«Quis regressar ao FC Porto, mas não estavam dispostos a isso» – Entrevista BnR com Derlei

    – Uma história de superação: Da grave lesão à glória em Gelsenkirchen –

    “Eu estou vindo para cá, mas não vim para passear. Eu estou vindo para fazer a diferença”

    BnR: No ano seguinte vencem a Supertaça e são bicampeões, mas é a campanha na Liga dos Campeões que merece mais destaque. Quando são sorteados no grupo F com Partizan, o Marselha de Drogba e os galácticos do Real Madrid, qual foi o pensamento do grupo?

    D: Eu me lembro que nós vimos o sorteio e nós começamos a ver as possibilidades de ultrapassar esses adversários. “Dá para chegar na frente do Marselha e do Partizan, então dá para classificar”. Com todo o respeito que tínhamos por essas equipas, o Real Madrid era aquela equipa que dificilmente iria ficar pelo caminho e que ia roubar pontos a todos. No nosso caso nós até conseguimos conquistar um ponto contra o Real.

    BnR: Até acabas por ser tu a marcar o golo de penalty. Como é que foi para ti marcar no Santigo Bernabéu frente ao Real Madrid de Figo, Zidane, Ronaldo e muitas mais estrelas?

    D: Quando sabemos que temos o Real Madrid no grupo, a primeira coisa que a gente pensa é de desfrutar dos jogos. O Real Madrid nesse ano tinha os três ou quatro melhores de elite pela FIFA. Nós sabíamos que o ambiente no estádio ia estar fantástico, dentro do campo também ia ser um jogo bem disputado. Quando fomos jogar a Madrid já estavam as duas equipas qualificadas e nós tínhamos a possibilidade de ficar em primeiro lugar no grupo e era essa a nossa motivação. Nós queríamos ter vencido esse jogo de qualquer forma para não apanhar o Manchester United, que era outro Real Madrid.

    BnR: Apesar de esse ter sido o ano da consagração do FC Porto, esse também é o ano da lesão do Derlei, naquele que consideras o “momento mais difícil no FC Porto”. Quatro meses parado, 12 golos em 15 jogos e falhas os oitavos e quartos de final da Champions. O que te custou mais nessa altura?

    D: Eu acredito que nessa temporada eu estaria “brigando” com o Benni [Mccarthy] pela artilharia do campeonato. Eu ia fazer mais golos do que no campeonato anterior. Quando vem a lesão eu até tinha marcado o 13ºgolo e tenho um amigo que brinca: “Está vendo? Se você não tivesse marcado o 13ºgolo naquele dia, não teria tido esse azar” (risos). Veio a lesão e eu já sabia que não ia jogar mais aquela época. O diagnóstico que eu tive foi: “Vamos fazer a recuperação, mas esta época está descartada”. Para você ter uma ideia, eu me lembro que nós fomos de Alverca para o Porto e eu fui no autocarro sentado lá trás, só que eu fui tomando cerveja tranquilamente e eu coloquei na cabeça: “Vou fazer a cirurgia e fazer o que tem de ser feito”. Conforme se foi dando a recuperação, o Dr. José Carlos Noronha, que também tinha operado o César Peixoto com a mesma lesão, aplicou fatores de crescimento e o meu organismo reagiu bem melhor do que o do César Peixoto. Tanto que depois de dois meses de lesão eu já tinha alcançado o César Peixoto a nível de recuperação. Então com essa evolução, ao fim de quatro meses eu já estava em campo e pude chegar ainda no último jogo da meia-final.

    BnR: Poucos sabem, mas essa lesão também acaba por atrasar e impedir a tua naturalização por Portugal. Podes falar um pouco mais sobre isso?

    D: O processo tinha-se iniciado no ano anterior e a princípio, se tudo corresse bem, no início desse ano de 2004, eu já poderia ter recebido a naturalização. Esse processo foi iniciado para poder jogar na seleção nacional. O próprio Scolari via que eu tinha características para poder ajudar a seleção nacional. Eu acho que é a honra máxima um atleta poder representar a seleção. Jogar pela seleção portuguesa seria para mim uma honra muito grande porque Portugal deu-me tudo e devo a Portugal o atleta que me tornei. Neste momento ainda só não estou a morar em Portugal por causa de questões familiares, mas sempre que posso vou a Portugal.

    BnR: Regressas frente ao Alverca e o Paulo Ferreira chegou a dizer que até ficou arrepiado quando entraste e todo o estádio entoou a tua música. Sentiste, de facto, que esse foi um momento arrepiante e que os adeptos tinham um grande carinho por ti?

    D: Para mim é o momento mais importante da minha carreira. É como marcar um golo. A forma como o estádio e os adeptos me abraçaram fez com que esse fosse o ponto mais alto da minha carreira.

    BnR: Foi melhor do que aquele golo de penalty na meia-final ao Molina frente ao Corunha que carimbou a passagem à final?

    D: O golo é muito mais importante para a equipa em si e muitos dos golos ficam marcados na memória dos torcedores, mas para o atleta, no meu caso, o regresso da lesão foi o momento mais alto da minha carreira. Quando você é desejado e aplaudido por todos unanimemente, você sabe que atingiu o topo da carreira.

    BnR: Aquele penalty acaba por ser um remate de raiva face à longa paragem?

    D: Não, de forma alguma. Eu sempre lidei muito bem com as lesões que eu tive. Nunca pensei que tinha perdido tempo, pelo contrário, acho que amadureci e que foi um período de aprendizagem. A única coisa que eu tinha na cabeça no momento do penalty foi marcar o golo, a concentração estava máxima. Se vocês notarem nas filmagens, quando o Deco cai e ganha o penalty, eu já vou caminhando em direção à área já me concentrando no que eu ia fazer. É evidente que o Molina, com aquele tamanho todo, eu tinha que cobrar bem se não ele pegaria.


    BnR: Fez ontem 16 anos desde a vitória em Gelsenkirchen, numa das finais mais surpreendentes da Champions, onde defrontam o Mónaco e vencem 3-0 de forma categórica. Para um rapaz que cresceu nas favelas, que se viu obrigado a parar quatro meses e que recupera a tempo de contribuir e vencer a final, o que significou este troféu para ti?

    D: Para as pessoas que acompanham a tua carreira, as pessoas imaginam que esse é o momento mais alto da carreira de um atleta profissional, ganhar o título da Champions League é o que todos os atletas desejam. Ali eu estava chegando no topo da minha carreira. Mas o momento mais importante foi mesmo voltar da lesão. A nível de carreira num todo, certamente que só pode tocar naquela Taça quem é campeão. É um privilégio enorme jogar uma final da Champions e poder levar o troféu para casa.

    BnR: “Eu não vou para o FC Porto para passear nem ser mais um”. Sabes quem disse esta frase?

    D: Esse aí fui eu, de certeza!

    BnR: Foste uma das figuras centrais e dos mais decisivos da época de ouro mais brilhante dos azuis e brancos vencendo dois troféus europeus seguidos. Podemos mesmo dizer que não foste “apenas mais um”.

    D: Com certeza. Essa era a confiança que eu tinha no meu trabalho. Na altura muitos jogadores brasileiros tinham passado pelo FC Porto, grandes jogadores consagrados e muitos não tinham vingado lá, inclusive no ano anterior o FC Porto acabou por dispensar vários jogadores brasileiros de excelente qualidade. Quando as pessoas falaram: “Vem mais um brasileiro dos clubes pequenos”. E eu falei: “Eu estou vindo para cá, mas não vim para passear. Eu estou vindo para fazer a diferença”.

    BnR: Sentes que o futebol português mudou com essas conquistas de 2003 e 2004?

    D: Sem dúvida e a prova disso é que logo em 2004 a seleção nacional chegou à final do Europeu. A base dessa equipa e a forma de jogar desses jogadores era do FC Porto. Portugal evoluiu tanto, que hoje, os melhores treinadores do Mundo são portugueses. Um país com uma densidade populacional tão pequena ter tantos treinadores treinando no topo do futebol nacional é incrível. Foi uma revolução! Estamos a falar de treinadores jovens que absorveram a experiência dessa geração para se transformarem hoje nos treinadores que são.

    BnR: Nessa altura, Mourinho construiu uma super-equipa com jogadores da Liga Portuguesa. Achas possível, hoje em dia, repetir um feito europeu semelhante só com jogadores vindos de equipas da Primeira Liga Portuguesa?

    D: Se formos analisar, o pensamento do Mourinho era ser campeão nacional. Ele queria jogadores que estavam adaptados ao futebol português. A obrigação era ser campeão nacional. Ser campeão da Europa, estava em segundo plano. Os atletas também evoluíram muito, tanto que o Paulo Ferreira, o Ricardo Carvalho, Nuno Valente e tantos outros, acabaram por ir para grandes clubes pela Europa fora.

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    Nélson Mota
    Nélson Motahttp://www.bolanarede.pt
    O Nélson é estudante de Ciências da Comunicação. Jogou futebol de formação e chegou até a ter uma breve passagem pelos quadros do Futebol Clube do Porto. Foi através das longas palestras do seu pai sobre como posicionar-se dentro de campo que se interessou pela parte técnica e tática do desporto rei. Numa fase da sua vida, sonhou ser treinador de futebol e, apesar de ainda ter esse bichinho presente, a verdade é que não arriscou e preferiu focar-se no seu curso. Partilhando o gosto pelo futebol com o da escrita, tem agora a oportunidade de conciliar ambas as paixões e tentar alcançar o seu sonho de trabalhar profissionalmente como Jornalista Desportivo.