Dani Alves e o exemplo de um golo-biópsia

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    Na noite seguinte à final da Coppa Italia, adormeci a pensar no 1º golo da Juventus, que deu início à caminhada triunfal (2-0 à Lazio) da equipa de Massimiliano Allegri rumo à terceira taça consecutiva.

    Os golos são sempre obra de uma equipa, sejam eles remates a distâncias longas da baliza, sejam construções buriladas com passes curtos até ao remate, que não seria mais que o passe final.

    O primeiro golo da ‘Vecchia Signora’ gerou em mim uma epifania. Os golos também têm este fator especial: são metáforas de ciclos, de épocas, de uma determinada maneira de chegar ao sucesso dentro das quatro linhas, ou até, porque não dizê-lo, da vida. Se me permite o leitor a imagem, gostaria de lhe chamar biópsia, assim em linguagem mais física.

    Recorrendo ao microscópio futebolístico, é fácil detetar no golo inaugural da final em Roma uma matéria orgânica, a falar brasileiro, dentro do organismo ‘bianconero’. Alex Sandro, na esquerda, conduz a bola em profundidade, e cruza bem à sua maneira, não sabe cruzar mal este ala esquerdo. Dentro da área o homem do golo é o colega do outro lado vertical do campo, e já agora, compatriota, Dani Alves, que finaliza com a parte de dentro do pé, num remate cruzado, que acabou mesmo junto do poste contrário.

    Nesse momento recorri a um gesto natural, instintivo, o de agitar uma das mãos em exaltadora aprovação. Não querendo menosprezar a qualidade e o cruzamento do ex-lateral do FC Porto, Dani Alves, aos 34 anos, está melhor que nunca!

    A jogada até começou nos centrais no início da construção. Barzagli atrasa para Neto que chuta longo para o meio-campo, Marchisio ganha a segunda bola, solicita Alex Sandro na esquerda e é o 23 nas costas a entrar na área a partir da ala sempre livre num sistema de três centrais. No momento do cruzamento, Mandzukic e Higuaín, os homens-golo estão ambos fora da área, em apoio, só Dani Alves está dentro, completamente solto.

     

    Os obreiros da obra de arte inaugural. Alex Sandro (esquerda) e Dani Alves (direita) Fonte:  Goal.com
    Os obreiros da obra de arte inaugural- Alex Sandro (esq) e Dani Alves (dir)
    Fonte: Goal.com

    Repassou-me instintivamente pela cabeça o Barça de 2011/12 em que Guardiola, numa equipa que já havia ganho tudo, alterou o sistema de jogo como agitador motivacional: era o 3x4x3, o tal do ‘dream team’. O lateral brasileiro, aí, beneficiava de uma liberdade ofensiva que o fazia sentir-se como peixe dentro de água, aliás, mesmo com uma linha de 4, o técnico catalão sempre procurou o melhor contexto tático para Dani Alves jogar subido e profundo.

    Eis que na Juventus o internacional brasileiro vê-se a jogar com três centrais atrás numa linha de 5 que facilita a sua permanente profundidade e chegada em diagonal a zona de finalização. Tem metros e metros para percorrer ao longo do jogo, por dentro e por fora, e ainda aparece a finalizar. Missão hercúlea para os blocos defensivos contrários enfrentar.

    Cinco golos são o corolário de tentos do craque brasileiro nesta época, que conta também com incontáveis assistências, num jogador que participa muito no processo ofensivo mas que não defende mal, não perde intensidade ou entrega defensiva. É, mais do que experiente, inteligente. Dentro da área, finalizou gloriosamente esta temporada quer de cabeça, pé esquerdo e, na final da Coppa Italia, pé direito, adicionando mais dois golos fora da área, outro ponto forte deste astro, a meia distância. Ele tem mesmo pontos fracos?

    O futebol italiano e o sistema de 3x5x2, na sua conceção, pode também pedir mais da leitura individual do jogador que, com 33 títulos na carreira, é um dos futebolistas mais titulados do mundo.

    Isto tudo para dizer o quê? Este texto não serve para analisar a Juventus versão 16/17, isso só depois da época acabar e de se verificar se o triplete foi alcançado. Mas deixo apenas uma pequenina nota em defesa das críticas a uma defensiva Juventus: o segundo golo foi marcado por Bonucci, outro defesa, mas os avançados tiveram ao dispor várias ocasiões numa equipa completa a criar situações ofensivas e a defender, quer mais à frente quer mais atrás. Mais que o ser-se ofensivo ou defensivo, é o equilíbrio e completude nos diferentes momentos do jogo que fazem esta formação transalpina tão forte e consistente.

    O artigo que termina neste parágrafo procura apenas e só mostrar que os golos não são incidências dos jogos. São formas de os explicar. E os golos-biópsia como este são tecidos de um organismo coletivo que falam de tudo e de todos, de quem o marcou, de quem o assistiu, da equipa que construiu, do treinador que treinou, do trajeto da época….enfim…fala da vida de todos nós! Acredito que a forma como se parte da baliza que se defende para a que se ataca são 11 diferentes caminhos para a felicidade. O sentido da vida dentro do jogo é o golo. Contra a Lazio, na final da Coppa Italia, Dani Alves foi mais uma vez feliz pelo sentido que deu à equipa.

    Foto de Capa: La Presse

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    Rúben Tavares
    Rúben Tavareshttp://www.bolanarede.pt
    O futebol foi a primeira paixão da infância, no seu estado mais selvagem e pueril. Paixão desnuda. Hoje não deixou de ser paixão, mas é mais madura, aliada a outras paixões de outras idades: a literatura, as ciências sociais, as ciências humanas.                                                                                                                                                 O Rúben escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.