«Tinha tudo acertado com o Sporting CP, mas o Costinha foi despedido e o negócio caiu» – Entrevista BnR com Matheus

    – Da final da Liga Europa ao fim precoce do Dnipro –

    «Assinámos um acordo para o clube pagar as dívidas aos jogadores. Dois anos depois, ninguém recebeu e o Dnipro acabou»

    BnR: Como ficou a posição do Juande Ramos, ao ter um jogador caro que não jogava? Como é que te aceitou de volta?

    M: Olha, lembraste de dizer que quando vejo que não estou errado, respondo? Ficou um ambiente ruim e só o Muñiz, que era o adjunto dele, é que ajudava o nosso diálogo, porque era uma pessoa espetacular, diferente e, para mim, ele é que era o treinador. A história foi muito bizarra: íamos jogar para a meia-final da Taça da Ucrânia e, na palestra, o Juande Ramos virou-se para mim e disse: «se soubesse que eras assim, nunca te tinha contratado. Há muitos jogadores melhores que tu». Olhei para ele e disse que, se eu fosse presidente, também não o contratava como treinador. Disse isto: «você é muito fraco».

    BnR: E como ficou o ambiente dentro do plantel?

    M: Ficou chato. Acabámos por perder 2-1, eu fiz o golo… Era um jogador “ruim”, mas era preciso alguém para meter a bola lá dentro. Acabou por ser o Muñiz a equilibrar as coisas, a dizer que eu não tinha percebido bem, mas a relação baixou. Depois ele foi embora porque não lhe pagavam e assumiu o Markevych, que era espetacular, sabia ouvir o jogador, era tão calmo que às vezes chateava, tinha uma equipa técnica que o ajudava bastante. Nesse período tive uma lesão nas minhas costas, parti a L5 da lombar num treino, ia para o hospital e eles não viam essa parte partida porque a medicina na Ucrânia só está a melhorar agora. Até fui para Espanha recuperar com um fisioterapeuta espanhol que trabalhou no Dnipro com o Juande Ramos e, no hospital de Valência, disseram-me que podia não jogar mais porque era uma lesão complicada, só que o fisioterapeuta disse: «esse médico só percebe de ossos, quem percebe de jogadores sou eu. Vamos tentar que em 40 dias voltes a jogar». Nesse período o Dnipro estava a jogar na Liga Europa, ia eliminando os adversários e quando eu voltei para a Ucrânia, o clube disse que eu não ia jogar porque a equipa estava bem…

    BnR: Isto por altura do jogo da meia-final contra o Napoli…

    M: Eu cheguei um mês antes e até à meia-final houve dois jogos para o campeonato ucraniano. Aí voltou o Matheus antigo, teimei e pedi para jogar esses dois jogos para ganhar ritmo. Colocaram-me num jogo da equipa B a meio da semana, depois tínhamos jogo contra o Zorya, o treinador não me queria meter e discutimos na minha casa, disse que eles não me respeitavam, e quando chegou a palestra antes do jogo, estava a titular. Depois tive outro problema com uma lesão, não cheguei a entrar no jogo em Nápoles e no segundo jogo já estava melhor, ainda joguei 20 minutos, mas na final achava que não ia jogar. Já é o hábito de não jogar as finais [risos].

    BnR: Curiosamente, essa final é o único jogo em que fazes os 90 minutos depois da lesão…

    M: Sim. Estava deitado no hotel na Polónia e eu tenho o costume de fechar a porta do quarto e não abrir para ninguém. Começaram a bater à porta e eu disse «estou a dormir, não vou abrir a ninguém». Continuei a ouvir «toc, toc, toc», a insistir, e eu disse «que teimoso! Já disse que não vou abrir!». Ouvi do outro lado, em russo, que foi a única coisa boa que aprendi nas noites de álcool: «Sou eu… Markevych». Abri a porta: «podemos conversar?». Eu disse que podia trazer o tradutor, que havia coisas que podia não perceber, mas ele disse: «Não… É entre eu e você… Se você não perceber, explico de outra forma… Como você está?». Eu disse: «A 100%». «Então amanhã… Você começa». Foi uma alegria tão grande, véio. Fiquei bastante alegre, mas também triste pelo meu colega que costumava jogar, era um menino de 18 anos. Só que aquele campo da final estava muito mau, não se conseguia jogar com chuteiras normais, tinham de ser mistas.

    BnR: Não estavas habituado a isso na Ucrânia? Campos mais complicados?

    M: Não, os campos na Ucrânia são todos bons!

    BnR: Então foi preciso chegares à final de uma competição europeia para encontrares um campo mau?

    M: Isso! Estou no mesmo hotel que o Daniel Carriço e vi-o no café, falámos e relembrámos esse jogo e ele disse «rapaz, que campo ruim aquele». Se fossem chuteiras normais, estávamos sempre a escorregar, tinhamos de usar as de alumínio e eu nunca tinha jogado com elas. Quer queira, quer não, aquilo atrapalha. Acabei por jogar, mas perdemos. Foi uma final espetacular, até aos últimos momentos, em que sofremos três golos naquilo que era o nosso forte: a marcação no meio. Todos os golos foram pelo meio, de bola parada. Ficámos tristes, mas também felizes por aquela equipa, que ninguém acreditava que pudesse chegar a uma final da Liga Europa.

    BnR: Tens mais alguma coisa para contar dessa final?

    M: Sim, a altura em que levei uma cabeçada no nariz e acabei por sair. Cheguei ao médico lá na Polónia, ele meteu um ferro no meu nariz e «tráz!» [Matheus faz o som dos ossos a voltarem ao sítio]. Depois voltei a ganhar consciência por ter partido o nariz, que até hoje não fecha a narina direita, porque sofreu um corte por dentro, abriu uma veia e pode sair sangue. Só sei que o lateral perguntou-me se estava tudo bem, eu disse «estou bem, estou bem, estou bem», mas depois comecei a sangrar e desmaiei. Acabei por ficar dois dias na Polónia, nem fui à cerimónia de entrega das medalhas nem à festa a seguir. A minha família não me conseguia contactar e ficaram todos malucos, a minha mãe, a minha esposa… E eu lá não podia falar com ninguém. Teve de ser o meu amigo, o Rogério, que foi lá ver a final que ligou a todos os meus familiares a dizer que estava no hospital. Depois aquilo acabou! No melhor período do clube…

    BnR: Consegues perceber como é que, quatro épocas depois de uma final europeia, o clube acaba?

    M: O que me contaram é que o presidente do clube gastou muito dinheiro e devia aos bancos, havia umas dívidas que ele não pagou e o prémio da Liga Europa acabou por não ir para o clube, mas para uma empresa. Lembro-me que fizemos o último jogo do campeonato e o diretor colocou um papel, como se fosse um acordo entre clube e jogador, para o clube pagar as dívidas aos jogadores nos últimos anos…

    BnR: Já não estavas a receber salários nessa altura?

    M: Não, já para aí há sete meses. Foi quase a época toda a seguir sem receber salário nenhum. Nós, os jogadores, marcámos uma reunião e o que aliviou um pouco foi um jogo em que o Dínamo [Kiev] pagou um bónus bom a nós para ganharmos ao Shakhtar, que vencemos por 4-1. Foram cerca de 30 mil euros para cada um. Aí assinámos aquele papel e, passados dois anos, não recebi nenhuma parcela… Ninguém recebeu. Nesses dois anos o clube ainda se manteve, mas depois foi acabando, a descer de divisão e agora apareceu outro, que nem falam ter ligação com o ex-presidente do Dnipro.

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    João Reis Alves
    João Reis Alveshttp://www.bolanarede.pt
    Flaviense de gema e apaixonado pelo Desportivo de Chaves - porque tem de se apoiar o clube da terra - o João é licenciado em Comunicação e Jornalismo na Universidade Lusófona e procura entrar na imprensa desportiva nacional para fazer o que todos deviam fazer: jornalismo sério, sem rodeios nem complôs, para os adeptos do futebol desfrutarem do melhor do desporto-rei.                                                                                                                                                 O João escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.