«Jorge Mendes perguntou-me onde queria jogar. Dois dias depois assinei pelo Benfica» – Entrevista BnR com Fábio Faria

    – Benfica: Parte 1 –

    “5-0? Jesus estava muito preocupado com o Hulk; até me deu um DVD para ver as jogadas dele”

    BnR: A aventura no Benfica podia ter começado contigo a vestir a pele de Cavalo de Troia.

    FF: Exatamente, porque aquele que seria o meu último jogo pelo Rio Ave era contra um Benfica a quem bastava o empate para ser campeão e nessa semana fui abordado pelos jornalistas todos. Tive a infelicidade de dizer que gostava que o Benfica fosse campeão, mas também não queria que o Rio Ave perdesse, numa tentativa de dar a volta ao texto. No dia a seguir, os jornais fizeram manchetes com as minhas declarações, dando a entender que já estava “feito” com Benfica… o normal. Então, para me defenderem, o Rio Ave entendeu que era melhor eu não jogar; tanto podia marcar um golo e impedir o título do Benfica, como um autogolo e dar azo a teorias da conspiração. Recordo-me de chegar ao estádio, completamente a abarrotar, chorar copiosamente no balneário e pedir ao Carlos Brito “Mister, deixe-me jogar, por favor!”, mas não me deixaram e ainda bem.

    BnR: Recordas-te do primeiro contacto do Benfica após esse jogo?   

    FF: Foi passadas duas semanas. Estava em casa e liga-me o Rui Costa para dizer-me que ia em digressão com a equipa do Benfica para os Estados Unidos e para o Canadá. “Ó Rui, mas fui convocado pela Seleção sub-21”, disse-lhe. “Não te preocupes que já falei com o selecionador e, como são dois amigáveis, não precisas de ir”. “Mas tens a certeza?”, perguntei-lhe hesitante. “Sim, à vontade. Se não tenho moral, quem tem?”. Nunca mais me esqueço destas palavras.
    Antes de irmos, ainda fiz um treino no Seixal em que as coisas saíram muito bem – fiz dois golos naquele joguinho no final – e nos jornais do dia seguinte era eu quem estava na capa.

    BnR: [Fábio prossegue com entusiasmo]

    FF: Fomos primeiro para Boston e, depois, para Toronto, num jato privado, não faltava nada. Foi muito bom porque em vez de conheceres os teus colegas em competição, conhece-los num ambiente mais descontraído. É claro que queríamos ganhar, mas só tínhamos treinos de dois em dois dias, podíamos ir passear nas folgas… os portugueses puseram-me logo bastante à vontade – o Nuno Gomes, o Luís Filipe, o Rúben Amorim -, o próprio David Luiz (…) sabes que ia ficar no quarto com o Aimar? Só que à última da hora teve um problema com o passaporte e não embarcou connosco; foi o melhor jogador com quem joguei. Era um grupo espetacular e estavam ali para se divertirem. Acabei por jogar os dois jogos a titular e só perdemos contra o Panathinaikos, em que até houve porrada durante o jogo e tudo. Quando começou a nova época, já tinha confiança com eles e não custou tanto. Foi a melhor maneira de entrar no Benfica.

    Fonte: Facebook Fábio Faria

    BnR: Coentrão era um colega com quem, naquela altura e àquele nível, era impossível rivalizar?

    FF: Era mesmo impossível. O Fábio foi dos melhores laterais-esquerdos que vi jogar. Ele já fazia a diferença na frente, então quando apanhou alguém tão exigente quanto o Jesus, começou a partir tudo. Não havia hipóteses. Mas também havia uma situação: eu detestava jogar nessa posição! Eu era defesa-central, mas o Jesus achava que por ter um bom pé esquerdo tinha de ser lateral; via-me como um substituto do Fábio naqueles jogos mais difíceis. E ainda assim, quando o Fábio não podia jogar, baixava o César Peixoto e isso deixava-me triste “Então estou a treinar a lateral, e quando o Fábio não pode, é o César que joga?”. Mas quando estás no Benfica, no FC Porto ou no Sporting, só em três ou quatro jogos é que o lateral tem de defender, de resto é sempre para a frente, e logicamente percebi o que o Jesus queria: o César e o Fábio como tinham sido extremos tinham mais facilidade no último terço. Não obstante aprendi muito; o Jesus é um treinador muito exigente.

    BnR: Foi esta exigência que elevou Jorge Jesus para um patamar à parte?

    FF: O Jesus é obcecado por futebol. Foi, sem dúvida, o melhor treinador que tive. Aprendi tanto com ele… pensava que sabia defender e quando cheguei ao Benfica percebi que não era assim. É impressionante o quanto ele percebe de futebol. Então por ser o mais novo levava tanta “dura” dele! Muitas vezes em vez de chamar o David Luiz ou o Luisão à atenção, chamava-me a mim para dar o exemplo; era sempre o meu nome. Ficava maluco! Muitas vezes, ao pequeno-almoço, os meus colegas apostavam quantas “duras” eu ia levar no treino, porque ele só sabia o meu nome. É um treinador que me ajudou muito. Se ele pega num Real Madrid ou num Barcelona, limpa tudo.

    BnR: Fala-se muito na componente tática dos seus treinos, mas quem melhor que tu para confirmar que fisicamente também não eram pêra doce. 

    FF: Isso foi em digressão, quando já estava há duas semanas sem treinar. O campeonato tinha acabado e na semana seguinte à conquista do título foi só festa. “Ai gostaram das férias? Então hoje vamos correr um bocadinho”, satirizou. Pôs-nos a fazer intervalados e chegou a uma altura em que já nem conseguia respirar, mas como não queria ficar mal continuei. Como era jogador novo, ele estava sempre de olho em mim e não podia facilitar. Fiquei maldisposto e tiveram de me levar um pacote de açúcar. Só pensava que se fossem sempre assim os treinos do Benfica estava tramado e que não ia aguentar. Ele não aceita brincadeiras e independentemente da duração do treino tem de ser sempre a sério. É por isto que tira o melhor de cada atleta e que, por onde passa, vende jogadores por milhões.

    BnR: Acompanhaste de perto o declínio do “Rolo Compressor”. A perda de alguns jogadores-chave na época anterior foi irreparável?

    FF: Entrámos mal no campeonato: perdemos em casa contra a Académica, na Choupana com dois erros do Roberto… as coisas não lhe estavam a correr bem.

    BnR: Roberto Jiménez tem responsabilidades nesse campeonato?

    FF: O valor da sua contratação [8,50 M€] criou-lhe muita pressão. Ele tentava demonstrar que era um jogador mentalmente muito forte, mas percebia-se que não era assim. Mas também apanhámos um FC Porto muito forte e ficámos para trás logo ao início do campeonato. O Gaitán e o Salvio nas linhas também não estavam a adaptar-se muito bem… apesar de percebermos que eram craques, ainda estavam a aprender a encaixar-se nas ideias do Jesus. Depois vamos ao Dragão e perdemos 5-0…

    BnR: Com David Luiz a defesa-esquerdo.

    FF: Treinei a semana toda nessa posição, a pensar que ia jogar. O mister queria avançar o Fábio, porque estava muito preocupado com o Hulk; até me deu me um DVD para, em casa, ver as jogadas dele. Mas quando vi que os centrais eram o Sidnei e o Luisão percebi que não ia ser opção.

    BnR: A meio da época, acabas por ser emprestado ao Valladolid, mas fazes apenas quatro jogos.

    FF: Quando cheguei ao Valladolid, fui uma das contratações mais sonantes a par do Juanito, que foi ganhar 60 mil euros – havia equipas a pagar 100 mil – valores que em Portugal só os grandes podem pagar. Quando entro na equipa estávamos em penúltimo, mas com uma super equipa, montada para subir de divisão. Assinei sexta-feira e domingo estreio-me logo a titular; perdemos 1-0, mas fui o melhor em campo. No final do jogo, o treinador até me usou como exemplo para os meus colegas, por ter sofrido uma entrada muito dura e ter continuado. Fiz três jogos em dez dias, mas como estive seis meses sem jogar no Benfica, antes do jogo com o Bétis senti uma dor e o exame revelou que era um estiramento. Eles queriam dar-me uma injeção, mas disse-lhes que não aceitava e que preferia descansar uma semana. O que é certo é que fiquei duas semanas parado e o colega que ocupou a minha posição agarrou o lugar. O treinador muitas vezes vinha ter comigo e dizia-me “Tu és melhor jogador do que os que estão a jogar, mas não te posso pôr a jogar porque vamos numa série só de vitórias”. Ainda fiz mais um jogo – outra vez melhor jogador em campo: ganhámos 2-0 e fiz as duas assistências -, mas não voltei a jogar. Eles gostaram tanto de mim que queriam contratar-me ao Benfica, mas o meu empréstimo não tinha opção de compra.

    Fonte: Facebook Fábio Faria

    BnR: O nível da segunda divisão espanhola pode equipar-se ao da Primeira Liga portuguesa?

    FF: A segunda divisão espanhola é tão boa ou melhor que a nossa Primeira Liga. Lembro-me de apanhar o Barcelona B – onde estavam o Grimaldo, o Nolito, o Bartra, o Thiago e o Rafinha – e ganhámos ser saber ler e escrever; levámos um chocolate impressionante. Mesmo o Bétis e o Granada, que subiram nesse ano, eram equipas muito fortes.

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    Miguel Ferreira de Araújo
    Miguel Ferreira de Araújohttp://www.bolanarede.pt
    Um conjunto de felizes acasos, qual John Cusack, proporcionaram-lhe conciliar a Comunicação e o Jornalismo. Junte-se-lhes o Desporto e estão reunidas as condições para este licenciado em Estudos Portugueses e mestre em Ciências da Comunicação ser um profissional realizado.                                                                                                                                                 O Miguel escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.