«Se soubesse o que sei hoje, não teria ido para o Sporting» – Entrevista BnR com Wender

    – Experiência cipriota e carreira como treinador –

    BnR: Já estavas há 10 anos no nosso país e bem acostumado à vida em Portugal e acabas por rumar ao Chipre em 2009. Como surgiu o convite para ires para lá?

    W: A oportunidade surgiu por causa da idade que tinha (34 anos), e os convites que estavam a aparecer eram de equipas da Segunda Liga ou da metade de baixo da tabela  da Primeira Liga, mas sempre com salários que não condiziam com o que tinha no meu último ano de contrato no Braga. Então pensei “Se surgir uma proposta que me permita manter o mesmo nível salarial, vou embora para fora” e aí surgiu o Ermis, uma oportunidade para conhecer um novo país e uma nova cultura, e fui feliz no Chipre. Estive quatro anos, é uma ilha agradável para se morar. A nível desportivo correu bem, sempre fui bastante competitivo e na medida do possível sempre fui profissional.

    BnR: Que tal foi a experiência no Chipre? Superou as tuas expetativas iniciais?

    W: Sim, mas depois é muito peculiar, tinham coisas que chocavam um pouco, e era quase como se estivessem a educar uma criança do tipo se jogares bem, eles pagam-te. Depois tinha outros que estavam numa má fase ou não treinavam muito bem, e faziam de propósito para não pagar. Chegavam ao balneário, reuniam contigo e mais dois atletas, pagavam a eles os dias e a ti não (risos). Mas o presidente do Ermis (Aradippou) era assim, mas felizmente dei-me bem com ele pois sempre fui um bom profissional e joguei quase sempre. O engraçado é que estive lá dois anos e recebi uma proposta do Anorthosis, só que não queriam pagar o que recebia por causa da minha idade. Disseram que era a “oportunidade de uma vida”, e disse que não ia pois tinha 36 anos e preferia ficar a ganhar bem no Ermis do que no Anorthosis (risos).

    BnR: Tens alguma história engraçada vivenciada lá?

    W: Sim tenho, recordo-me que, quando cheguei ao Chipre, os treinos eram ao final da tarde em que fazia muito calor. Depois pensava: “Nossa, tenho de esperar o dia todo em casa para ir treinar no final da tarde?” (risos). Comecei a falar “Vamos ter de mudar isto. Profissionalismo é treinar de manhã”, mas também era para tomar uma cerveja na praia à tarde (risos). Aí fizemos de tudo para mudar os treinos para a manhã, pois era melhor poder ir à praia à tarde e jogar um futevólei.

    BnR: A carreira terminou em 2013 ao serviço do Aris Limassol. Foi difícil para ti tomar a decisão de pendurar as botas? E como foi esse último ano como jogador?

    W: Não foi, no ano anterior é que foi mais difícil. Eu vim para Portugal apalavrado com o (Ethnikos) Achnas, pois estive duas épocas no Ermis e ia iniciar o terceiro, mas aconteceu algo que nunca tinha visto antes: o presidente mudou de clube (risos).

    BnR: A sério? (risos).

    W: Sim, o presidente mudou de clube e era o que me pagava (risos). Porque é que ele mudou? O Ermis era de Pafou, que era uma vilazinha de Larnaca e lá havia também outro clube, o Omonia (Aradippou). O Ermis era de um partido político e o Omonia era de outro partido, e o que ele pretendia na vila era construir um estádio e juntar os dois clubes num só para os adeptos daquela vila ficarem a torcer apenas por um clube. Só que as outras pessoas não quiseram por questões políticas, e então ele decidiu sair do Ermis. Ao sair do clube, ele diz-me “Ó Wender, eu vou sair do Ermis, mas vou ajudar um amigo meu no Achnas e vens comigo.”, ao que perguntei: “Presidente, como é que vou consigo se tenho contrato com o Ermis?”. “Não, não, olha que eles não têm dinheiro para te pagar sem mim. Fica descansado que vou ser eu a pagar o teu contrato”. Lá fui eu e mais dois jogadores para o Achnas com o presidente, pois era ele quem pagava (risos). Eu gostava do Ermis, até cheguei a falar com os diretores para continuar, só que queriam que reduzisse o salário em 50%, mas optei por ir com o presidente Lucas Fanieros – entretanto já regressou ao Ermis -, pois não iam ter dinheiro para manter o meu salário. Joguei no Achnas, fui o melhor marcador da equipa já com 37 anos e no final da época chamaram-me para conversar e disseram: “O Lucas vai sair, nós não vamos conseguir pagar o que recebias, mas podemos dar-te 60% do valor”, ao que respondi “Tudo bem, eu aceito, vou para Portugal de férias e regresso”. Fiz isso, pois conhecia um diretor do clube e acreditei. Quando venho de férias, passado um tempo, pedi para me enviarem a passagem de regresso ao Chipre, mas depois dizem-me que ocorreu um problema em termos financeiros e já não podiam pagar o que tinha ficado acordado. A minha reação foi “Estão a brincar comigo. Saí daí e estava tudo certo, e agora querem-me fazer isso? Então não volto.”. Não voltei porque não tinha o contrato assinado, e estava em casa já a pensar em pendurar as botas, até que, na última semana de Agosto, surgiu uma proposta para ir para o Aris (Limassol). Era um diretor que tinha jogado comigo no Ermis, convidou-me para jogar no clube mesmo com 38 anos e lá fui. Consegui ser o artilheiro da equipa e foi um bom ano.

    BnR: E como surge o convite para abraçar a carreira de treinador?

    W: Como contei anteriormente, eu fui para o Aris Limassol, faço uma boa época e renovo antes de regressar a Portugal de férias. Só que nessa altura, surgiu a oportunidade de ingressar no Braga para a formação. Pensei logo que possivelmente não iria aparecer uma oportunidade dessas e então aos 38 anos achei que era a hora para terminar a carreira. Liguei para as pessoas do Aris e disse que não ia voltar, devido ao aparecimento da proposta do Braga e acredito que foi a decisão mais correta.

    BnR: O começo da nova etapa na tua carreira foi como adjunto. Quais foram os maiores desafios nessa nova função?

    W: O primeiro ano foi mais a parte técnica. Tens de fazer um trabalho mais didático, a forma de bater na bola, o que pensas em cada posição, o cruzamento…algo mais técnico-individual para os jogadores. Depois, ao longo do tempo, vais evoluindo na função, pois entrei como adjunto, e aperfeiçoas as outras áreas técnica e tática e o que queres do jogo. Na minha opinião, a formação tem de ser as duas componentes bem juntas para que os miúdos melhorem aquilo que não fazem tão bem.

    BnR: Estiveste à frente da equipa B, onde é usual jogadores subirem à equipa A ou receber os atletas pouco utilizados da A. Como é que um treinador gere essas constantes mudanças?

    W: Isso é o “calcanhar de Aquiles” de uma equipa B. Gerir essas mudanças, o “entra e sai”, de repente não ter um jogador a semana toda e ele jogar no fim-de-semana ou programares o treino para aquele dia e perdes 5/6 jogadores que vão treinar à equipa principal. Uma equipa B vive à mercê da equipa principal, o que é natural e tem de ser assim. Mas havia casos em que era exagerado, porque alguns miúdos iam para fazer entre 10 a 30 minutos de treino na equipa principal, e muitas vezes não há essa compreensão na equipa A se adaptar só para não utilizar aquele jogador. Mas eles (equipa A) só estão a pensar na vitória e em ganhar, e acho que a equipa A é a que dá a estabilidade do clube todo. Agora uma coisa é certa: um treinador que passe pela equipa B está mais preparado para ter êxito.

    BnR: Na equipa B trabalhas-te com alguns atletas que atuam agora na Primeira Liga como Mamadou Loum, Trincão, Luther Singh, Ibrahima, entre outros. De que forma os ajudaste a estarem mais bem preparados para quando surgisse a oportunidade de alcançar esse patamar?

    W: São jogadores de um nível superior que já têm qualidade dentro deles. Agora naturalmente, além da parte técnica, é preciso entender a parte humana do jogador, mas também aquilo que eles podem dar ao jogo e nisso tens de saber usá-los da melhor forma para eles evoluírem e subirem de patamar. No caso do Loum, ele tinha alguma dificuldade em jogar acompanhado, pois tem muita amplitude dentro de campo, ele chega facilmente aos dois lados. Durante esse tempo, fomos verificando essas situações e depois com a própria técnica do jogador, ele acaba por evoluir e chegar por mérito próprio aonde está. O Luther Singh é um jogador irreverente, que gosta de ir para cima do adversário, e ao criares as melhores condições, em determinado momento do jogo, eles acabam por colocar em prática o que tem de melhor, o jogador acaba por evoluir ainda mais.

    BnR: Quais são os planos para o futuro, agora que o vínculo com o Sporting de Braga terminou?

    W: O vínculo com o Braga acaba no final desta época, e preferi utilizar o resto do tempo para estar mais perto da família, pois foram muitos anos a trabalhar de forma contínua desde a minha estreia em 1992 até ao ano atual e nunca tinha parado de trabalhar continuamente. Optei por parar, já que as propostas que chegaram não foram aliciantes ou credíveis para assumir um projeto do Campeonato de Portugal ou de Segunda Liga. Achei por bem parar para estudar um pouco, mas também para acompanhar mais de perto o ano do meu filho (Yan Said, atleta do Sporting de Braga) que jogou nos sub-19 e agora está na equipa principal. Vou esperar, devo assumir um projeto na próxima época e espero que isso aconteça. Há já alguns contactos e acredito que as coisas vão fluir da melhor forma.

     

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    Guilherme Costa
    Guilherme Costahttp://www.bolanarede.pt
    O Guilherme é licenciado em Gestão. É um amante de qualquer modalidade desportiva, embora seja o futebol que o faz vibrar mais intensamente. Gosta bastante de rir e de fazer rir as pessoas que o rodeiam, daí acompanhar com bastante regularidade tudo o que envolve o humor.                                                                                                                                                 O Guilherme escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.