“No meu tempo eram os pobres que jogavam futebol, hoje é um desporto para os ricos.”
“Naqueles tempos, eu amava o meu clube de todo o coração… para os futebolistas de hoje em dia, o clube que lhes paga melhor é aquele que eles amam.”
“Entristece-me que o desporto tenha perdido o seu senso-comum.” – Predrag Pašić
Estas frases soltas descrevem bem a forma de pensar de um dos melhores futebolistas de sempre da ex-Jugoslávia, que, apesar de ter tido uma carreira bastante bem sucedida, foi após ter pendurado as botas que atingiu o seu momento mais glorioso.
Predrag Pašić nasceu em Sarajevo em 1958 e foi na verdade um futebolista de excepção. O seu espírito rebelde, de onde transbordava talento, fez de Pašić o porta estandarte de uma geração e um dos melhores jogadores de sempre a ter vestido a camisola do FK Sarajevo e da selecção da Jugoslávia. Depois de 10 anos ao serviço dos Divovi, Pašić mudou-se para o VfB Stuttgart, onde privou, entre outros, com Jürgen Klinsmann, de quem se tornou grande amigo. Pašić era um médio de ataque, que actuava muitas vezes como segundo avançado, e fez parte da memorável equipa do FK Sarajevo que na temporada de 1984-85 deixou para trás os seus grandes rivais da altura para se sagrar, contra todas as expectativas, campeã da Liga de Futebol Jugoslava.
Após cerca de três anos no futebol alemão, Pašić regressou à sua terra natal, Sarajevo, uma cidade cosmopolita sem credos nem raças e onde todos viviam em particular harmonia. O cenário quase idílico descrito por Pašić alterou-se violentamente com o sangrento conflito que eclodiu nos Balcãs em 1991. A cidade de Sarajevo viu amigos de outrora virarem costas por motivos religiosos ou étnicos e foi palco de alguns dos episódios mais sangrentos de todo o conflito. Pašić, que não poucas vezes teve oportunidade de sair do país, optou por ficar na cidade onde, como o próprio afirma, sempre quis viver e com a qual tinha uma “dívida” de gratidão. Conhecido entre os demais por aquilo que alcançou como jogador de futebol, Pašić juntou um grupo de amigos e criou, debaixo de bombas, obuses e tiros de metralhadora, uma escola de futebol para crianças, a qual viria a baptizar como Bubamara.
Numa mescla de culturas e credos como era, e ainda é, Sarajevo, Bubamara destacava-se pelo seu cariz apolítico e natureza não-discriminatória. A escola serviu de abrigo a milhares de jovens que apenas saíam de sua casa para jogar futebol no centro desportivo de Skenderija, eludindo para isso os snipers que cercavam a cidade e fugindo às bombas que caíam diariamente na capital da Bósnia.
Por essa escola que Pašić criou passaram vários jogadores bósnios da actualidade, entre eles o incontornável Edin Dzeko, que sofreu de perto as agruras da guerra mas que o projecto Bubamara ajudou a fazer crescer.
Bubamara, que traduzido à letra significa Joaninha, sobreviveu à guerra e continuou a ser um farol de optimismo num país que tem, aos poucos, sido tolhido pela intolerância étnica, religiosa e cultural, herdados das reminiscências de um conflito sangrento que ceifou a vida a largos milhares de pessoas. Bubamara não pôs fim à guerra mas serviu para proporcionar horas de dignidade e alegria às milhares de crianças que por lá passaram, e tudo isto aconteceu graças à perseverança de um homem, Predrag Pašić, que apenas me recordo de ver jogar através de velhas cassetes VHS mas que ocupa um lugar de destaque no top de jogadores que mais admiro e pelo qual tenho o mais profundo respeito.
Foto de Capa: www.11freunde.de