«Somos daqueles países em que o basquetebol é uma modalidade super-super secundária» – Entrevista BnR com Nuno Manarte (Parte I)

    – O primeiro campeonato nacional, o “vício” de ganhar e o desejo de colocar a Ovarense no topo –

    BnR: Corria o ano 2000 e tu tinhas sido campeão nacional da Liga Portuguesa. Recordas-te do que sentiste nesse momento, quando deste o segundo campeonato profissional à cidade de Ovar?

    NM: Sim, como é óbvio, tenho certas lembranças de todos. Há pouco falamos do campeonato de sub-16, que também o tenho marcado, mas de uma forma diferente. Na altura, jogávamos um basquetebol puro, sem ser a nossa profissão, e por ser com os colegas e os amigos. Era puro gosto pelo jogo e pelo ambiente que íamos criando, o que me marcou muito. Depois, marcou-me também o primeiro na Liga Profissional, pois era um campeonato do qual nós não estávamos à espera. Nesse ano, o Porto dominou a Liga. Nós perdemos todos os encontros com eles, e perdemos bem. No entanto, nós éramos a segunda melhor equipa do campeonato, não havendo muitas expectativas em relação a esse ano. Mas a verdade é que as coisas aconteceram e nós até ficamos um pouco surpresos. É curioso, já que, devido a isso, nunca entramos em nenhum tipo de euforia. A final foi contra o Porto e os dois primeiros jogos foram no Américo de Sá, na altura ainda se jogava lá. Lembro-me de que ganhamos o primeiro jogo com uma bola do David Berbóis no último segundo. Eu quase não a vi. Mal a bola entra, nós corremos para o túnel, para o balneário, pois lá era sempre complicadíssimo. Ainda ficamos um pouco à espera para saber se a bola contava ou não, depois lá soubemos que sim e que tínhamos ganho o primeiro jogo. O segundo jogo já o ganhamos de uma forma mais confortável. Difícil, mas menos complicado. Lembro-me de vir no autocarro à vinda para Ovar e do silêncio, que era estranho. Depois de estarmos a ganhar 2-0 a uma equipa que nunca tínhamos ganho, estávamos a uma vitória de sermos campeões (na altura era a melhor de 5), e lembro-me de, mais tarde, falarmos disso e acharmos aquele silêncio um pouco estranho. Poderíamos estar eufóricos em relação à situação. Talvez nem nós acreditássemos que poderíamos ser campeões. Reconhecíamos que éramos fortes, mas realmente o Porto tinha sido muito superior nessa época, e era uma equipa difícil de alcançar. E eu pensei “Ninguém está a celebrar? Ninguém está eufórico?”. O que pode também significar que a nossa equipa era boa, como é óbvio, mas que tínhamos chegado a um grau de maturidade diferente. Tínhamos entendido o momento como “Estamos a ganhar 2-0, mas ainda não ganhámos nada! Temos de esperar pelo terceiro, para depois festejar”. Fui curioso, porque a equipa foi crescendo ao longo da época. Tivemos um americano na parte final da época, o Nate Johnson, que também veio adicionar alguma qualidade. Chegámos a final no nosso melhor nível. Tirando o primeiro jogo, os jogos foram algo desequilibrados, tendo o terceiro sido muito desequilibrado. Lembro-me de um ambiente no Raimundo Rodrigues indescritível.

    Nuno Manarte integrou o plantel de 1999/2000, à esquerda o nr 7, que trouxe apenas o 2º campeonato ganho ao Clube
    Fonte: Ovarense

    BnR: Tendo apenas 25 anos, como encaraste o teu “próximo passo”?

    NM: Eu não sou o tipo de pessoa que me organizo dessa forma. Eu não projeto muito as coisas a longo-prazo. Penso que às vezes o deveria fazer um pouco melhor. Não faço esse planeamento de “Ok, este ano vou sair e vou jogar ali; no ano a seguir, quero ir para o estrangeiro”. Eu não pensava nisso, sempre deixei as coisas acontecerem muito naturalmente. Lembro-me que, após esse ano, aconteceu algo que me marcou em relação àquilo que era a equipa. Nunca fui um jogador determinante nas equipas, era um jogador de papel secundário, que fazia todo o tipo de trabalho que pouca gente faz, e, nesse ano, foi a primeira vez que tive a noção de que, quando a equipa se sai bem e ganha, a tua questão individual também é valorizada. Lembro-me, não só nesse ano, mas noutros nos quais também fomos campeões, de que as condições contratuais subiam bastante. As nossas condições financeiras aumentavam, o que era sinónimo de a equipa estar bem. Este entendimento, que me acompanha desde então, faz-me pensar “Eu não era um jogador determinante, mas, independentemente disso, fazia parte de uma equipa que foi campeã. E, não só fui campeão, como também ganhei coisas individualmente, e a minha situação melhorou“.

    BnR: Mas esse pensamento não existe nos dias de hoje?

    NM: Penso que seja algo que hoje em dia existe menos. Esta visão coletiva – entender que, não importa se sou eu que meto 20 pontos e a equipa até perde, eu não devo ser valorizado. Tem de ser exatamente o contrário. Em vez de 20, marco 10 pontos, mas equipa ganha e eu faço as coisas que tenho de fazer para ajudar a equipa a ganhar, sejam elas quais forem. Sei que, se a equipa ganhar, eu vou ganhar também. Essa foi uma das coisas que me surpreendeu na altura. Era mais novo e havia coisas que eu não entendia porque ainda não tinha maturidade e experiência necessária. Coisas como a equipa ser mais importante do que o jogador – que é muito bonito de se falar e que se entende, mas, realmente, quando se sente na prática que isso é mesmo real, valoriza-se ainda mais. E a verdade é que, sempre que a equipa ganhava e estava bem, eu também ganhava com isso, e as minhas condições também melhoravam. O argumento de se ser da equipa campeã é depois também reconhecido, pois tu ajudaste para que a equipa lá chegasse.

    BnR: Nas temporadas que se seguiram, venceste também uma Taça da Liga 2001, duas supertaças (2001, 2002) e ainda um torneio de campeões em 2005. Este sucesso a materializar-se, com a chegada de títulos ao clube que de antes simplesmente não aconteciam, foi algo que sempre previste para a Ovarense e para ti como jogador?

    NM: Não me lembro, porque, provavelmente, não tinha as coisas tão organizadas nesse sentido. Sempre tive uma costela de paixão pelo jogo, claro que gostava de ganhar. Depois de ser campeão e alcançar algo a esse nível, fica-se com o sabor de vencer. É algo em que se “vicia”, que se quer sempre sentir assim. Após se ganhar a primeira vez, depois só se quer é continuar a ganhar. Queres manter essa sensação e ter outra vez esse sentimento. Realmente, nesses anos, a Ovarense investia muito bem no Basquetebol, havia muitos bons orçamentos… mas não era só a Ovarense. Havia muito boas equipas com bons orçamentos, e muitas nem associadas a um clube de futebol. Lembro-me da Telecom que investiu bem; também o Porto, que saiu e depois entrou; o Benfica, claro; e também existia os Estrelas da Avenida. Sendo uma Liga bastante competitiva, não havia, à partida, um candidato ao título que fosse claro. Houve alguns anos em que o Porto, com o Jared Miller, dominava. Mas depois as coisas eram realmente pouco claras, não havia três favoritos como há nos dias de hoje. Havia orçamentos maiores, mas as diferenças de uns para os outros não eram muitas. Acima de tudo, havia muita qualidade em muitos plantéis, muitos com bons jogadores portugueses, provavelmente a melhor geração do basquetebol que houve em Portugal, com o Paulo Pinto, o Sérgio Ramos. Havia muita competitividade. Nessa altura, de facto, ganhamos algumas Taças e torneios, mas nunca chegamos outra vez ao Campeonato. Se bem me recordo, só voltamos a chegar a uma final de campeonato em 2004/2005, frente ao Queluz, mas lutávamos nas finais das taças e torneios de campeões. Competíamos sempre. Mas como existiam equipas com bom nível, era muito difícil ganhar. Na altura, era muito competitivo, não era fácil ganhar como hoje. Por exemplo, numa final-8 da Taça de Portugal, talvez apanhes duas ou três equipas que sejam mais acessíveis e que te façam conseguir descansar nas primeiras rondas. Só nos jogos finais é que tens jogos a valer, na meia-final e na final. Na altura não! Todos os jogos eram “picadinhos”, pois existia um equilíbrio muito grande e era difícil ganhar alguma coisa devido a esse tal equilíbrio. Eu não agendava isto. Agendava voltar a ganhar, ser campeão, ter a mesma sensação e ver a Ovarense no topo. Esse era o objetivo. O clube trabalhava bem, mas havia também outros clubes a trabalhar bem, não havia nenhum segredo para o sucesso. Nesse primeiro ano, houve um alinhar de muitos factores, um processo de crescimento muito grande da equipa, com muito mérito do professor Jorge Araújo e também dos jogadores que foram capazes de alinhar todos num só sentido. Era uma equipa que ainda tinha alguns egos, jogadores que eram inicialmente muito individualistas, e foi engraçado ver como tudo se alinhou no final.

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    Vicente Tigre Avelar
    Vicente Tigre Avelarhttp://www.bolanarede.pt
    Pratica desporto desde os cinco anos, idade em que começou a jogar Basquetebol. Jogou ao serviço da Associação Desportiva Ovarense durante 12 anos (nos quais três foi campeão distrital de Aveiro). É licenciado em Gestão (ensino em Inglês) pelo ISEG e estudante no Mestrado de Finance pela mesma instituição. Instituição pela qual ainda pratica Basquetebol, tendo conseguido chegar ao Top-8 Nacional em duas épocas consecutivas. É uma pessoa com uma paixão pela modalidade e com uma forte opinião sobre a mesma, sempre aberto a diferentes visões e novas experiências.                                                                                                                                                 O Vicente não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.