É possível ganhar a guerra sem o melhor soldado e a melhor arma?

    eternamocidade

    O sentimento é diferente. O entusiasmo do público em nada se compara ao que se vê nos jogos do campeonato. O ambiente no estádio contagia adeptos e jogadores. Quando começa o hino, todos se levantam, com um orgulhoso cachecol que pretende mostrar à Europa do futebol que o clube muito fez para merecer estar ali. Entre as oito melhores do velho continente.

    Assim se pode descrever a Liga dos Campeões, sem dúvida a melhor e mais entusiasmante competição a nível de clubes. Com os melhores clubes e os melhores jogadores presentes, quem quer ser bem sucedido tem de estar ao seu melhor nível, trazer o seu melhor fato para aquelas noites europeias que acabam sempre por ficar marcadas na memória. Nesta época, tudo isto tem feito parte do quotidiano portista. Sem meias medidas, a equipa entrou para a temporada sem bilhete para a Champions. Em virtude do que aconteceu na época passada, passar pelo Lille era essencial para se conseguir estar na fase de grupos. De forma natural, duas vitórias deram o mote para um percurso que tem sido intocável. Dez jogos, com sete vitórias e três empates, que deixam o FC Porto como a única equipa sem derrotas na competição e com o segundo melhor ataque da prova, apenas ultrapassado pelo… Bayern de Munique. Fazer uma retrospetiva do percurso europeu da equipa de Lopetegui esta época é obrigatoriamente um exercício que nos deixa com um enorme orgulho, bastando para isso recordar as exibições de luxo feitas na Ucrânia, em Bilbau ou no Dragão, frente ao Basileia de Paulo Sousa.

    Bem sei que Lille, Shakthar, Atl. Bilbau, BATE Borisov e Basileia não são a nata do futebol europeu e, por isso, o destino que se exigia a um plantel e a uma equipa como a do FC Porto era a de estar presente nos quartos de final da Liga dos Campeões. Ao contrário do que aconteceu em várias ocasiões no campeonato, em que a equipa deu de mão beijada pontos que lhe dariam uma liderança natural por esta altura, na Champions tudo tem sido diferente. Sem receios táticos e sem distrações absurdas, Lopetegui colocou os jogadores a atuarem como verdadeiros veteranos nesta competição.

    Estando entre as oito melhores equipas do velho continente, o FC Porto sabia, antes do sorteio dos quartos de final, que, com exceção do Mónaco, toda e qualquer luta em que entrasse na eliminatória seguinte seria uma batalha que só com muito rigor e sofrimento poderia ser superada. E, bom, calhou-nos o Bayern: por esta altura seria difícil pensar em adversário pior para se defrontar. É certo que o Barça tem Neymar, Suárez e Messi; o Real Madrid tem Bale, Ronaldo e Benzema; mas o que distingue este Bayern de todos os outros é o poder coletivo que a equipa demonstra. Liderado pelo melhor treinador do mundo, a equipa posiciona-se em campo como uma verdadeira orquestra. Dando autêntica liberdade tática aos jogadores, Guardiola faz do seu Bayern uma verdadeira casa de máquinas de futebol atrativo, de posse e de controlo, que sufoca os adversários, obrigando-os a jogar em bloco baixo, sem qualquer poder de reação.

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    “Ilusão e ambição” – as palavras de Lopetegui antevendo o confronto diante do Bayern
    Fonte: Página de Facebook do FC Porto

    Olhar para este Bayern – para além de jogadores como Robben, Ribéry, Lewandowski, Xabi Alonso, Schweinsteiger, Gotze, Alaba ou Thiago Alcântara – é perceber que existe uma ideia de jogo, trazida por Guardiola de Barcelona para Munique, demonstrando que os jogadores fazem o modelo de jogo mas que o modelo também transforma os jogadores. Sucintamente, é isso que faz do gigante alemão uma das equipas mais temidas da Europa: quem entra numa batalha contra o Bayern, sabe que na maior parte do tempo terá de se sentir desconfortável em campo. Taticamente falando, qualquer adversário que defronte o Bayern sabe que jogar sem bola e aproveitar os seus momentos de jogo são as duas premissas essenciais para derrubar uma equipa cujos pontos fracos são difíceis de apontar. Não existindo nenhuma equipa invencível, obviamente que estes tais pontos fracos existem, sendo que no caso dos alemães isso não é diferente. De qualquer forma, o estilo de posse projetado por Pep faz com que a equipa se una num bloco alto, com os setores interligados entre si numa pressão asfixiante. Jogando como equipa grande, o Bayern nunca se atemoriza e procura sempre controlar todos os momentos.

    Por contraditório que isso que possa parecer, penso que este domínio tão absoluto do Bayern durante 362 ou 363 dias do ano faz com que a equipa alemã não tenha a flexibilidade tática para perceber que há adversários que têm poder para contrariar o seu jogo. Não são muitas essas equipas, mas o caso do Real Madrid, nas meias finais da Champions da época passada, é exemplo suficiente para se perceber quão possível é travar este Bayern. Acredito que, na mente da esmagadora maioria dos adeptos do futebol, a eliminatória contra a equipa bávara é uma mera formalidade. A diferença de armas e de poder é tão gritante que qualquer resultado que não o apuramento do Bayern para as meias finais será um desfecho tão ou mais surpreendente do que o título espanhol conquistado pelo Atlético de Madrid na época passada.

    Ainda assim, e não foi por acaso que o quis demonstrar, o Bayern tem falhas e pontos que podem ser aproveitados. A eliminatória com o Real Madrid, a Supertaça frente ao B. Dortmund e os jogos da Bundesliga frente a Wolfsburgo e B. Monchengladbach são exemplos que Lopetegui deve compreender. Taticamente, o Bayern é o pior adversário que poderia ter calhado ao FC Porto. Sendo o modelo de jogo do treinador espanhol sustentado na ideia criada por Guardiola em Barcelona, é fácil perceber que, na próxima quarta feira, no Estádio do Dragão, estarão duas equipas à procura da mesma coisa: a bola.

    Olhando para o Bayern de Munique, creio que, em termos estratégicos, uma obsessão do FC Porto pela bola nesta eliminatória será a pior coisa que os portistas poderão fazer. Em termos táticos, creio que a única hipótese que pode levar a equipa ao sucesso passa pelo controlo daquilo que é mais importante do que a bola: os espaços. Mais do que querer ser dominador em posse, Lopetegui terá que perceber que, para se derrotar o Bayern, a inteligência mental será o fator determinante. Por isso, saber recuar o bloco e não desposicionar a equipa taticamente – projetando-a para o momento ofensivo através da procura dos melhores espaços na defensiva alemã – será, a meu ver, a chave de que o FC Porto precisa para arrombar o Bayern.

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    O FC Porto é a única equipa que ainda não perdeu na atual edição da Champions
    Fonte: Página de Facebook do FC Porto

    Bem sei que dizer é mais fácil do que fazer e que, em largos momentos do jogo, o Bayern vai empurrar o FC Porto para espaços de que a equipa não gosta, obrigando-a a praticar um estilo de jogo de que não é o seu. Realisticamente, creio que é aí que reside o maior desafio de Lopetegui: com uma equipa tão jovem e que está tão habituada a dominar os jogos dentro de portas, como será possível transformar o modelo e fazer deste FC Porto uma equipa taticamente solidária entre setores? Sem Tello – jogador que seria fundamental para aproveitar as transições – e possivelmente sem Jackson – elemento fundamental no arrastar de marcações e nos desequilíbrios na defensiva alemã -, facilmente se chega à conclusão de que a tarefa portista é hercúlea.

    É verdade que Alaba, Robben e Ribery serão provavelmente baixas nos bávaros, mas creio que a não presença de Tello e Jackson Martinez serão, à luz da estratégia que Lopetegui teria em mente, muito mais difíceis de colmatar. E isto porque, na máxima força e com uma estratégia adequada, a tarefa portista seria muito mais exequível. Assim, sem o melhor soldado e sem a melhor arma para o contra ataque, serão precisas outras ideias, outras formas para procurar desafiar todas as probabilidades e acreditar, tal como em 1987 no Prater, em Viena, que ainda é possível ao David derrubar o Golias.

    Quarta feira, pelas 19h45, lá estarei com os 50 mil que esgotarão o Dragão: com confiança de que é possível chegar mais longe, com esperança de voltar a ver a equipa a trazer o seu melhor fato para a melhor competição. Com esse sentimento diferente, do ambiente contagiante, com o hino que nos prende e com a ansiedade que nos preenche. Assim se descreve a Champions. Agora, só resta ao FC Porto continuar a honrá-la. Eu acredito que é possível.

     

    P.S. – O SL Benfica lançou uma campanha nas redes sociais a que deu o nome “colinho”, cujo objetivo é chamar mais famílias aos jogos no Estádio da Luz. No anúncio publicitário, que corre já nas rádios nacionais e que começa a inundar as redes sociais, é percetível que o clube benfiquista procura gozar com Julen Lopetegui, que tem, não raras vezes, alertado para o facto de o Benfica ter sido esta época não raras vezes beneficiado no campeonato.

    Mais do que voltar a afirmar o que é óbvio – que o Benfica foi ajudado em algumas partidas, dando-lhe pontos que justificam em parte a sua vantagem pontual no campeonato -, creio que este vídeo deveria ser um argumento para a estrutura portista refletir. Numa fase tão decisiva da época, com campeonato e Champions a serem decididos, acho que a estrutura dos dragões, de dirigentes a jogadores, devia olhar para este vídeo e pensar no que quer para o resto da época. Querendo acreditar que o FC Porto ainda é o clube que sempre foi, espero que este vídeo provocador chegue aos jogadores. E depois, claro, como sempre acontece no futebol, que a resposta a este vídeo e ao campeonato da mentira seja dada em campo. Nunca com vingança, mas sempre com a responsabilidade de uma camisola como a do FC Porto.

    Foto de capa: Futebol Clube do Porto

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    Pedro Maia
    Pedro Maiahttp://www.bolanarede.pt
    Apaixonado pelo desporto desde sempre, o futebol é uma das principais paixões do Pedro. O futebol português é uma das temáticas que mais gosta de abordar, procurando sempre analisar os jogos e as equipas com o maior detalhe.                                                                                                                                                 O Pedro não escreve ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.