«Estava a treinar com um vazio enorme. Sentia que o Vitória não ia ficar na Primeira Liga» – Entrevista BnR com João Meira

    -A grande derrota do Vitória FC-

    «Sentia que o Vitória não ia ficar na Primeira Liga e estava ali a treinar para mim, porque tinha de estar preparado para o futuro»

    Bola na Rede: Estiveste desempregado, de certo modo, durante esta transição entre o Vitória e o Cova da Piedade. Tiveste receio, dadas as dificuldades financeiras que os clubes atravessam por causa da pandemia, que ficasses sem clube?

    João Meira: Não, acho que, nesta pandemia, foi a vez em que me senti mais seguro. Eu tinha contrato com o Vitória, estava no Vitória a treinar, e ligavam-me vários clubes de Segunda Liga, tive sempre duas/três opções. Sabia que, mais semana, menos semana, o meu futuro se ia resolver, e, no dia em que decidi ligar para a pessoa e dizer que estava disponível, aconteceu.

    Bola na Rede: Chegaste a fazer pré-época com o Vitória para jogar na Primeira Liga?

    João Meira: Sim, sim.

    Bola na Rede: E como te sentias a treinar mesmo com o futuro do clube tão incerto?

    João Meira: É a primeira vez que estou a dizer isto. Estava a treinar com um vazio enorme, não sentia que estava a treinar com um propósito, sentia que não iria ser ali que ia acontecer, não era ali que eu ia jogar. Sentia que o Vitória não ia ficar na Primeira Liga e estava ali a treinar para mim, porque tinha de estar preparado para o futuro.

    Bola na Rede: Infelizmente tens vivido vários cenários pouco agradáveis. Como viveste esta crise no Vitória?

    João Meira: Tocou-me particularmente. Fiz a minha carreira de juvenil, júnior e Sénior ‘B’ pelo Vitória, um clube que me é muito querido, gosto muito das pessoas que lá estão, é um clube muito bairrista, único. Quando chegas a uma certa idade, tens outra sensibilidade, tentas ajudar noutros aspetos, e eu não conseguia, de maneira alguma, fazer com que as pessoas que me rodeavam ficassem mais confortáveis.

    Bola na Rede: Então mudaste.

    João Meira: Então, para não estar a acontecer o que acontece agora no Vitória, que é público, dos contratos, que há uma guerra gigante, os jogadores ainda não receberam nem um cêntimo, eu, com o que eu recebia, seria muito difícil ir receber o mesmo para o Campeonato Nacional de Seniores (CNS), sentia-me na obrigação de sair. E sendo sincero, tenho família e não me via a jogar no CNS, sinto-me muito bem para jogar numa liga superior. Talvez tenha sido um pouco egoísta, mas foi o melhor para a minha carreira.

    Bola na Rede: E há uma grande diferença entre futebol profissional e não profissional.

    João Meira: Sem dúvida alguma. E, além disso, a Primeira e a Segunda Liga não deverão parar com esta situação da Covid, ao contrário do CNS, em que há muitas reticências. De um momento para o outro, acabam os campeonatos e não sabemos o que irá acontecer.

    Bola na Rede: O licenciamento do Vitória foi chumbado por questões financeiras. Alguma vez sentiram que o cenário estava tão grave financeiramente?

    João Meira: Jamais, nunca, nunca. Acabamos o último jogo, foi um jogo de vida ou morte contra o Belenenses, ganhamos dois a zero, tínhamos uma pressão gigante dos adeptos, pressão boa de clube grande, eles vieram esperar-nos à chegada à cidade, um aparato tremendo de motards, de pessoas na rua, eu estou a falar contigo e a arrepiar-me. Depois do jogo terminar, como não havia adeptos no estádio, fomos para os portões festejar com os adeptos, depois havia aquela questão do “dobra o prémio” e dobraram o prémio, nunca pensamos, em momento algum, que havia qualquer tipo de problema, até começamos a comentar que dali a duas semanas estaríamos novamente a treinar na pré-época. Passados dois dias, aparece a notícia, começamos a trocar mensagens entre os grupos, pensamos que seria mais uma tentativa despropositada de mandar o Vitória abaixo, mas este ano conseguiram.

    Bola na Rede: É estranho pensar que tudo está a correr normalmente, até os prémios de jogo são pagos, e depois aparece este problema financeiro.

    João Meira: Nunca faltou um mês de ordenado enquanto estivemos no ativo.

    Bola na Rede: Achas que o dinheiro vinha de algum fundo pessoal e não do clube?

    João Meira: Não, bastavam os direitos televisivos, só isso.

    Bola na Rede: Nós tivemos o caso do Aves, em que houve um claro conflito entre o plantel e a direção. Como é que o plantel do Vitória reagiu?

    João Meira: Os jogadores que permaneceram deram o desconto. Tentamos acreditar sempre na mensagem que nos passaram até que, a certo momento, houve um afastamento das pessoas que lideravam o Vitória. Afastaram-se, diziam que era hoje e amanhã e nunca era, e aí deixamos de estar com a direção que foi destituída porque não tinha capacidade para gerir o clube. Tudo isto em dois meses.

    Bola na Rede: Vi que, em várias entrevistas, dizes que há duas partes distintas da época passada. Achas que as eleições vieram expor as reais dificuldades do Vitória ou as dificuldades apareceram depois das eleições?

    João Meira: Acho que vieram depois porque quem lá estava soube controlar muito bem todas as situações. Se faltasse dinheiro num sítio, iria ser logo tapado no dia seguinte, porque tinha pessoas que podiam injetar logo dinheiro. Quem entrou, não foi por uma questão de ser muito melhor gestor ou ter melhor capacidade para injetar, foi por uma questão de vaidade, de poder ser presidente do clube. Se calhar era um troféu para essa pessoa, mas é legítimo, eu também tive um sonho que ainda estou a concretizar, essa pessoa que entrou também tinha o sonho de ser presidente do Vitória, bem ou mal, são os sócios que têm de dizer, eu também sou sócio, tenho a minha opinião.

    Bola na Rede: Achas que essa pessoa não estava ligada à corrente do clube, mas unicamente ao nome do clube?

    João Meira: Talvez, talvez. Eu, sinceramente, gostava da pessoa, mas, por exemplo, eu sou jogador de futebol, não sou sapateiro, eu não vou pegar e coser um sapato, não sei. Se calhar aquela pessoa é muito boa na área em que exerce, mas o futebol profissional hoje em dia tem de ser gerido por profissionais do futebol, pessoas capacitadas, gestores de empresas, pessoas que não estejam ligadas ao futebol. Há certas pessoas que têm de estar num clube sem perceber nada de futebol, a gerir números, porque hoje em dia um clube, uma SAD, são uma empresa, não é o clube da esquina de fazer associações.

    Bola na Rede: Faltou essa gestão.

    João Meira: Não se pode gerir assim um clube profissional como o Vitória, com 110 anos de história, não pode onde caiu, e, para mim, desculpar-se com direções do passado é ainda pior. Quando nos candidatamos a um posto, temos de saber para o que vamos, não nos podemos desculpar com o que está para trás. Temos de ser o presente e o futuro, de fazer parte da solução e não ser mais um problema, para isso fico em casa.

    Bola na Rede: Achas que há um grande problema no dirigismo do futebol português?

    João Meira: Acho que sim, mas está a melhorar. Estes cursos que a Federação está a abrir são muito importantes e mesmo a implementação, nas faculdades, de cursos de marketing no desporto prepara melhor os novos dirigentes. Se o treinador tem que ter um curso, se o fisioterapeuta tem de ter um curso, o diretor também tem de ter uma base para exercer.

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    Pedro Pinto Diniz
    Pedro Pinto Dinizhttp://www.bolanarede.pt
    O Pedro é um apaixonado por desporto. Em cada linha, procura transmitir toda a sua paixão pelo desporto-rei, o futebol, e por todos os aspetos que o envolvem. O Pedro tem o objetivo de se tornar jornalista desportivo e tem no Bola na Rede o seu primeiro passo para o sucesso.                                                                                                                                                 O Pedro escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.