a casa à terça feira morto a casa. De passar muitas horas em pé, passar bolas e ganhar os ressaltos, mas chego a casa com uma sensação boa sabes? De “Já estava com saudade”, é isto que me faz falta, esta adrenalina, o stress, eu gosto. 

    BnR:: Tendo perdido o patrocinador principal por duas vezes (aerosoles e Dolce Vita em menos de nove anos, a Ovarense tem tido pouca estabilidade Financeira. Tendo isto em conta, qual a motivação que carregas para confrontos contra clubes com maior capacidade? Como encaras o futuro da Ovarense, sendo tudo muito incerto nestes tempos?

    NM: Olha quando se falou na próxima época eu disse “Quero apanhar as coisas onde as deixámos”. E tinha o sonho ridículo, eu queria apanhar os mesmos jogadores, dar-lhes uma segunda vida, uma segunda hipótese. Pois houve um decréscimo de orçamento, temos de ter menos estrangeiros e eu pensei pronto tenho de me ajustar, não me sinto inferior por isso, não vou agora pensar nisso. Dantes já havia uma grande diferença, agora ainda é maior, não vou pensar “ui agora é que vai ser”, não sinceramente não penso nisso. Quero uma equipa que seja competitiva, que tenha margem de crescimento com um ADN muito específico, tentar aprender com os erros do ano passado e não mudar tudo, criar um núcleo e uma equipa que nos evite sofrer o que sofremos o ano passado. Um preocupado com os jogadores que podíamos manter, e ter a preocupação pura de perceber como é que eles vão ultrapassar este momento, em termos pessoais e financeiros pois são momentos difíceis para todos. É tentar ser otimista e não pensar demasiado nas coisas, se isto vai melhorar se não vai, pôr quase o coração ao alto e construir. Se as coisas aparecerem é ter capacidade de lidar com elas. Já temos um Americano contratado na equipa, os Portugueses já estão todos contratados, falta-nos dois estrangeiros. Estamos no processo de escolher e recrutamento, mas já temos uma ideia clara da equipa.

    BnR: Sentes que com os jogadores que tens que consegues manter o ADN da equipa?

    NM: Sim, sinto claro. Mesmo em termos do perfil do estrangeiro, pois os Portugueses é fácil. Tentar ver um pouco, não tanto o perfil mental, isso depois ajusta-se, mas ter jogadores que já tenham jogado na liga, talvez um ano. Mas pelo menos ter uma referência muito clara, e depois promover o coletivo. É óbvio que tens sempre jogadores que vêm da universidades, mas mesmo nesses encontrar um jogador com um perfil muito claro, até que nos permita ter um estilo de jogo muito agressivo, que nos permita ter uma identidade de uma equipa muita clara, que perdemos um pouco o ano passado com os jogadores que tínhamos. No ano anterior tínhamos jogadores que o permitiam, o Will, o J.P, o K.C que permitia fazer campo inteiro e tudo mais, que o ano passado se perdeu um pouco. É tentar encontrar jogadores com esse perfil, que me sinta confortável a dizer como são as coisas. Escolher jogadores que não sejam “snobes”. Que tenham talento, mas sejam abertos a outras ideias. Mas acima de tudo estou muito entusiasmado por estar de volta do basquete outra vez, estar a ver basquete e a pensar em basquete outra vez. Mas como te digo, penso no futuro a curto prazo e não sou pessimista, penso sempre que com menos se pode fazer mais ou pelo menos igual. Não vejo outra forma de pensar. Apesar de parecer uma expressão irreal é possível, pelo menos construir algo que seja importante.

    BnR: No guia oficial da equipa da época 2006/2007, dizias que o teu sonho era ser feliz. Sentes-te de missão cumprida?

    NM: Epah… (risos) fazes perguntas difíceis. Ser feliz não é um momento, não te posso dizer que sou feliz. Quer dizer eu sou feliz, mas essa ideia é sentir-me realizado a cada dia. Estar com quem gosto, fazer o que gosto, e o basquetebol proporciona-me isso, principalmente o basquetebol aqui em Ovar. Estou perto da minha família, perto dos meus amigos, faço aquilo que mais gosto de fazer num clube que me identifico e sou feliz por isso, por ter essa possibilidade. Quantas pessoas podem dizer que treinam no clube onde já jogaram desde os sete anos? E continua. Às vezes desvalorizamos aquilo que temos porque o que temos não serve, tem de ser outra coisa, aquilo que os outros têm é que é aquilo que eu quero. E eu realmente desde muito cedo sentei-me na minha cadeira de sonho, que era aquilo que eu sempre quis. Eu desde cedo queria jogar na Ovarense e um dia vir a ser treinador da Ovarense, e isso deixa-me feliz, deixa-me contente e faz-me sentir realizado. Agora tive muitos momentos de infelicidade não é, foi um ano muito difícil de ser feliz, tem o lado contrário da moeda. Por me identificar tanto com isto também sofro muito com isto, não sou nenhum mercenário, sei que hoje estou aqui amanhã posso estar noutro lado qualquer e o que passou passou. Eu sinto-me responsável por isto, eu sofro como se fosse um adepto, quero ver a Ovarense a ganhar seja de que forma for. Eu houve uma altura que dizia, “A Ovarense tem de começar a ganhar, seja comigo seja com outra pessoa qualquer”, mas temos de voltar a ganhar. E se o problema for eu, pois eu que saia e que venha outra pessoa, se for isso necessário para ganhar. Pois eu sou da Ovarense, não te vou mentir, não sou se outro clube qualquer. Portanto ser feliz para mim implica ter aquilo que mais gosto e fazer o que mais gosto. A felicidade não é eterna. Não é algo constante e consistente, mas eu quando disse ser feliz era isto, era a família estar bem, os pais estarem bem, os amigos estarem bem, estar próximo deles e pronto isto continua a acontecer-me na vida.

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    Vicente Tigre Avelar
    Vicente Tigre Avelarhttp://www.bolanarede.pt
    Pratica desporto desde os cinco anos, idade em que começou a jogar Basquetebol. Jogou ao serviço da Associação Desportiva Ovarense durante 12 anos (nos quais três foi campeão distrital de Aveiro). É licenciado em Gestão (ensino em Inglês) pelo ISEG e estudante no Mestrado de Finance pela mesma instituição. Instituição pela qual ainda pratica Basquetebol, tendo conseguido chegar ao Top-8 Nacional em duas épocas consecutivas. É uma pessoa com uma paixão pela modalidade e com uma forte opinião sobre a mesma, sempre aberto a diferentes visões e novas experiências.                                                                                                                                                 O Vicente não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.