«Se me perguntares se gostava de integrar a equipa técnica de um Guardiola, Klopp, Zidane… Quem é que não gostava?»- Entrevista BnR com Silvino Louro

    «O Eusébio a treinar guarda-redes era assim: punha as bolas a jeito e “pum, pum, pum”.  Um dia ele já tinha colocado umas cinco ou seis bolas ao ângulo e então tive de lhe dizer: “Oh, Eusébio! Estás a aquecer-me ou a treinar-te a ti?»

     

    Bola na Rede: Boa! Mas antes de falarmos desse percurso como treinador, vamos primeiro regressar aos tempos de jogador… E pelo princípio: o que te levou a ires para a baliza quando eras criança? Não tinhas jeito com os pés? Ou era mesmo a posição com que sempre sonhaste?

    Silvino: Dizia-se, na altura, que quem ia para a baliza eram os mais pequenos ou os mais novos. Mas eu, quando comecei a jogar no Vitória de Setúbal – com 13 anos, em 1973 – já media 1,78 metros, calçava o 43 e tinha uma mão grande. As pessoas começaram a perceber que tinha qualidades para a baliza. Os meus próprios amigos mais velhos, já com 20 ou 30 anos, tinham uma equipa lá na rua e, às vezes, também me convidavam para jogar com eles, naqueles jogos populares. Isso deu-me muita experiência. E como depois as pessoas começaram a reparar, a falar de mim, isso deu-me ainda mais vontade e motivação para jogar na baliza. A partir daí, comecei a ter vontade de, cada dia, saber mais, trabalhar mais… e foi sempre assim até que aos 18 anos era o guarda-redes titular do Vitória de Setúbal.

    Bola na Rede: Isso na altura foi quase inédito…

    Silvino: Sim, sim. Só o Vítor Damas tinha conseguido estrear-se com essa idade.

    Bola na Rede: Grande guarda-redes! E que sonhos alimentavas durante a juventude? Já tinhas algum objetivo bem definido?

    Silvino: Quando comecei a jogar, o que queria era ser igual ao Vítor Damas.

    Bola na Rede: Era o teu ídolo de infância?

    Silvino: Era, era. Eu era um grande fã do Vítor. Gostava muito da forma como ele jogava. E depois também do Manuel Bento, que foi meu colega no Benfica – aliás, fui eu que substituí o Bento no Benfica, depois da lesão que ele sofreu no Mundial do México, em 1986. Ver esses guarda-redes, conhecê-los, defrontá-los e depois ainda ter sido colega do Manuel Bento no Benfica (suspiro)… para mim, isso é uma alegria enorme.

    Bola na Rede: Começas a destacar-te no Vitória de Setúbal, mas antes de chegares ao Benfica ainda passaste pelo Vitória de Guimarães e pelo Desportivo das Aves… Como é que foi sair de casa pela primeira vez? Da cidade, do clube…

    Silvino: Foram experiências muito boas. Fui para Guimarães substituir, precisamente, o Vítor Damas, que havia lá estado na época anterior e tinha saído esse ano para o Portimonense. Nessa equipa do Vitória de Guimarães jogava o [António] Jesus. E o treinador era o José Maria Pedroto – só que, pouco depois, o Pinto da Costa ganhou as eleições do FC Porto e foi buscá-lo. Para o lugar dele, vem o Manuel José. Comecei logo a ser titular, e foi no Vitória que internacional AA pela primeira vez, num jogo contra a Hungria [0-0], em 1983, no Estádio Municipal de Coimbra… O guarda-redes da Hungria era o [Béla] Katzirz, que chegou a ser guarda-redes do Sporting. Tinha quase dois metros e quando saltava batia com a biqueira da bota na barra da baliza (risos).

    Bola na Rede: Mesmo numa fase em que ainda jogavam o Damas e o Bento, quando ainda eras muito jovem, começaste a destacar-te como um dos melhores guarda-redes portugueses…

    Silvino: Sim, tive dois anos muito bons no Vitória de Guimarães. Embora nem tudo tenha sido fácil: Guimarães é uma cidade mais fria e onde chove muito. Não tem nada a ver com Setúbal, mas, pronto, adaptei-me perfeitamente. As pessoas são muito humildes, e sempre me receberam muito bem. Aliás, gostei tanto daquela região que depois de ser contratado pelo Benfica [em 1984], e como não estava a jogar, no ano seguinte pedi à direção [de Fernando Martins] para sair por empréstimo para o Desportivo das Aves…

    Bola na Rede: Deixa-me só fazer um aparte: tens um carinho muito especial pelo Desportivo das Aves. Curiosamente, tanto o “teu” Vitória de Setúbal, como o Desportivo das Aves, devem provavelmente estar a passar os piores momentos das suas histórias.

    Silvino: É verdade. Não é fácil o que se está a passar. Mas espero, e acredito, que esses clubes possam entrar outra vez na ribalta do futebol português em pouco tempo, e regressem, em breve, à primeira divisão. O futebol português precisa destas equipas, que têm prestígio. Principalmente, o Vitória de Setúbal, não é? De onde saíram grandes nomes do futebol português… mas vamos ver o que isto vai dar…

    Bola na Rede: Não deve estar a ser fácil para as gentes de Setúbal, que são tão fiéis ao “seu” Vitória…

    Silvino: Para aquelas pessoas isto é um drama. Ainda por cima, houve recentemente eleições, e parece que já há problemas outra vez, que as coisas não estão a correr bem… Mas nesse capítulo penso assim: se as pessoas foram eleitas, há que respeitar e dar tempo. Acredito que as pessoas possam dar a volta à situação e o clube possa recuperar. Como diz aquela música? ‘Despacito, despacito…’ (risos).

    Bola na Rede: Voltando ao relvado… Regressas ao Benfica depois do empréstimo de um ano ao Desportivo das Aves e logo para substituir o Manuel Bento, que tinha partido a perna no jogo de estreia de Portugal [vitória contra Inglaterra, por 1-0] no Mundial do México, em 1986. Como é que foi substituir na baliza do Benfica um guarda-redes que, já nessa altura, se já não era o melhor, era um dos três melhores guarda-redes da história do clube, juntamente com o Costa Pereira e o José Henrique?

    Silvino: Epá, não é fácil… Substituir uma pessoa como o Manuel Bento, que era um grande guarda-redes e uma pessoa muito querida pela massa associativa do Benfica. É preciso ter atenção que quando chego ao Benfica, o normal era a equipa ganhar por 4-1 ou 5-1… e, nesse tempo, as pessoas não falavam dos quatro ou cinco golos que marcávamos, mas do golo que o guarda-redes sofria. Era mesmo assim! Mas, nessa altura, já estava preparado para jogar no Benfica, sobretudo, porque ganhei uma coisa no Desportivo das Aves que não tinha até essa altura: espírito de conquista! Era o professor Neca – que hoje é adjunto do Lito Vidigal no Marítimo –, o treinador e foi ele que me incutiu esse espírito de conquista, de querer ganhar sempre mais. Eu, antes, treinava, fazia o meu trabalho, e se perdesse, olha, perdia. Para mim era igual, não aquecia, nem arrefecia. A partir daí, comecei a ganhar essa vontade de ganhar.

    Bola na Rede: E isso é fundamental para um jogador chegar ao topo?

    Silvino: Sim, sim, sem dúvida.

    Bola na Rede: E como foi entrar no balneário do Benfica, cheio de jogadores históricos?

    Silvino: Ui, não é nada fácil entrar num balneário cheio de “monstros”. Quando cheguei ao Benfica, os guarda-redes eram o Bento, que estava lesionado, o Neno e o [José Manuel] Delgado…E depois havia jogadores como Humberto Coelho, Shéu, Carlos Manuel, Diamantino, Maniche (o dinamarquês)… não é uma coisa fácil.

    Bola na Rede: E como é que foste recebido?

    Silvino: Eu já os conhecia a todos da seleção nacional. Antigamente, não havia um autocarro para a seleção AA e outro para os sub-21. Normalmente, íamos todos juntos para os treinos no mesmo autocarro para o Estádio Nacional. E, por isso, logo quando comecei a jogar nos sub-21, tive a oportunidade de conhecê-los. Por isso, já falávamos e já tínhamos uma relação muito boa. Com o João Alves, com o Pietra… portanto, quando cheguei ao Benfica bastou-me ser igual a mim próprio, ficar no meu cantinho e fazer o meu trabalho.

    Bola na Rede: E o teu primeiro treinador de guarda-redes no Benfica é logo um nome bem conhecido de todos: Eusébio da Silva Ferreira.

    Silvino: (risos) O Eusébio a treinar guarda-redes era assim: punha as bolas a jeito e “pum, pum, pum”. E nos aquecimentos dos jogos, quando via que já estavam ali umas 50 ou 100 pessoas nas bancadas atrás da baliza, só queria era meter bolas ao ângulo…Ele “pum” e eu olhava. Ele “pum” e olhava para o outro lado… Um dia ele já tinha colocado umas cinco ou seis bolas ao ângulo e então tive de lhe dizer: “Oh, Eusébio! Estás a aquecer-me ou a treinar-te a ti? Vais ter algum jogo de veteranos este fim de semana?” (risos).

    Bola na Rede: E ele, nessa altura, ainda batia bem?

    Silvino: Então, não?! O Eusébio dava-lhe com cada “coice”…

    Bola na Rede: Quanto ao treino específico de guarda-redes, era tudo muito diferente nessa altura…

    Silvino: Pois era, mas foi precisamente por essa altura, com os meus 28 anos, que tive consciência que depois da carreira como jogador queria ser treinador de guarda-redes. Era uma área onde não havia nada. Os treinadores de guarda-redes, nessa altura, eram os treinadores adjuntos que sabiam chutar bem. Um deles, por exemplo, era o Manuel José, porque rematava muito bem. Quando acabava um treino com ele, a defender remates, para um lado e para o outro, estava completamente “morto”… Depois, apanhei o Eusébio. E toda a gente sabe como é que o Eusébio rematava: bolas colocadas e em força. Sabia chutar! Portanto, naquele tempo, os “treinadores de guarda-redes” eram pessoas que sabiam chutar à baliza, e quase sempre avançados. Depois, as coisas foram melhorando e, logicamente, hoje é tudo muito diferente. Não é por acaso que, hoje, os treinadores de guarda-redes são, normalmente, antigos guarda-redes. Embora, diga-se, alguns nem sabem chutar e preferem treinar só usando as mãos.

    Bola na Rede: Falando precisamente de treinadores… Qual foi o treinador que mais te marcou ao longo da tua carreira como jogador?

    Silvino: Cada treinador com que me cruzei trouxe-me coisas boas… Podia destacar, por exemplo, o Carlos Cardoso, que foi o meu primeiro treinador nos seniores. Foi ele que me lançou no Vitória de Setúbal, quando tinha apenas 18 anos. E marcou-me por essa razão… Depois, tive também o Rui Silva no Vitória de Setúbal, o Manuel José no Vitória de Guimarães, o Jimmy Hagan no Benfica… Tive também o Pál Csernai no Benfica… epá, mas esse foi o pior treinador que eu tive…

    Bola na Rede: O Pál Csernai destacou-se, então, mas foi pela negativa…

    Silvino: (risos) Quando digo que foi o pior treinador que tive… é só uma maneira de falar… (risos)

    Bola na Rede: E mais?

    Silvino: O John Mortimore, o [Ebbe] Skovdahl, o Toni…isto tudo no Benfica. Depois, apanhei o Raúl Águas no Vitória de Setúbal – bem, eu estou a dizer quase todos (risos). E ainda encontrei o Bobby Robson no FC Porto, que tinha o José Mourinho como treinador-adjunto e o [Jozef] Mlynarczyk como treinador dos guarda-redes…

    Bola na Rede: E qual foi a melhor época da tua carreira? Aquela que não esqueces?

    Silvino: Foi sem dúvida a época de 1888/1989, pelo Benfica. Com uma equipa técnica que tinha Toni, Jesualdo Ferreira, Eusébio, Jorge Castelo. Fomos campeões e só sofri 15 golos em 38 jogos para o campeonato.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Roger Schmidt: «Eles não criaram chances»

    Roger Schmidt já reagiu ao desafio entre o Benfica...

    Florentino Luís: «Não tivemos o futebol dos últimos jogos»

    Florentino Luís já reagiu ao desafio entre o Benfica...

    Conference League: eis os resultados desta quinta-feira

    A Liga Conferência já não tem treinadores portugueses com...
    João Amaral Santos
    João Amaral Santoshttp://www.bolanarede.pt
    O João já nasceu apaixonado por desporto. Depois, veio a escrita – onde encontra o seu lugar feliz. Embora apaixonado por futebol, a natureza tosca dos seus pés cedo o convenceu a jogar ao teclado. Ex-jogador de andebol, é jornalista desde 2002 (de jornal e rádio) e adora (tentar) contar uma boa história envolvendo os verdadeiros protagonistas. Adora viajar, literatura e cinema. E anseia pelo regresso da Académica à 1.ª divisão..                                                                                                                                                 O João não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.