A equipa basquetebol feminina de Arroyo Valley (high school ) foi notícia esta semana, nos Estados Unidos, por ter derrotado Bloomington High por 161-2. Naturalmente que o seu desportivismo está a ser fortemente questionado. “Não tenham pena da minha equipa. Eles é que deviam sentir pena da sua própria equipa, que não está a aprender o jogo da maneira correcta”, disse o técnico de Bloomington, Dale Chung. “Pressionaram sempre em todo o campo e ao intervalo já ganhavam por 104-1”.
Em contraponto o treinador Michael Anderson, de Arroyo Valley, disse: “Não tinha a intenção de melindrar ninguém ou ganhar por uma margem tão significativa. Só não contava é que elas fossem tão fracas e que as minhas suplentes conseguissem marcar tantos pontos; uma delas marcou 8 triplos em 9 lançamentos. A prova de que não estava de má fé está no facto de nem ter dito o resultado aos jornais locais”.
Contudo, fotografias do marcador com o resultado apareceram no Facebook da equipa e a história deu rapidamente a volta ao Mundo. Como se poderia esperar, essa pontuação levantou algumas questões em redor da comunidade de basquetebol da região e criou alguma revolta contra o treinador Michael Anderson (Arroyo Valley). “Tive uma conversa com o meu treinador sobre o jogo e tal resultado não volta a acontecer”, disse o diretor Desportivo de Arroyo Valley, Matt Howell. Anderson defende-se: “Cheguei mesmo a falar com os árbitros a meio do terceiro período pedindo-lhes que dessem ordem à mesa para não parar o cronómetro, mas, de acordo com as regras do high school, tal só é permitido no último período”. Nada disto é novo. Recentemente, em Dallas, uma outra equipa escolar ganhou por 100-0.
São também conhecidas algumas histórias de treinadores que abandonam o jogo quando a diferença pontual é muito significativa. Na semana seguinte, a direcção de Arroyo Valley suspendeu o treinador por dois jogos. A situação fica ainda mais complicada quando nestes jogos estão envolvidas jogadoras de grande qualidade, o que leva a pontuações individuais anedóticas: Cheryl Miller marcou 105 pontos em 1981, quando Poly (Riverside, Calif.) ganhou a Notre Vista (Riverside) por 179-15. Lisa Leslie em 1990, jogando por Morningside (Inglewood, Calif.) conseguiu 101 pontos só numa parte de jogo (o treinador de South Torrance retirou a sua equipa ao intervalo). Mais recentemente, em 2006, Epiphanny Prince marcou 113 pontos por Murry Bergtraum (New York) numa vitória por 137-32 contra Brandeis (New York).
Estes resultados levantam algumas questões aos treinadores: Quando é que a competição deve dar lugar à compaixão? Quando é que um jogo está ganho? Deve um treinador impedir a sua equipa de marcar mais pontos? O debate não é novo e em alguns estados norte americanos a “National Federation of High School Athletic Associations” recomenda mesmo que os jogos femininos com grandes diferenças pontuais (quando o desnível chega a 30/35 pontos) passem a ser jogados a tempo corrido, independentemente do período de jogo (aplicam a mercy rule).
Quem tem dúvidas sobre esta regra é o mítico treinador de Connecticut e da selecção norte-americana Geno Auriemma, que afirmou não ter a certeza de “conseguir o equilíbrio entre o desportivismo e o espírito competitivo. Quando temos uma grande vantagem como vou dizer aos jogadores «não tentem marcar»? Eu nunca tinha ouvido falar de resultados de 100-0. Não faço a mínima ideia do que teria feito nessa situação”.
São muitas as questões que ocorrem aos treinadores sobre a verdadeira formação que recebem os jovens atletas durante a competição. Encontrar um modelo que garanta a formação integral dos jovens não é fácil. A formação do jogador de basquetebol deve passar por etapas onde estão necessariamente os treinos e os jogos. As experiências adquiridas nos jogos não podem contudo ser substituídas por treinos. Para que a competição seja um meio formativo é necessário que a mesma se adapte às necessidades, capacidades, prioridades e preferências dos jovens praticantes. O regulamento das provas é um elemento-chave para o concretizar de tal objectivo, já que, muitas vezes, impede mesmo que a competição seja um meio formativo.
No basquetebol português o tema é recorrente. Uma análise sumária aos resultados do Campeonato Sub-14 Feminino da A. B. Lisboa dá bem a ideia de que o assunto está longe de ser resolvido, apesar das várias tentativas já encetadas para evitar tais discrepâncias:
Basket Queluz 204-1 ESA
Quinta Lombos 173-0 ESA
Basket Queluz 167-7 Sporting
Alberta Menéres 157-10 ESA
Quinta Lombos 133-17 Estoril Basket
Quinta Lombos 124-3 Sporting
Q. Lombos “B” 117-8 Carnide ” B”
Benfica 116-14 F. T. Vedras
Benfica 114-16 SIMECQ
Alberta Menéres 113-2 Sporting
Benfica 112-18 Paço Arcos
Algés 109-11 ESA
Estoril Basket 107-14 ESA
Foto de capa: The Viking Press (Flickr)