«Sou portista e tive duas oportunidades de ir para lá» – Entrevista BnR com Elpídio Silva

    – Bessa, o sonho do título inaudito –

    “Quando cheguei ao Boavista, na minha primeira entrevista eu disse que íamos ser campeões”

    BnR: Jaime Pacheco. Que tal era?

    ESAh, Jaime Pacheco é um cara porreiro. Eu sabia dar-me bem com ele mas também tinha uns treinos que às vezes nos deixavam exaustos, ele puxava muito por nós. Uma vez eu disse-lhe, ele não gostou muito, mas eu disse-lhe “Três temporadas contigo é equivalente a sete temporadas em qualquer clube”. Na minha terceira época no Boavista eu já estava cansado, cansado mesmo. Primeiro ano foi bom, puxámos pelo cabedal e fomos campeões. Segundo ano quase fomos campeões de novo mas no terceiro ano já estávamos desgastados com alguns treinos que tínhamos. Mas eu devo-lhe muito, por ele e pelo Boavista fizemos coisas que vai demorar mais uns 100 anos até o Boavista fazer isso de novo.

    BnR: O que fez a diferença no ano em que o Boavista é campeão nacional?

    ESAlém de termos um grande grupo, um grande conjunto de jogadores e profissionais, os jogadores comprometidos com o trabalho, tínhamos uma condição técnica que não nos dava hipótese de nos desviar do caminho certo. Quando cheguei ao Boavista, na minha primeira entrevista disse que íamos ser campeões.

    BnR: Como reagiram no Boavista?

    ESQuando eu cheguei ao balneário todo o mundo se riu na minha cara. Até o Presidente João Loureiro. Aí, eu peguei ele e disse “Vamos alterar o meu contrato. Eu vim para ser campeão. Você vai me dar x se eu for campeão”.

    BnR: E ele?

    ESEle levou na brincadeira mas eu disse que era a sério. Então nós fomos lá acima, mudámos o meu contrato e nesse ano fomos campeões. Nessa época, a cada semana que passava e nós a estar mais perto de ser campeão, eu dizia-lhe “Você lembra daquela cláusula que eu coloquei?”. E quando chegou [o título], o João Loureiro disse “Você merece. Eu vou-lhe pagar o que acordámos”. No segundo ano eu fiz do mesmo jeito e quis colocar a cláusula, disse que íamos ser campeões de novo, mas o Presidente disse que nesse ano não fazia mais.

    BnR: Como foram os festejos de campeão?

    ESFoi muito bom. Foi de outro planeta. A ficha ia caindo a cada semana que passava, vimos tanta gente naquela praça… eu esqueci o nome agora…

    BnR: … da Boavista?

    ES[Os olhos de Silva brilham] Sim. Cara, foi muito legal. Foi espetacular. E outra coisa, jogar a Liga dos Campeões não é para todos os jogadores. Tem jogadores da seleção brasileira e das seleções de outros países que nunca jogaram a Liga dos Campeões. Para mim é gratificante ter feito parte desse leque de jogadores e fazer golos a grandes clubes.

    BnR: Já lá vou. Antes disso, nasce Lucas André. Que tal é ser pai?

    ESÉ uma coisa que eu sempre quis mesmo. Deus deu-me quatro bênçãos na minha vida: a minha mulher e três filhos, uma menina e dois meninos. É muito bom ser pai, sinto-me muito especial por isso. O Lucas é um anjo na nossa vida, ele para mim é… às vezes fico emocionado até. Ele está longe há dois anos e está a passar um momento meio difícil agora porque está a estudar para as provas da faculdade, é stressante para ele passar por isso aí sozinho.

    BnR: Lembras-te onde estavas no dia 11 de setembro de 2001?

    ESAhhh, claro eu sei essa data. Essa data para mim é de felicidade. Infelizmente é uma data muito triste para o mundo mas por essa data eu fiquei conhecido na Europa, quando eu fiz o meu primeiro golo contra o Liverpool. Fiz um grande jogo, a equipa fez um grande jogo e foi aí que nós começámos a ser mais conhecidos na Europa. Eu acho que aquele grupo de jogadores que passou pelo Boavista naquelas épocas, todos eles têm essa lembrança, todos eles têm essa história bonita no futebol português e eu sou um cara privilegiado por ter participado desse grupo e Deus ter colocado a mão na minha cabeça e dito “Você vai ser campeão pelo Boavista”, que não é para todo o mundo.

     

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    Belas recordações ⚽ Liverpool/Boavista Champions League quem jogou … Jogou!!

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    BnR: Consegues descrever a jogada?

    ESFoi um jogo complicado para mim porque a dupla de zagueiros do Liverpool eram duas torres enormes [Hyypia e Carragher]. Para você ver, o golo que eu fiz, eu ganhei uma bola de cabeça ao Hyypia. Ele tinha quase 2 metros e eu 1,78m.

    BnR: Maravilha.

    ESEu consegui ganhar uma bola de cabeça a ele. A minha concentração naquele jogo foi tão grande, mas tão grande… Eu vim do Brasil, do nordeste, dum povoado muito pobre onde a ficha me passa por cima da cabeça. A primeira oportunidade que eu tive como jogador profissional de futebol na Liga dos Campeões eu aproveitei. Eu sempre me concentrava muito nas minhas oportunidades. Eu dizia “Meu Deus, eu só quero uma oportunidade”. E foi aquela. Eu fiz um jogão lá, um grande jogo, e fiz golo contra um monte de clubes grandes porque batia mesmo diferente naquela época, a nossa equipa era muito boa.

    BnR: O que disse o Jaime Pacheco no balneário antes do jogo?

    ESJaime Pacheco tinha uma maneira muito legal de nos motivar. Às vezes ele falava na brincadeira antes da motivação “Vá lá, vamos colocar o autocarro lá atrás a ver se não levamos muitos”. Mas depois ele falava a sério. Ele dizia que tínhamos duas pernas, eles também, nós corremos igual a eles e temos jogadores da mesma qualidade que eles. Tudo bem que eles estão num clube com expressão maior, um clube grande como o Liverpool, só que ele motivava-nos muito assim. Se você se concentrar no jogo pode levar de vencida. Para você ver, o golo que nós levamos [Michael Owen] é uma falha de passe do Sánchez. Mesmo assim, nós tivemos muitas oportunidades e nesses momentos o Jaime Pacheco conseguia motivar-nos e incentivar-nos e por isso é que chegámos mais longe.

    BnR: Marcaste nos teus três primeiros jogos na Liga dos Campeões, recordavas-te?

    ESForam três jogos e três golos não é? Liverpool, Borussia Dortmund e Dinamo Kiev.

    BnR: Sim. E depois ainda marcas outras vez ao Liverpool no jogo no Bessa.

    ESÉ. Eu não sei se você se lembra mas, no jogo contra o Borussia Dortmund, Jaime Pacheco colocou-me no banco, por birra.

    BnR: Fala sério?

    ESComeçou a sair na imprensa que eu estava para me ir embora. Mas eu não tinha culpa que saísse na imprensa, não era eu que colocava isso nos jornais.

    BnR: Mas não era verdade?

    ES[Ouço silêncio do lado de lá] … Golo do Porto! Danilo.

    BnR: Recebi agora a notificação do golo.

    ESMas dizia, ele por birra colocou-me no banco e eu até entrei bem na segunda parte. Mas eu acho que se ele não tivesse colocado essa corrente comigo, eu tinha feito mais golos.

    BnR: Mas na altura estavas para sair do Boavista?

    ESNão. Saía era praticamente todos os dias na imprensa que eu estava para sair, que tinha clubes interessados e que eu só tinha mais um ano de contrato e tal. Mas eu sempre fui muito discreto, nunca fui de estar a falar em entrevistas que ia sair. Saía na imprensa, acho que ele não se sentiu bem e colocou-me no banco, não sei se para eu perder valor. Mas não guardo mágoa dele por isso. Fui sempre profissional e quando eu cheguei ao Boavista, fiz cinco jogos, marquei quatro golos e ele colocou-me no banco. Disse que eu tinha que correr mais, combater mais. Para voltar à equipa titular sofri muito mesmo. Foi esperar o Whelliton levar o quinto amarelo para depois voltar a ser titular e nunca mais saí.

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