«Quando cheguei ao SL Benfica o clube não estava organizado como está atualmente» – Entrevista BnR com Miguelito

    -A “sombra” na Luz-

    «Apesar de estar numa equipa grande, de ter mais anos de contrato com o Benfica, não estava contente»

    Bola na Rede: Essa época acaba por lhe valer um “bilhete” para um dos denominados três “grandes” do futebol português, neste caso o Benfica…

    Miguelito: Era o meu objetivo maior, e para isso precisava de trabalhar da mesma forma independentemente do clube e da região onde estivesse. Teria sempre de ter esse foco, fazer esse trabalho, ter a vontade de querer fazer sempre mais, dia após dia, jogo após jogo, época após época, para alcançar esse objetivo que era chegar a uma equipa grande. E as coisas acabaram por acontecer, mais cedo até do que eu estaria à espera, que era chegar a um dos maiores clubes de Portugal e do mundo.

    Bola na Rede: E como é que surgiu esta oportunidade. O Miguelito, na altura, tinha 26 anos. Como surgiu a hipótese de jogar no Benfica? Tinha outras propostas em carteira?

    Miguelito: Quando estava no Rio Ave já se falava muito de eu sair para bons clubes. Na altura, lembro-me perfeitamente de se falar no Bétis, que, na altura, andava sempre lá em cima, a lutar pelas competições europeias. Falou-se no Sporting, também. Portanto, ao longo de dois anos, falou-se da possibilidade de ir para aqui, para acolá, mas com a ajuda do Carlos [Gonçalves], que sempre me tranquilizou em relação a isso, sempre me “tirou” essa pressão, juntamente com a minha família mais chegada, meti na cabeça que quando tivesse de ser, seria. E portanto tentei abstrair-me ao máximo dessas situações. Acho que se deve muito a isso. Lembro-me que quando estava no Nacional se falava que o Benfica estava interessado em contratar um lateral esquerdo, embora nunca se tivesse falado em nomes. E para aí a cinco ou seis jornadas do fim, é que se começou a falar no meu nome, na possibilidade de ir para o Benfica. Claro que como todos os atletas fiquei bastante contente, lisonjeado, mas ainda com mais vontade de trabalhar e não deixar cair essa possibilidade se, de facto, fosse essa a vontade dos responsáveis do Benfica.

    Bola na Rede: O Migueltio “tocou” aí num ponto – e uma vez que está na área do agenciamento de jogadores – que é a pressão sobre os jovens jogadores quando começam a surgir, nas capas dos jornais, a possibilidade de eles se transferirem. Isso é algo que afeta o jogador dentro do campo? Têm a preocupação de aconselhar os vossos jogadores a se alhearem dessas questões que surgem à volta do mundo do futebol?

    Miguelito: Sim, esse é um dos nossos trabalhos. Temos de fazer uma gestão das expectativas, de tudo o que rodeia o atleta, de forma a tirar o máximo de pressão possível do jogador, para que ele se foque o máximo possível no dia-a-dia, para poder fazer um bom trabalho. Só que depois tem de ser feito esse trabalho do próprio atleta, como eu fiz, abstrair-se dessas notícias, e pensarem que se tiver de acontecer, vai acontecer. Não há nada que se possa acelerar, a não ser o próprio trabalho do atleta. Quanto mais ele demonstrar, mais possibilidades existirão de ingressar num clube maior. Esse é um trabalho que fazemos há alguns anos: gerir as expectativas de atletas que estejam a ser falados com mais insistência, tentar que se abstraiam, até porque estamos aqui nós para podermos trabalhar essa situação. Os jogadores o que têm de fazer é continuar, dentro do campo, a provar que estão preparados para ingressar numa equipa grande.

    Bola na Rede: Regressando a 2006, quando chega ao Benfica. Que sonhos “alimentava” quando entrou pela primeira vez naquele balneário? 

    Miguelito: O primeiro objetivo era ser titular indiscutível da equipa principal do Benfica… conquistar o meu espaço e depois ser titular indiscutível. E depois, tinha outros objetivos. Se as coisas começassem a correr bem, se começasse a jogar com regularidade, poder chegar a outros contextos. Não desportivamente, porque o Benfica é uma equipa grande, mas financeiramente, ir para clubes que me dessem uma “almofada” em termos financeiros. É para isto que toda a gente trabalha, e por muito que se goste dos clubes, toda a gente trabalha para conquistar coisas melhores para a sua vida. E eu também tinha esse objetivo.

    Bola na Rede: O Miguelito jogou, mas acabou por não ser a aposta principal, primeiro, com Fernando Santos e, depois, com Jose Antonio Camacho. Até porque o titular, na altura, naquela posição, era o Léo, um jogador já muito cotado, internacional brasileiro. Fez apenas sete jogos na primeira época e três na segunda, onde acabou de sair, a meio da temporada, para o Sp. Braga. O que não correu tão bem na Luz? 

    Miguelito: O que correu menos bem foi o timming. Não da minha entrada, mas o do próprio clube, que não estava tão bem. A direção estava a iniciar o projeto que tornou o Benfica no clube que é hoje, mas ainda não estava assim tão bem. Sabia que a minha missão seria difícil, num clube grande, com exigências muito grandes, que na minha posição tinha um jogador com uma regularidade impressionante, muito acarinhado pelos adeptos, internacional brasileiro, portanto, sabia à partida que a minha tarefa seria muito difícil. Mas eu também tinha os meus objetivos, tinha a minha forma de trabalhar. De certa forma, consegui conquistar o meu espaço, pois, no início, ainda fiz alguns jogos, alguns deles a titular – e não porque o Léo estivesse lesionado, mas foi fruto do meu trabalho que conquistei o meu lugar no “onze”. Acho que não correu nada mal, a não ser o timming de ter ingressado num clube que não estava equilibrado. O Benfica estava a iniciar um processo de organização da estrutura, de cargos e, portanto, acho que foi isso que não correu tão bem.

    Bola na Rede: O Benfica vinha do título de campeão de 2005, mas o próprio presidente Luís Filipe Vieira, já admitiu que nessa altura ainda decorria o processo de reorganização do clube. Sentiu isso dentro do balneário? Que a estrutura ainda não era suficientemente sólida para que o clube chegasse a outros patamares, como se viu, nos últimos anos, voltar a dominar, por alguns períodos, o futebol português?

    Miguelito: Notava-se – internamente e externamente – que o Benfica ainda não estava organizado, com todas as áreas e cargos equilibrados. Internamente, isso notava-se….

    Bola na Rede: Era algo que passava para o balneário?

    Miguelito: Os jogadores são inteligentes, percebem perfeitamente quando o clube está ou não organizado, quando há estabilidade ou instabilidade. Uma pessoa percebe perfeitamente. O jogador que não pensa só em vir treinar, e depois pensa que o trabalho está feito e que tem o resto do dia livre, consegue chegar a essa conclusão. E, nessa altura, isso deu para constatar. O presidente Luís Filipe Vieira tinha entrado em 2004 [n.d.r, em 2003] e, portanto, estava a organizar o clube, a colocar as coisas à sua maneira, e com a minha entrada em 2006 as coisas ainda não estariam organizadas como estão atualmente. Se o Benfica estivesse organizado da forma como está atualmente, tenho consciência de que teria jogado mais. Mas é o que é… Não me arrependo de nada, foi a oportunidade que tive, tentei agarrá-la da melhor forma…

    Bola na Rede: Mas acabou por sair…

    Miguelito: Porque, de facto, foi sempre assim ao longo da minha carreira. Eu não demonstrava o meu futebol pelo símbolo que carregava, mas pelo amor que tenho ao futebol. Ia para dentro do campo com alegria. Aquilo que se passou é que, apesar de estar numa equipa grande, de ter mais anos de contrato com o Benfica, não estava contente. E aquilo que me movia no futebol era a minha alegria, e se eu não tivesse essa alegria não conseguia fazer as coisas em condições, não conseguia treinar em condições e jogar da mesma forma. E por isso decidi pedir à direção para sair. Foi sempre isso que me moveu ao longo da minha carreira: sentir que onde quer que eu estivesse as pessoas estavam contentes com o meu trabalho e eu, ao mesmo tempo, estar contente, juntamente com a minha família, no lugar onde eu estivesse a jogar. Quando isso não acontecia era o primeiro a falar com a direção, a colocar os problemas em cima da mesa, e a tentar arranjar solução. Foi assim ao longo da minha carreira, e talvez o vasto lote de clubes que representei se explique por esta minha maneira de estar.

    Bola na Rede: Foi então Miguelito que acabou por pedir para sair do Benfica?

    Miguelito: Exato. Por sentir que, naquela altura, por muito que trabalhasse ia ter poucas ou nenhumas oportunidades. Não me movia mais nada, e pedi para sair. Cada vez tinha menos vontade de treinar, e não era isso que eu queria para a minha vida. Sempre gostei de futebol, de jogar futebol, e acredito que muito do que conquistei foi pela minha forma de estar no futebol: alegre, de querer estar, ajudar… Mas também de sentir da parte das pessoas que queriam que eu estivesse nesse sítio. E no Benfica comecei a não sentir isso. Quando o senti falei logo com o Carlos Gonçalves e a direção do Benfica que, independentemente dos anos de contrato que tinha com o clube, queria resolver a minha situação, pois não me sentia feliz por acordar todos os dias e não sentir aquela vontade de ir para os treinos e de jogar.

    Bola na Rede: É difícil, nestas situação, para um jogador manter os mesmos níveis de motivação no dia-a-dia, nos treinos…

    Miguelito: Completamente. Mais que o clube ou o dinheiro, deve ser isso que deve mover os atletas. Acho que essa é a “gasolina” que faz com que os jogadores vão para dentro do campo, e treinem da melhor forma. Porque em todas as áreas é assim. Se uma pessoa estiver triste as coisas não lhe correm bem, ela não faz o seu trabalho em condições. E no futebol é a mesma coisa. Eu queria estar de bem com tudo que me rodeava, para poder ir para dentro do campo todos os dias e treinar sempre a 100 por cento, e para que se ao domingo fosse chamado as coisas também me voltassem a correr bem. E quando isso não acontece… mas não falo só de não ser opção para jogar, porque num plantel há, pelo menos, 22 unidades e aqueles que estiverem melhor são os que jogam. No Benfica tinha, de facto, um concorrente à altura, mas sentia que merecia a minha oportunidade pela forma como trabalhava, pela forma como via o meu concorrente direto a trabalhar e a jogar… sobretudo, a partir de uma certa altura. No início, ainda me foram sendo dadas oportunidades, acho que era correspondente, mas a partir de certa altura deixaram de me dar oportunidades, comecei a nem sequer ser convocado, a não sentir o mesmo tratamento que era dado à maior parte dos atletas. E quando assim é, o que os jogadores têm a fazer é conversar com quem de direito e arranjar uma solução.

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    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.