«Vivemos um futebol onde se cobram demasiados favores» – Entrevista Bola na Rede com Romeu Ribeiro

    «As condições no Seixal não eram nada de especial».

    Bola na Rede: E nesse caminho duro quem tem mais importância: os treinadores, que permitem ser aposta, os colegas, toda a estrutura ou é ter um apoio familiar sólido que permite depois trilhar esse caminho duro e voltar à Primeira Liga?

    Romeu Ribeiro: É um pouco de tudo, acho eu, mas, acima de tudo, o apoio familiar. É o mais importante, porque quando estamos lá em cima toda a gente nos ajuda, toda a gente nos dá umas palmadinhas nas costas, toda a gente fala connosco; quando estamos cá em baixo, contamos pelos dedos das mãos. E a família está sempre lá: quando estamos lá em cima, quando estamos cá em baixo, por isso, o apoio familiar é e sempre será – e é assim para todos, com certeza – o mais importante. E é graças a eles, mas também graças a mim, que tive que me reinventar e me adaptar, tive que perceber o que estava a fazer mal para conseguir regressar onde queria. São realidades completamente diferentes. Lembro-me de estar a jogar Liga dos Campeões e passados uns anos estar no CS Marítimo, na equipa B, a jogar em sintéticos, por exemplo. Lembro-me de estar a ir para um desses jogos e pensar: “ontem estava a jogar Liga dos Campeões e agora vou aqui para um sintético, com esta idade. O que é aconteceu, o que é que se está a passar”. Foram muitas perguntas e não é fácil… Tive que abdicar de muita coisa para conseguir voltar aos patamares onde queria.

    Bola na Rede: Hoje, isso acontece mais ou acontece menos? Não quero usar a palavra “mimado”, mas parece-me que agora há jogadores que têm equipa B, têm as condições necessárias para chegar lá e quando têm que dar um passo atrás que seja não estão dispostos a esse sacrifício, não estão dispostos a reinventarem-se como o Romeu fez. Estamos piores nesse aspeto, em termos da mentalidade dos jogadores ou é só uma impressão minha?

    Romeu Ribeiro: Eu acho que sim, que podemos estar um bocado mal habituados, digamos assim. Mas também acho que os jogadores têm consciência. Acontecendo isso, eles podem até dar uma de “mimados” mesmo, mas depois acabam por ter que pensar, porque se querem é a realidade deles naquele momento. Não lhes vale de nada estarem chateados ou a penar que já não vão conseguir, porque isso não os vai ajudar em nada. Têm que se reinventar. Temos que procurar sempre soluções. Na vida – e no futebol, então! -, a procura de soluções tem que ser constante, porque nem tudo é como nós queremos. Infelizmente [entre risos]…

    Bola na Rede: Os jogadores estão à espera de um certo patamar, sobretudo estão formação de um grande. A pressão que um jovem sente quando está nos escalões de formação de um clube da dimensão do SL Benfica é maior do que se estivesse noutro clube? Sentem-se já na formação forças externas a exercerem sobre o jogador – no fundo, sobre o jovem – pressões grandes para que ele venha a ser um craque?

    Romeu Ribeiro: Eu nunca senti, sinceramente, esse tipo de pressões. Deve ser um tipo de pressão – e ela existe – que nós próprios colocamos. Era essa pressão que eu colocava em mim. Nunca me foi colocada essa pressão por parte de treinadores ou de quem quer que seja. Era a pressão que eu colocava em mim porque, lá está, estava a abdicar dos melhores anos da minha vida, da minha adolescência. E se estava a abdicar tinha que valer a pena. É esse tipo de pressão individual que existe. Agora, a nível de fora, nunca senti que algum treinador ou a própria estrutura… Acho que, a nível do SL Benfica, isso é muito tranquilo e deixam o miúdo rolar e essa pressão é colocada por nós próprios.

    Bola na Rede: Ainda assim, não deve ter sido fácil trocar o Minho pela capital portuguesa aos 15 anos, para integrar os escalões jovens do SL Benfica. Como vive um adolescente essa transição: deixar o conforto de casa e ingressar numa academia e numa cidade diferente?

    Romeu Ribeiro: A minha mãe costuma dizer que nunca pensou que eu tivesse coragem para isso, que nunca tinha saído de perto dos meus pais. Ela ficou surpreendida e ainda hoje brinca com isso. Acho que não olhava para a dificuldade que ia ter ao sair de casa dos meus pais, olhava mais era para o benefício que ia ter com essa saída. Até nisso foi bom ter sido com 15 anos, porque nem dava para pensar muito em saudades ou o que quer que fosse. Olhava mais para o que ia ganhar do que para o que ia perder. Depois, quando estamos lá acaba por nos cair a ficha e passamos por momentos difíceis, somos donos de nós próprios, temos que pensar em coisas que nunca tínhamos pensado, porque eram os nossos pais que tratavam de tudo. Mas, até nisso, eu costumo dizer que foi a melhor decisão que eu tomei. Consegui chegar à equipa principal, que foi excelente, mas, acima de tudo, consegui tornar-me mais homem, cresci mais, fiquei com outro tipo de mentalidade, que trago para os dias de hoje. Deu-me um arcaboiço muito grande e ainda hoje sinto isso ao falar com alguns amigos, sinto que consigo ser mais maduro um bocadinho do que eles.

    Bola na Rede: E no contexto de academia o que é mais importante: as condições, as infraestruturas ou as pessoas que trabalham convosco e podem ser um auxílio muito grande?

    Romeu Ribeiro: Quando eu fui para o SL Benfica, ainda não existia o Seixal. Nós morávamos em Benfica, existia lá um mini-centro de estágios, aquilo tinha poucos quartos, mas não existiam as condições que existem hoje. As condições não eram nada de especial, mas nada mesmo! Não era pelas condições. Eu acho que o que ajuda mais são as pessoas e os nossos próprios colegas. Acabamos por nos tornarmos todos irmãos, estamos ali todos para o mesmo, mas temos que nos apoiar, porque eles é que são a nossa família naquele momento. Acho que os colegas e as pessoas que estavam mais próximas de nós – os treinadores, os psicólogos – acabam por ser o mais importante para nós. Os pais são o expoente máximo, mas não estão ali e, por isso, agarramo-nos mais aos colegas e às pessoas. Eu passei lá dois anos e não era pelas condições…

    Bola na Rede: Nessa fase, consegue nomear uma pessoa que tenha sido a mais importante?

    Romeu Ribeiro: Os treinadores… Lembro-me que naquela altura falava já bastante com os psicólogos, lembro-me do Pedro Almeida (que agora já não trabalha com o SL Benfica) ser também uma boa ajuda. Mas a quem eu me agarrava mais ainda era ao meu colega de quarto, porque quando saí do SC Braga para o SL Benfica fui com o André Soares. Nós já nos conhecíamos há muito tempo e éramos o braço direito um do outro.

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    Márcio Francisco Paiva
    Márcio Francisco Paivahttp://www.bolanarede.pt
    O desporto bem praticado fascina-o, o jornalismo bem feito extasia-o. É apaixonado (ou doente, se quiserem, é quase igual – um apaixonado apenas comete mais loucuras) pelo SL Benfica e por tudo o que envolve o clube: modalidades, futebol de formação, futebol sénior. Por ser fascinado por desporto bem praticado, segue com especial atenção a NBA, a Premier League, os majors de Snooker, os Grand Slams de ténis, o campeonato espanhol de futsal e diversas competições europeias e mundiais de futebol e futsal. Quando está aborrecido, vê qualquer desporto. Quando está mesmo, mesmo aborrecido, pratica desporto. Sozinho. E perde.