«Tive propostas de clubes, mas que diziam: “Tens de mudar a tua imagem”» – Entrevista BnR com Abel Xavier

    – Luz encarnada –

    «Em 1993/94, a força do balneário e a força da mística do Benfica ganhou o campeonato»

    Bola na Rede: A tua transferência para o Benfica também acontece quando jogavas na Segunda Liga.

    Abel Xavier: Acabei por não me cruzar com o Jorge Jesus no Estrela da Amadora. Era um dos treinadores com quem eu gostava de ter trabalhado. Não foi possível. Consegui, através do Estrela da Amadora, atrair os grandes de Portugal, nomeadamente o Sporting, que pretendia o meu regresso, o Vitória SC e o Boavista, que também eram equipa muito importantes. Rapidamente o Benfica se antecipou a todos. Com a transferência do Jesualdo Ferreira, que foi auxiliar o Toni no Benfica, eu vou com ele. Dou o salto que também ambicionava. Vou para o Benfica com 21 anos, na época 1993/94.

    Bola na Rede: A escolha do clube dependeu de ti?

    Abel Xavier: O Estrela da Amadora era um clube simpático e que tinha relações muito boas com todos os clubes e estava tudo tratado para regressar ao Sporting. Depois, o Benfica foi mais célere, rápido e incisivo e eu assinei pelo Benfica. Ia com um treinador que me conhecia bem, que era o Jesualdo Ferreira, e ia com o Toni, que é uma grande referência no Benfica, e que queria muito que eu entrasse para os quadros do Benfica. Senti que ia ter mais oportunidades, de forma imediata, de poder jogar. 

    Bola na Rede: Dentro do campo, a adaptação não deve ter sido fácil, tendo em conta que vinhas de uma equipa de Segunda Liga.

    Abel Xavier: Só quem passa em clubes desta dimensão é que consegue sentir o peso da camisola. No dia e no momento em que se começa a vestir a camisola de um clube com a grandeza do Benfica é que se começa a perceber onde é que se está. Por muito talento e capacidade que eu tivesse evidenciado no Estrela da Amadora, eu teria que, acima de tudo, jogar pelo Benfica. Hoje, há muitas contratações falhadas por aquilo que se chama “período de adaptação”. Só vivendo as situações é que uma pessoa ultrapassa um qualquer défice competitivo ou psicológico. Há uns que o conseguem de uma forma muito mais rápida e há outros que levam mais tempo. Olhando para o meu passado, em termos educacionais, sociais e de integração, é lógico que eu tinha que ter capacidade de resposta rápida à dimensão do Benfica. Nos primeiros seis meses talvez tenha sido um dos jogadores mais criticados. Estamos a falar do antigo Estádio da Luz, que levava cerca de 120 mil pessoas e que eu creio que na final do campeonato do mundo de sub-20 até levou mais. Era um estádio muito particular. Mal cheguei ao Benfica fui titular. Comecei a jogar a lateral-direito. O Veloso passou para a esquerda. Eu tinha uma particularidade que me deu mais oportunidades no Benfica: eu tinha polivalência. Esta minha polivalência resguardou-me de algumas insuficiências de rendimento num ou outro momento. Começo como lateral-direito e acabo a médio defensivo a jogar com o Rui Costa. Tinha três posições que podia preencher: lateral-direito, defesa-central e médio defensivo. Isso era uma riqueza para o treinador. De criticado durante seis meses passei a ser indiscutível e a ser assediado, inclusive, pelo Parma. Não nos podemos esquecer que o Benfica estava inserido no grupo Parmalat, onde Marselha, Parma e Benfica tinham o mesmo patrocinador. Estamos na semifinal da Taça das Taças e cruzamo-nos com o Parma e o Carlos Mozer é expulso e eu vou jogar para central. A visibilidade de jogar competições europeias com o Benfica abriu-me as portas para o mercado internacional. No primeiro ano, quando somos campeões nacionais com o Benfica, com o grandioso jogo que fizemos em Alvalade, o 6-3, fizemos uma Taça das Taças fantástica. Só caímos no último minuto com um golo de [Roberto] Sensini. Essa versatilidade posicional que eu tinha fez com que eu fosse um jogador jovem apetecível para as equipas internacionais. No final dessa época, eu tenho o acordo feito para ser jogador do Parma. Dá-se a saída do Toni, dá-se a entrada do Artur Jorge e o Rui Costa vai para a Fiorentina. Com a mudança da equipa técnica, o Benfica impediu a minha saída e acabei por ficar com o Artur Jorge na época 1994/95.

    Bola na Rede: Dessas posições todas, qual é que potenciava mais as tuas características?

    Abel Xavier: O mais importante é jogar. Para a equipa técnica e para mim, ter polivalência significava que eu tinha uma compreensão sobre o jogo mais ampla. Depois, para o treinador, quando a equipa tinha problemas de ordem física ou castigos, era um recurso bastante interessante. Isto, ao longo da minha carreira, foi sempre uma mais-valia. Eu sou central de formação, não sou lateral-direito. Com os centrais que havia na minha geração, era muito difícil ser central, não só nos clubes, como na seleção portuguesa. Então, fui para lateral-direito. As posições onde eu me sentia mais confortável, até por causa da minha fisionomia, eram as posições do corredor central. Quer defesa, quer médio defensivo eram as posições onde eu gostava mais de jogar.

    Bola na Rede: A adaptação ao Benfica custou-te mais do que, por exemplo, à Premier League?

    Abel Xavier: São outros tempos. Quando vou para a Premier League já tenho uma grande bagagem internacional. Essa questão da experiência diminui as dificuldades de adaptação. O passo de ir do Estrela da Amadora para o Benfica, onde jogo para títulos e competições europeias, nunca pode ser visto da mesma forma como o passo para outros campeonatos. Estamos a falar de nos inserirmos num contexto competitivo onde podem haver algumas diferenças, mas nós já temos capacidade e experiência de alto rendimento. Eu tive um percurso que acho que foi progressivo, entre equipas que lutam para não descer, equipas que lutam pelo meio da tabela e equipas que lutam para ganhar títulos. Foi algo natural e que me deu uma capacidade mental, de abordagem e de conhecimento para lidar adaptar-me às realidades que encontrava.

    Bola na Rede: O Eusébio ajudou-te na tua chegada ao Benfica. Como é que era a tua relação com ele, tendo em conta que ele até tinha origens semelhantes às tuas?

    Abel Xavier: Quando olho para o passado, até me interrogo de certas coisas que acontecem. Parece que é uma volta perfeita. Recentemente, tive três anos e meio em Moçambique, mas durante a minha carreira tive figuras moçambicanas emblemáticas. Já referenciei o Carlos Queiroz e o Augusto Matine, depois, no Benfica, Shéu e Eusébio. Anos depois, após regressar a Moçambique, refazer um pouco esta minha história foi muito gratificante. King é uma figura ímpar. Sentir a paixão que ele tinha pelo jogo, sentir que com a idade avançada dele gostava de treinar connosco… Ele participava nos treinos connosco e a liderança e a forma como ele se envolvia, demonstrando querer ser um exemplo para os jogadores, é algo marcante. Ele só pode ter sido grandioso. Tive o privilégio de o ter, não só no Benfica, mas também como embaixador da seleção portuguesa. Esse tipo de pessoas foram importantes para o Benfica e para o futebol português. São elas que dão grandeza ao país e jamais serão esquecidas.

    Bola na Rede: Foi saboroso seres campeão pelo Benfica em 1993/94, antes do penta do Porto?

    Abel Xavier: Já ouvi um ou outro colega, e até o mister Toni, falar sobre essa situação. Em 1993/94, a força do balneário e a força da mística do Benfica ganhou o campeonato. Quando estamos em estruturas grandes nós olhamos sempre para o vizinho, para os adversários. Nós sentimos que o adversário, a determinada altura, pode ter melhor equipa, pode ter um melhor momento ou pode ter um melhor grupo, fora os problemas que o Benfica estava a atravessar do ponto de vista económico, porque tínhamos salários em atraso. Tivemos um jogo-chave, em Alvalade, que tínhamos que ganhar para podermos estar na corrida. Eu era um jovem num balneário de líderes. Tinha na porta do meu quarto um póster de Carlos Mozer e ia dormir e dizia “um dia vou fazer dupla de centrais contigo”. Estava no balneário do Benfica e estava com Carlos Mozer, que foi um dos meus grandes exemplos. Depois, tínhamos outros jogadores marcantes: Rui Costa, João Pinto, Isaías, Vítor Paneira, Neno, Silvino… Até me custa referenciar, porque ganhámos o campeonato pela força do grupo. Muitos dizem que a mística vem de fora, mas a mística vem de dentro de um grupo de trabalho. Somos nós que somos responsáveis por poder aglutinar. Quando falamos da marca Benfica isso tem a ver com líderes, com jogadores. 

     

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    Francisco Grácio Martins
    Francisco Grácio Martinshttp://www.bolanarede.pt
    Em criança, recreava-se com a bola nos pés. Hoje, escreve sobre quem realmente faz magia com ela. Detém um incessante gosto por ouvir os protagonistas e uma grande curiosidade pelas histórias que contam. É licenciado em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e frequenta o Mestrado em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social.