O Futebol de Raízes: Humanidade, Magia e um Futuro mais Belo

    Uma coisa importante: Portugal não está mal em termos de formação e de facto existem melhorias muito significativas – que por sinal até fazem inveja ao nosso sistema educativo formal (sobretudo o nosso ensino secundário e superior). E sim, vale trazer para aqui a educação pois convém pensar em pedagogia e na forma como em Portugal se pensa e executa a esse nível. E acima de tudo estamos a conversar sobre cultura e sociedade. Enfim, essas melhorias na formação de jovens futebolistas deve-se ao facto de que temos sabido – de uma forma ou de outra – dar passos importantes no upgrade das infraestruturas, na formação de formadores, no desenvolvimento de métodos de ensino e de treino, e também em vasta extensão no aspecto organizacional. Em suma, nem tudo é mau e de facto temos hoje uma boa base e alguns mecanismos que nos proporcionam sucesso e uma perspectiva de continuidade bastante decente. Mas também continuamos muito dependentes de um grupo restrito de clubes ditos grandes que vão alimentando o sistema, a tal tríade patriarcal onde Benfica, Sporting e Porto são pais e senhores.

    E isso pode ser um problema pois corremos do resto ser apenas paisagem e cair em esquecimento. Mas não estamos mal, na verdade encontramos recentemente um caminho que julgo certo e isso é algo importante e apenas comparável aos anos oitenta com Queiroz na Federação Portuguesa de Futebol, no tempo da Geração de Ouro. Hoje reduzimos bastante o acaso, temos processos formativos em marcha, temos métodos que nos distinguem e fomos capazes de inovar e criar elementos novos para nosso bem e prazer. E aqui encontramos a tal distinção pedagógica entre futebol e educação formal, nesta segunda parece que abandonamos os nosso jovens ao custo de um sistema sem inovação e manco face às exigências das Troikas desta vida. Ponto assente, não estamos nada mal e somos campeões em vários escalões. E isto não surge do acaso.

    Futebol de Lama Fonte: Lucas Ninno
    Futebol de Lama
    Fonte: Lucas Ninno

    Mas afinal o que podemos melhorar, repensar ou revolucionar? Julgo que existem alguns aspectos que definitivamente podemos examinar melhor e actuar sobre eles de forma crítica e construtiva. Não podemos de todo rejeitar o sentido crítico e a capacidade de nos revolucionar permanentemente e escrevo isto para bem do nosso futuro desportivo, cultural e social, se me permitem a sugestão.

    Visto isto, a primeira coisa a denotar é o facto de que a sociedade portuguesa mudou. As questões do nosso futebol são muito sociológicas, são do campo cultural, organizacional e da dimensão espaço-sociedade. Falemos portanto dos mais jovens de todos. As crianças portuguesas jogam menos futebol de rua e em contrapartida estão mais tempo inseridas em contextos controlados e com isto temos vindo a perder certas características que julgo serem distintivas no futebol português. É verdade, aquele caos e o risco das ruas, dos pátios e dos ringues de futebol de cinco eram o motor do nosso futebol. Deram-nos Eusébio, Futre, Figo… E aquele Ronaldo que se estreou no Sporting com tanto de futebol de rua, lembram-se? Os nossos jovens atletas foram movidos da rua ou do ringue para as organizações, portanto para as escolas de futebol e para os clubes.

    Os portugueses quiseram aderir à ideia de segurança e peritagem, de exercer lógica e racionalidade na actividade desportiva. E lá se abandonou a rua ou o ringue, e nos campos pelados e sintéticos lá se fizeram filas de meninos e meninas de nove anos a treinarem saídas de bola ao ritmo de treinadores que pretendem aplicar a Periodização Táctica no escalão de Benjamins. Isto quase assassinou o futebol português. Aderimos à McDonaldização do futebol para crianças: produzir atletas em serie, atletas com bons corpos e cheios de força, atletas que tinham de ser à força mestres da táctica, com fatos de treino pimpões e botas às cores mas que não tinham qualquer relação confortável com a bola.

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    Gonçalo Borges
    Gonçalo Borgeshttp://www.bolanarede.pt
    Treinador de Futebol, Sociólogo e professor assistente na University of Wisconsin-Milwaukee, Gonçalo é também adepto do SL Benfica e amante das paixões do futebol.                                                                                                                                                 O Gonçalo não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.