Jumbo-Visma: A equipa que não aceitou a morte e chegou ao topo do ciclismo mundial

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    A Jumbo-Visma fez história, em 2023! A equipa neerlandesa dominou completamente a Volta à Espanha, conquistando cinco etapas, a camisola vermelha e os três lugares do pódio. Foi uma confirmação assertiva do pleno nas Grandes Voltas, depois de conquistar o Giro com Primoz Roglic e o Tour com Jonas Vingegaard, um feito que nunca fora alcançado por qualquer outra formação na história do ciclismo.

    Desta forma, e tendo em conta que a equipa só conquistou a Volta à França pela primeira vez em 2022, não é exagero dizer que a equipa atravessa o melhor momento da sua história, com um domínio verdadeiramente ímpar. A Jumbo não é apenas uma equipa de corridas por etapas. O Campeonato da Europa foi uma prova disso, com Christophe Laporte, Wout Van Aert e Olav Kooij a preencherem o pódio. Três homens com uma ponta final fenomenal, sendo que Olav Kooij é uma das maiores perspetivas do sprint, a nível mundial, tendo renovado pelas “Abelhas” até 2025.

    A Jumbo-Visma tem um domínio versátil, aperfeiçoado a Grandes Voltas, como se viu na Vuelta, e a corridas por etapas, mas mais talhadas para sprinters e “puncheurs”, como se viu na Volta à Grã Bretanha, onde a Jumbo conquistou as cinco primeiras etapas, com a combinação de Van Aert e Kooij a valer quatro etapas para o neerlandês e uma etapa mais a classificação geral para o belga.

    É nas clássicas, em particular nas das Ardenas, que a equipa tem mais dificuldade em afirmar-se. Nas corridas de pavê, a presença de Tadej Pogacar e da Alpecin-Deceuninck, equipa de Mathieu Van der Poel e Jasper Philipsen, dois ciclistas extremamente completos e dos melhores do Mundo.

    Nas Ardenas, a única arma verdadeiramente capaz de competir com Remco Evenepoel e sobretudo com Tadej Pogacar é Primoz Roglic, que já conquistou a Liége-Bastogne-Liége, mas que se tem vindo a focar cada vez mais em ganhar Grandes Voltas, pelo que este ano apenas irá correr a Volta à Lombardia, no que a monumentos diz respeito.

    Jonas Vingegaard teria potencial para esse tipo de corridas, mas tendo em conta o sucesso da preparação cuidada que o dinamarquês assumiu este ano e que implicou não realizar qualquer corrida de um dia, é difícil acreditar que isso venha a mudar, sobretudo na Primavera.

    No contrarrelógio, a Jumbo apresenta uma panóplia de soluções para além de Van Aert, Roglic e Vingegaard. Tobias Foss, Edoardo Affini, Wilco Kelderman, Rohan Dennis e Jos Van Emden também fazem parte dos quadros desta equipa, ainda que os dois últimos acabem a carreira no fim deste ano e a forma de Foss em 2023 seja claramente inferior à de 2022 (mas ainda consideravelmente boa).

    Uma pessoa não deve ser censurada por se esquecer que ciclistas como Steven Kruijswijk, Robert Gesink e Dylan Van Baarle correm na Jumbo, assim como Sam Oomen e Tosh Van der Sande.

    A Jumbo-Visma também tem a renovação num excelente caminho. E porquê? Porque tem uma das melhores equipas de desenvolvimento do Mundo que corre em provas sub-23 e no escalão continental, assim como um orçamento substancial que permite à equipa atrair alguns dos melhores talentos de sub-23 e até dos juniores.

    Johannes Staune-Mittet é, talvez, a maior promessa desta equipa de desenvolvimento. Vencedor do Giro d’Italia de sub-23 e segundo no Tour de l’Avenir de 2022, não é descabido pensar que o norueguês de 21 anos é a próxima estrela de grandes voltas a destacar-se nesta equipa.

     Nomes como Thomas Gloag e Ben Tullet, o último dos quais, está de saída da INEOS e com uma vitória na classificação geral da Volta à Noruega, são também para manter no radar, assim como Per Strand Hagenes norueguês de 20 anos, que venceu o Paris-Tour de sub-23 no ano passado, Ronde van Drenthe do presente ano e ainda uma etapa da edição mais recente dos 4 Dias de Dunquerque.

    Hagenes parece, portanto, um talento com grande futuro, sobretudo nas clássicas, mas será interessante ver que ambições irá perseguir este corredor completo.

    Assim, ao fim de quase 40 anos de existência (assinalar-se-ão em 2024), a Jumbo-Visma parece estar sólida no lugar de melhor equipa do Mundo, apenas ameaçada pela UAE Team Emirates, equipa de Tadej Pogacar, João Almeida e Juan Ayuso, uma formação com o melhor scouting de ciclistas jovens no Mundo e um orçamento ainda maior do que a Jumbo. Para o ano, a Emirates contará com ciclistas como António Morgado, Jan Christian e, possivelmente, Isaac del Toro, o primeiro mexicano de sempre a ganhar o Tour de l’Avenir.

    Outra ameaça ao domínio da Jumbo-Visma é o cessar do patrocínio da cadeia de supermercados dos Países Baixos, a Jumbo, que deverá recuar nos patrocínios desportivos, a partir de 2025. Como tal, e tendo a estrutura rejeitado uma proposta de patrocínio vinda da Arábia Saudita, a continuidade da estrutura está em risco.

    Mas esta equipa que apenas ganhou o seu primeiro Tour em 2022, já passou por períodos muito mais atribulados com escândalos de doping e diversas mudanças de patrocinador.

    A GÉNESE DO PROJETO

    O ano era 1984, Jan Raas, ciclista neerlandês conhecido pela performance nas clássicas, saía com estrondo da TI-Raleigh, formação dos Países Baixos que ganhou lugar na história do ciclismo com o seu domínio na década de 70 e no início dos anos 80. A tensão entre Raas e Peter Post (gestor da equipa) foi o catalisador por trás do fim desta relação que criou uma divisão profunda dentro da Raleigh.

    Jan Raas levava consigo um agente com muitos contactos dentro da TI Raleigh, pelo que o Neerlandês de 31 anos levava 7 ciclistas da Raleigh para a Kwantum – Decosol. Já Peter Post ficava com a recém-nomeada Panasonic-Raleigh (acabou em 1992). A Kwantum não tardou a ser bem sucedida, conquistando etapas no Tour de France e na Volta à Bélgica logo no primeiro ano de existência, que também seria o último ano de Jan Raas como ciclista profissional. Em 1985, Joop Zoetmelk conquistava o Campeonato do Mundo e levava a camisola arco-íris para o projeto que mudava de nome pela primeira vez: a Kwantum – Decosol passava a ser a Superconfex – Kwantum – Yoko – Colnago.

    As conquistas continuavam com vitórias na classificação por pontos do Tour de France com Jean Claude Van Poppel e ainda a Amstel Gold Race com Zoetmelk. Contudo, este último acabava a carreira e Van Poppel rumava à Panasonic. A Superconfex ganhava menos, mas o ênfase está na palavra “menos”, uma vez que ainda ganhavam cerca de 30 corridas num ano.

    Era uma equipa á imagem de Jan Raas destinada a lutar por etapas em grandes voltas e corridas de um dia, nomeadamente com Edwig Van Hooydonck. O nome ia mudando, mas a aposta da estrutura mantinha-se muito ligada aos sprinters e “puncheurs”.

    Destaque para outra camisola dos pontos no Tour, em 1995, com Djamolidine Abdoujaparov, sprinter do Uzbequistão.

    RABOBANK

    Entre 1996 e 2012, a Rabobank foi a identidade desta equipa. Tempo suficiente para que o equipamento laranja, azul e branco ficasse para a história do pelotão. A equipa contratou homens como Erick Breukink e Adrie Van der Poel (pai de Mathieu Van der Poel), Johan Bruyneel e Robbie McEwen, mantendo também a aposta em Van Hooydonck.

    Foi também um ano de revolução estrutural, com Raas a ser o principal dirigente e com nomes como Joop Zoetmelk e Theo de Rooij a ocupar o cargo de Diretores Desportivos. Uma aposta que valeu muito a pena com o primeiro ano de Rabobank a significar cerca de 40 vitórias na estrada, nomeadamente com McEwen a revelar-se uma estrela no sprint e com Michael Boogerd

    A Rabobank voltava-se também para o ciclocrosse, com Van der Poel e Richard Groenedaal a destacarem-se na modalidade (o primeiro foi mesmo campeão do Mundo). Em breve, Sven Nys também se juntaria a essa festa. Vitórias no Tour de Flandres (com Rolf Sorensen) e em etapas da Vuelta surgiram em 1997. Em 2000, a equipa neerlandesa conquistava quatro etapas no Tour de France, três das quais com Erik Dekker que ainda conquistaria a Clássica San Sebastian.

    2003 foi um novo ano de mudanças para esta equipa. Jan Raas era afastado da estrutura da Rabobank, apanhando de surpresa praticamente toda a equipa. O motivo oficial para a demissão consistiu em “divergências insuperáveis”. Até Dekker e e Boogerd, líderes da equipa foram apanhados de surpresa. Theo de Rooij substituía o líder histórico da equipa, um dos seus fundadores.

    Em 2004, a equipa ganhava uma nova confirmação no sprint, através de Óscar Freire que conquistava a sua primeira vitória em Grandes Voltas (na Vuelta) e em que o espanhol se sagrava campeão do Mundo.

    AS PRIMEIRAS APOSTAS NA GERAL

    Denis Menchov chegou à Rabobank em 2005 e nesse ano, a equipa começava a lutar pela classificação geral de corridas de três semanas, com o russo a ficar no segundo lugar da Volta à Espanha com duas vitórias de etapa, apenas batido pelo recordista Roberto Heras. Fechou top 5 no Tour de 2006, onde conquistou a 11ª etapa, com chegada a Pla-de-Beret.

    2007 foi um ano de loucos para a Rabobank. Tinha tudo para ser de ouro com a primeira vitória em corridas de três semanas, com um Michael Rasmussen estelar a parecer capaz de derrotar o jovem Alberto Contador para ganhar o Tour de France.

     Contudo, antes da etapa 17, Rasmussen foi despedido da Rabobank, com base na “violação de regras da equipa” relativamente a informações sobre a sua localização, essenciais para o controlo antidoping uma justificação que o dinamarquês viria a contestar em tribunal. Em 2013, acabou por confessar o consumo de doping entre 1998 e 2010 (não correra apenas na Rabobank, durante este período).

    “Usei EPO, hormonas do crescimento, testosterona, DHEA, insulina, IGF-1 e cortisona e fiz transfusões de sangue”, disse Rasmussen, numa conferência de imprensa.

    Contudo, 2007 seria, parcialmente, de boa memória para a Rabobank. Não foi em julho, mas em setembro que a equipa confirmou a sua primeira vitória em corridas de três semanas, com Menchov a conquistar a Vuelta, com mais de 3 minutos de vantagem para Carlos Sastre. Em 2008, a equipa começava a sofrer um corte significativo nas vitórias, com Óscar Freire a conquistar 7 dos 18 triunfos da formação dos Países Baixos. Também no ciclocrosse, a equipa perdia influência desde 2004.

    2009 mostrava que o ano anterior fora apenas um ano menos bom e a Rabobank conquistava o Giro d’Italia, em 2009, a  segunda Grande Volta para Menchov, com uma vantagem inferior a um minuto para Danilo di Luca. O russo conquistou três etapas dessa edição da Volta à Itália.

    Os escândalos de doping não se afastavam da equipa. Nesse ano de 2009, foi Thomas Dekker, uma das estrelas da equipa, a acusar positivo num controlo retroativo, que remetia para dezembro de 2008, quando o neerlandês ainda alinhava pela Rabobank.

    Em 2010, voltavam às vitórias nos Monumentos com Freire a vencer a Milan-San Remo, repetindo o triunfo de 2007 que, por coincidência, fora o último da Rabobank nas 5 grandes corridas de um dia até então. Contudo, falhavam as vitórias de etapa em Grandes Voltas pela primeira vez desde 1994. 

    Em 2010, Boogerd, Dekker e Rasmussen foram interrogados em relação ao envolvimento numa rede de produtos de doping na Áustria, alegadamente liderada por Stefan Matschiner. O caso HumanPlasma, como viria a ficar conhecido, veio ao de cima devido a uma denúncia de Bernhard Kohl, antigo ciclista que afirmou numa conferência de imprensa ter recebido por parte do treinador Matschiner, produtos como EPO, testosterona, insulina e hormonas de crescimento.

    2012 provou ser o ano de gota de água para a Rabobank quando Theo de Rooij, administrador da equipa até ao escândalo de Rasmussen (em 2007, quando apresentou a demissão), admitiu que a estrutura deixava casos de doping passar despercebidos. Carlos Barredo também enfrentaria uma suspensão devido a irregularidades no passaporte biológico.

    A 19 de outubro de 2012, a Rabobank anunciou que iria retirar o seu patrocínio ao fim de 16 anos, com o catalisador a ser a investigação à US Postal que viria a retirar as 7 Voltas à França a Lance Armstrong.

    “Já não estamos convencidos de que o mundo profissional internacional do ciclismo possa tornar este desporto limpo e justo.” Pode ler-se no comunicado oficial da equipa.

    UMA EQUIPA EM BRANCO

    Durante os primeiros 6 meses do ano, a estrutura da ex-Rabobank continuou a procurar um patrocinador para a equipa, sendo que tinha até ao fim de 2013 para o fazer. Isso não impediu a formação de continuar a conseguir vitórias, ainda que de menor dimensão. Paul Martens e Theo Bos conquistaram etapas na Volta ao Algarve, fica esse aspeto giro.

    2013 também marcou o ano em que Richard Plugge assumia o cargo de Diretor da equipa. Antigo jornalista e membro da equipa de comunicação da (equipa da) Rabobank assumia o leme da formação e definia um plano de cinco anos que foi revisto no final de cada temporada. Acima de tudo, era importante redefinir o ADN da equipa que durante anos fora uma das formações com maior orçamento do pelotão.

    “A Rabobank era uma das maiores equipas em termos de orçamento. Muitos ciclistas estavam acostumados a um certo modo de vida e a um certo salário. Não podíamos mais pagar esses salários e alguns corredores, como Robert Gesink e Steven Kruijswijk, realmente entenderam isso. A contrapartida é que alguns não o fizeram e foram embora.” Disse Plugge à Cyclist

    Vitórias na Clássica de Almeria, em etapas da Volta à Noruega, da Volta à Bélgica e da Volta à Suíça valeram um patrocínio sob a forma da Belkin, uma empresa Americana de produtos eletrónicos. A 2ª metade da época confirmou o bom nível da equipa. Bauke Mollema teve um verão fantástico, com vitórias de etapa na Volta à Suíça, uma semana no segundo lugar da geral do Tour de França, onde acabou no top 10. A equipa ainda conquistava o Müsterland Giro, na Alemanha, com Jos Van Emden e dominava completamente a Volta a Hainan, com Moreno Hofland e Theo Bos

    2014 seria um ano mais desinspirado, com o maior destaque a pender sobre a vitória de Lars Boom numa etapa do Tour de France, assim como dois top 5 de Sep Vanmarcke no Tour de Flandres e no Paris-Roubaix.

    A ASCENÇÃO DA JUMBO

    A época de 2015 marcava uma nova mudança de patrocinadores e de nome na equipa, com o nome de Lotto NL – Jumbo, marcando a chegada da cadeia de Supermercados dos Países Baixos à equipa. Uma equipa sólida com muitos top 10, fosse em monumentos ou em Grandes Voltas: Kruijswijk no Giro, Gesink no Tour e uma etapa na Vuelta com Bert-Jan Lindeman.

    Em 2016, a equipa voltou a dar indicações para a classificação geral nas corridas de três semanas. Steven Kruijswijk alcançou o 4º lugar no Giro, mas este soube a pouco uma vez que as etapas 14 e 15, a última das quais fora uma cronoescalada, permitiram ao neerlandês ganhar uma vantagem considerável no primeiro lugar da geral. Os dias passavam sem que o corredor de 28 anos perdesse tempo até que na etapa 19, a menos de 50 km para o fim, Kruijswijk caiu na descida do “Cima Coppi” dessa edição do Giro, o Colle dell’Agnello.

    Kruijswijk partiu para esse dia com cerca de 3 minutos para Esteban Chaves e acabou essa mais de um minuto do colombiano na geral, sendo também ultrapassado por Vincenzo Nibali, que nesse ano ganharia a classificação geral da corrida. O homem da Lotto-Jumbo perdia o lugar no pódio para Alejandro Valverde na penúltima etapa (curiosamente na primeira das três Grandes Voltas que o murciano fez, o último a fazer esta proeza antes de Sepp Kuss, este ano)

    Nesse Giro, a Jumbo apresentava também o público geral do ciclismo a um ciclista esloveno que estava no primeiro ano como corredor do World Tour. Aos 26 anos, fazia 2º na primeira etapa do Giro, um contrarrelógio, sendo que ia conquistar a 9ª etapa,o 2º de 3 nesta edição da Volta à Itália. O seu nome era Primoz Roglic.

    Dylan Groenewegen e Sep Vanmarcke eram os autênticos abonos desta equipa no que a vitórias diz respeito, mas o esforço de Kruijswijk saltava claramente à vista, com o Mundo do ciclismo à espera de algum nome para desafiar a hegemonia de Christopher Froome e da Sky, nas Grandes Voltas.

    2017 não foi um grande ano para a Lotto-Jumbo nas Grandes Voltas, com o grande destaque do ano a ir para a vitória de etapa no Primoz Roglic no Tour de France, uma das quais numa fuga frente a Alberto Contador, em que o esloveno deixou o espanhol para trás. Começava a notar-se uma grande evolução de Roglic, sobretudo na média montanha, com triunfos na classificação geral da Volta ao Algarve e em duas etapas da Volta ao País Basco.

    Groenewegen continuava em afirmação no sprint, vencendo na última etapa da “Grand Boucle”, nos Campos Elísios. Já Victor Campenaerts tornava-se campeão Europeu de contrarrelógio e Kruijswijk não parecia capaz de repercutir as boas indicações de luta pela geral que demonstrara no Giro de 2016. Ainda assim, a Lotto NL-Jumbo era uma equipa em ascensão, para voltar ao lugar que ocupou durante várias décadas, sendo que a nuance das Grandes Voltas começava a vir ao de cima.

    2018 ficou marcado pela continuação do desenvolvimento do “voltista” Roglic que começava a ser um caso sério. Vitórias na classificação geral da Volta ao País Basco e da Volta à Romandia valeram ao esloveno a coliderança no Tour de 2018, em conjunto com Kruijswijk. E Primoz não desiludiu.

    Claramente um nível abaixo de Froome, Tom Dumoulin e de Geraint Thomas nas primeiras duas semanas, o esloveno foi-se defendendo, pelo que o grande dia que tem na etapa 19 e uma quebra de Froome que vinha de uma vitória na geral do Giro (no qual Dumoulin fizera segundo) valeram-lhe a luta pelo pódio na penúltima etapa, um contrarrelógio. Roglic saiu para a estrada em 3º com a possibilidade de subir a 2º, mas acabou por ficar aquém e perder o lugar para Froome, que quase ganhou a etapa, contrariando a tendência de quebra que demonstrara ao longo dessa terceira semana.

    4º lugar fantástico para Roglic, mas ficava uma certa ideia de fraqueza do esloveno em contrarrelógios na terceira semana das Grandes Voltas.

    CHEGA A JUMBO-VISMA, CHEGAM AS GRANDES VOLTAS

    2019 chega e a equipa ganha a designação mais recente: Jumbo-Visma, passando a ser copatrocinada pela Visma, grupo empresarial norueguês que trabalha na área das tecnologias de informação. Desta forma, a equipa via o seu orçamento reforçado. Além disso, já se notava que o chip da Rabobank desaparecera em prol de um espírito de equipa forte e de um coletivo que se impunha em relação a qualquer individualidade.

    Nesse ano, contrataram Wout Van Aert, pelo que a Jumbo ganhava um reforço de peso para as clássicas e recuperava algum do seu peso no ciclocrosse. O foco da Jumbo não se cingia às clássicas nem à caça de etapas. A Jumbo-Visma queria ganhar corridas de três semanas e o maior candidato a abrir a contagem para a equipa neerlandesa era Primoz Roglic, que conquistava o UAE Tour, o Tirreno-Adriatico e a Volta à Romandia antes de chegar ao Giro d’Italia.

    O esloveno ganhou o contrarrelógio de abertura, mas a Jumbo, não querendo assumir o trabalho no pelotão não tardou a aproveitar hipóteses para se ver livre da camisola rosa. A primeira semana não foi muito mexida no que à geral dizia respeito, mas o esloveno acabou por reforçar a vantagem em relação aos grandes favoritos como Vincenzo Nibali e Simon Yates, graças a uma vitória dominante num contrarrelógio de 34,8 km com chegada a São Marino.

    A 2ª semana ficava marcada por uma batalha de marcação entre Roglic e Nibali na etapa 13 e depois na etapa 14, jornada em que Richard Carapaz aproveitou para atacar e ganhar quase 2 minutos aos rivais diretos. O equatoriano viria a conquistar essa edição da Volta à Itália com Roglic a ficar em 3º, depois de um mau dia na etapa 16, pelo que muitos fãs apontavam o dedo à equipa fraca que a Jumbo levara para apoiar o esloveno.

    Ainda que esse ponto seja válido, a verdade é que Roglic teve um contrarrelógio final menos bem conseguido e tinha 3 bons nomes na equipa: Sepp Kuss, Laurens de Plus e Koen Bowman. Não é uma equipa espetacular (sobretudo em 2019), mas era compreensível que a equipa não quisesse meter a carne toda na Volta à Itália.

    No Tour de France, a Jumbo-Visma abria em grande com Mike Teunissen a vestir a primeira camisola amarela dessa edição da “Grand Boucle”, com a equipa a vencer também o contrarrelógio coletivo da 2ªetapa. Groenewegen e Wout Van Aert também picaram o ponto, sendo que uma queda dramática impediu Van Aert de conquistar o contrarrelógio da 13ª jornada.

    A classificação geral ficou marcada pela perseguição da INEOS ao surpreendente Julian Alaphilippe que vestia a camisola amarela e que acabava no top 5 dessa Volta à França, depois de uma quebra nos últimos 2 dias de montanha, um dos quais até foi interrompido devido a mau tempo. Thibaut Pinot também estava em grande, mas foi obrigado a desistir por causa de uma lesão. Isto dias depois de deixar Egan Bernal (que viria a ganhar essa edição) para trás na etapa 15.

    Assim, percebe-se que Kruijswijk não era a maior ameaça à INEOS e isso viu-se quando um simples ataque de Bernal bastou para afastar Kruijswijk e tornar inútil um ataque do ciclista neerlandês na penúltima etapa. A Jumbo correu para o terceiro lugar que celebrou efusivamente. Kruijswijk deve ter sentido que era equivalente à vitória naquela Volta à Itália de 2016.

    Na Vuelta, a Jumbo não ia falhar. Um bloco poderosíssimo com Sepp Kuss, Robert Gesink e George Bennett no apoio a “Rogla”. No primeiro dia, a Jumbo sofreu num contrarrelógio coletivo em que Primoz caía ao chão, mas no segundo dia, já ganhava bastante tempo a nomes como Alejandro Valverde. Nas montanhas, Roglic apresentava um nível constantemente elevado, em comparação com Alejandro Valverde que parecia estar sempre igual ou pior do que o esloveno na alta montanha e do que Quintana que até vestiu de vermelho em Cortals d’Encamp, antes do primeiro dia de descanso, mas que desapareceria da luta pela geral após o contrarrelógio, e do que um jovem de 20 anos que ainda se estava a descobrir, o vencedor da Volta ao Algarve, Tadej Pogacar, que assumia a liderança da UAE após mais uma corrida mal conseguida por parte de Fabio Aru.

    A superioridade de Roglic e da Jumbo não foi muito ameaçada após o contrarrelógio. Pogacar foi muitas vezes um aliado do seu compatriota, Quintana não tinha as pernas ou a cabeça para a Movistar (ia sair da equipa no fim do ano) e Miguel Ángel López simplesmente não era bom que chegasse. O domínio da Jumbo-Visma na segunda semana foi tão assertivo que Sepp Kuss conquistaria a 15ª etapa.

    Primoz Roglic ainda mostrava alguns sinais ligeiros de fraqueza na penúltima etapa, não respondendo a um ataque de Alejandro Valverde a 38,3 km do fim da etapa. Ainda assim, o murciano esperava que Quintana seguisse com ele, pelo que também não acreditava que fosse possível recuperar quase 2 minutos e meio para Roglic naquele dia.

    O projeto de Richard Plugge tinha desta forma a sua primeira grande vitória, oficializando que a antiga Kwantum estava de novo no topo do ciclismo mundial. Mas ainda era possível voar mais alto.

    2020 ficou marcado pela pandemia da Covid-19 o que atrasou a realização das Grandes Voltas e de muitas outras corridas nesse ano. Para o Tour, era antecipado o duelo entre o tridente da Jumbo-Visma (Roglic, Kruijswijk e Tom Dumoulin) e o da INEOS (Froome, Thomas e Bernal). Logo no Tour de l’Ain foi percetível que o primeiro estava muito acima do segundo e nas duas etapas mais duras, Primoz deixou Egan para trás nos metros finais, sendo que Froome (já depois da queda que lhe acabou com o sonho da 5ª Volta à França) e Thomas nem “cheiravam” o grupo, acabando ambos por falhar o Tour de France.

    Dessa forma, a Jumbo parecia, claramente, a equipa superior com Roglic a mostrar novamente a superioridade em relação a Bernal no Critérium du Dauphiné. E a verdade é que essa superioridade se foi manifestando no Tour com uma equipa da Jumbo e em particular, um Primoz Roglic, que pareciam imbatíveis. Bernal ficava de fora da luta pela geral na etapa do Grand Colombier e o jovem de 21 anos da Emirates, Tadej Pogacar, era o maior rival de Roglic.

    À entrada para a etapa 20, Pogacar tinha 57 segundos de atraso para Roglic e a própria Jumbo-Visma mostrava confiança na vitória do campeão da Vuelta que ia coroar todo o trabalho da equipa para conquistar o seu primeiro Tour de France.

    Mas… isso não aconteceu. Tadej Pogacar esmagou a concorrência, ganhou quase um minuto e meio a Tom Dumoulin, cerca de 2 ao compatriota e conquistava a primeira Volta à França da carreira.  A Jumbo-Visma ficava derrotada e percebia que havia encontrado o seu maior rival.

    Foi a última Volta à França que Roglic concluiu até hoje, uma vez que não participou na de 2023 e abandonou tanto em 2021, como em 2022, permitindo a afirmação de um outro astro na equipa dos Países Baixos. Roglic acabaria por ganhar a Vuelta de 2021 e também a de 2022, ficando a apenas um triunfo de igualar o recorde de Heras.

    JONAS VINGEGAARD: A SUPERESTRELA DA SUPEREQUIPA

    Quando Primoz Roglic abandonou o Tour em 2021, Jonas Vingegaard apareceu para assumir as rédeas da equipa e garantir um novo 2º lugar para a equipa no Tour de France. Depois de uma vitória de etapa na Volta à Polónia em 2019 e outra na Volta à Espanha em 2020, ficava claro que este rapaz era um caso sério.

    Caiu na etapa 8, em que Pogacar atacou e meteu 3 minutos a toda a gente. Caso contrário, talvez Jonas tivesse acreditado em algo mais quando ganhou 40 segundos a Pogacar no Mont Ventoux, em menos de 1 quilómetro.

    A equipa conseguiu caçar vitórias de etapa com Wout Van Aert e Sepp Kuss, sendo que em 2022 iriam repetir a mesma constituição de equipa. A Jumbo fez um trabalho verdadeiramente exemplar para derrotar Tadej Pogacar, um ciclista irreverente que gosta de atacar. Gosta tanto que não tem cuidado para não se cansar. E foi isso que a Jumbo usou e ainda usa contra o esloveno.

    Usou para atacar em 2 contra 1 com Roglic e Vingegaard no Col de la Loze, em 2022, e fê-lo este ano, ao longo de todo o Tour quando Vingegaard perdia tempo gradualmente para o esloveno, mas sem nunca quebrar completamente. A Jumbo-Visma conquistou o seu primeiro Tour de France em 2022 e conquistou o segundo em 2023. Depois de ganhar um minuto na etapa 5, Jonas perdeu cerca de 30 segundos para Pogacar no dia seguinte porque a Jumbo-Visma foi arrogante e acreditou que podia dominar como bem lhe apetecia.

    Nesta última edição do Tour e também no Giro com a frieza e gestão de esforço de Primoz Roglic que até perdeu tempo no início da terceira semana, a Jumbo-Visma atingiu o ponto alto do seu projeto, adquirindo um cinismo que só as equipas dominantes são capazes de demonstrar.

    Em 2024, tudo indica que a Jumbo vai desaparecer do nome da equipa, com a Amazon a patrocinar uma fusão da equipa neerlandesa com a Soudal – Quick-Step de Remco Evenepoel. Nomes como Asgreen, Evenepoel e Yves Lampaert vão reforçar o alinhamento das clássicas que já conta com Wout Van Aert, Christophe Laporte, Tiesj Benoot e Dylan Van Baarle. Julian Alaphilippe também é capaz de se juntar à festa.

    Esta fusão congelou praticamente o mercado de transferências do ciclismo com as equipas a quererem perceber que ciclistas vão ficar disponíveis graças a este fenómeno. Este sábado, Primoz Roglic confirmou que está de saída da equipa, ao fim de 8 épocas. O esloveno foi apontado a tudo o que é equipa, mas a INEOS é o destino mais provável. Será oficializado, onde quer que seja, após a Volta à Lombardia.

    Duas equipas históricas podem muito bem estar prestes a formar o bloco mais forte da história do ciclismo. O próximo passo para uma formação que, ao longo de 39 anos, ganhou tudo o que havia para ganhar.

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    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.