Com vista para o Marquês – parte II

    dosaliadosaodragao

    Já nem o Marquês tinha memória. Havia sido há tanto, tanto tempo. Em 1983/1984, mais precisamente. A noite de ontem foi, por isso, de história: o bi-campeonato voltou a cair para o Benfica, para uma equipa comandada, sobretudo, por dois ‘J’, de Jesus e de Jonas. A melhor, segundo a frieza dos números. E, consequentemente, e apesar de tudo, merecedora de créditos e congratulações.

    Há cerca de um ano, neste mesmo espaço, deparei-me com a necessidade de aprender a (com)viver com a festa no Marquês. Apresentei os parabéns ao Benfica e sublinhei a falta de comparência ao Campeonato por parte do FC Porto, que facilitou sobremaneira a tarefa benfiquista. Com a chegada de 2014/2015, imaginei que poderia ser diferente. Um ano volvido, duas notícias, uma boa e outra má: a positiva é que o FC Porto não voltou a cometer os erros que levaram à hecatombe de 2013/2014; a má noticia é que cometeu outros, que lhe custaram tantos pontos quanto o resgate do título. E este, na perspectiva do portista, é o verdadeiro problema.

    Os elogios à equipa da Luz serão veiculados e propagandeados, nos próximos dias e semanas, pela imensa nação vermelha. De forma natural e justa. E sendo o momento do festejo e do lançamento eufórico da mais electrizante tocha vermelha, simultaneamente, do lado do Dragão é, urgentemente, tempo de reflexão.

    No ano transacto «a verdadeira novidade desta época foi a falta de comparência do FC Porto. Foram os equívocos na construção do plantel, foi o tremendo erro de casting em que se tornou Paulo Fonseca, foi, enfim, a banalidade na qualidade de jogo do Dragão que tornou o campeonato, a partir de um dado momento, num calmo e tranquilo passeio para o Benfica.». Este época não aconteceu nada disso. O FC Porto reforçou-se muito e quase sempre bem – Indi, Marcano, Casemiro, Brahimi, Óliver e Tello (já para não falar em Evandro, Ruben Neves ou Aboubakar) vieram acrescentar qualidade ao plantel. Em teoria, claro. Mas quem foi acompanhando o FC Porto ao longo da época foi percebendo que os deslizes poderiam sempre acontecer. Muito dessa iminência foi resultando de um claro descomprometimento, desconcentração, desconhecimento, falta de identificação em relação ao que é o FC Porto por parte de muitos dos novos elementos – algo potenciado pelo facto de terem sido 15 os reforços, um número tão necessário quanto exagerado e que dificultou a imperiosa adaptação a um clube que já não tem hoje, à porta do balneário, verdadeiros bagageiros da mística portista.

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    Óliver Torres. A par de Jackson, o melhor dragão em 2014/2015.
    Fonte: Página de Facebook do FC Porto

    No final de 2013/2014 pedia que se mostrasse «aos meninos colombianos, brasileiros, mexicanos e de todas as outras nacionalidades possíveis e imaginárias que aterrarão no Sá Carneiro e seguirão para o Dragão que jogar no Porto terá sempre de ser um privilégio. Exibam-lhes o BI deste clube e dêem-lhes a beber o ‘Ser Porto’». Mesmo descontando que hoje já não há, no tal balneário, Fernando Gomes, João Pinto, Jaime Magalhães, André, Jorge Costa, Vítor Báia, ou até Deco e Lucho, a alguém deveria ter incumbido esta missão. E essa, por mais abstracta que até possa parecer e/ou ser, não foi concretizada. A forma como o FC Porto entregou o Campeonato que o Benfica, per si, não estava a conseguir fechar é paradigmática. Paradigmática do tipo de jogadores que, envergando o manto azul-e-branco, parecem, não raras vezes, ter noção nenhuma do que é carregar consigo o nome de uma cidade orgulhosa de si mesmo. Em Belém repetiu-se muito daquilo que já se tinha visto na Choupana, diante do Nacional (empate duas horas depois de o Benfica ter perdido em Vila do Conde), no Estoril (empate logrado por Óliver no último minuto), de novo na Madeira (derrota com o Marítimo, num jogo aberrante dos dragões) ou, finalmente, na Luz, no jogo que poderia decidir o título e em que o FC Porto se apresentou apático, sem rasgo e ainda traumatizado pela derrocada de Munique, na Liga dos Campeões. Sim, a Champions é o desejo supremo e jamais condenarei os jogadores que ambicionam superar-se nessa competição, decretando o seu nome na galeria dos imortais. Mas isso não pode, em tempo algum, fazê-los olvidar do objectivo real, como que desrespeitando e menorizando o campeonato interno. Porque o FC Porto antes de se tornar a maior potência portuguesa lá fora, solidificou-se cá dentro.

    Uma equipa que agarra a liderança à 5ª jornada para não mais a deixar tem de ter mérito. E, por isso, o Benfica tem mérito – mesmo que, em determinados momentos, o que hoje se estampa nos cachecóis vermelhos (quase como se fosse o nome do clube), em forma de sacrifício expiatório, tenha amparado. Mas o FC Porto, para seu bem, não se pode agarrar a isso. É incomparavelmente mais importante que a SAD portista olhe para dentro e repense o modelo em que se baseou, agora que se vive o primeiro momento, em muitos anos, de ameaça à hegemonia portista. Ou até já de um certo ascendente vermelho, concedo.

    O discurso de contestação às arbitragens fez sentido num certo timing mas não é isso que, agora, vai trazer de volta os dois últimos anos cheios de nada. Urge pensar se a aposta numa pilha de jogadores estrangeiros cheios de qualidade mas completamente desenraizados nesta altura de carência de símbolos portistas é para repetir; exige o tempo que se reflicta se certos empréstimos em determinados moldes são aposta a seguir; é ainda imperativo perceber se Lopetegui, não obstante todo o desgaste (mas coisas boas que também trouxe), é um nome confiável para futuro.

    Sobre todos estes tópicos, há perspectivas e palpites diversos. Também os tenho – e a eles voltarei em breve, a começar por Lopetegui (que é bem mais do que o que têm feito dele). De todo o modo, o FC Porto e a estrutura portista sempre se moveram sobre uma cultura de exigência, sendo que hoje, mais do que nunca, tem de ser esse o valor máximo que, como em tempo idos, volte a presidir à política da SAD para o ataque à próxima época. Para que as noites vermelhas no Marquês (ou noutro qualquer ponto) não se repitam. Ou, pelo menos, para que os fracassos como o de ontem em Belém terminem com os corpos azuis-e-brancos estendidos no terreno, sufocados pela dor de não terem sido melhores – e não pela inépcia de não quererem ter sido melhores. Tem feito falta ao Porto ser Porto.

    Foto de capa: Página de Facebook do Sport Lisboa e Benfica

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