Sami Zayn: Chegou a pessoa certa para derrotar Roman Reigns

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    Roman Reigns tornou-se Campeão Universal no dia 31 de agosto de 2020. Venceu um “Triple threat match” frente ao “The Fiend” Bray Wyatt e a Braun Strowman. Este combate marcou o início de um dos reinados mais memoráveis do século, que serviu para catapultar uma personagem fora criada apenas na semana anterior: o “Tribal Chief”.

    Esta personagem consiste num Roman Reigns que já não procura agradar aos fãs, está mesmo zangado com eles e exige que o reconheçam como o “Tribal Chief”. A personagem baseava o intitulamento de Reigns nos Anoa’i, família samoana com enorme tradição no wrestling, incluindo lutadores de várias gerações como Rocky Johnson, The Rock, Rikishi, Roman Reigns e os Usos.

    A época da pandemia exigiu uma grande criatividade por parte das empresas que continuaram a fazer programas, nomeadamente a WWE, a AEW e o IMPACT Wrestling. O “Tribal Chief” foi muito bem apresentado. Vários elementos da apresentação de Reigns, desde o seu físico à própria voz grave, mas suave (beneficiada pelo ambiente dos espetáculos durante a pandemia) contribuíram para criar a imagem de um Padrinho da Máfia.

    Isto foi evidente quando Reigns defendeu o título pela primeira vez numa rivalidade com o seu primo, Jey Uso em que a dinâmica da relação de Roman com os Uso foi explorada ao detalhe, mas também a relação entre os próprios irmãos foi dissecada, permitindo a criação do que até então parecia impossível: personagens distintas para Jimmy e Jey Uso

    Em 2020, tanto no Clash of Champions, como no Hell in a Cell, Reigns derrotou Jey ao explorar a ligação entre os dois irmãos. No primeiro combate, Roman espancou Jey Uso de tal forma, que obrigou Jimmy a atirar a toalha branca para terminar o combate e com o sofrimento do irmão. No Hell in a Cell foi um “I Quit Match” em que Reigns só conseguiu ganhar, ao prender Jimmy Uso (lesionado na altura) numa guilhotina enquanto Jey Uso estava já demasiado desgastado para fazer qualquer coisa que fosse para ajudar o irmão. A não ser desistir.

    Para além de elevar os Uso, estes dois combates foram um exemplo de “stroytelling” metódico. Na história, isto permitiu aos dois irmãos compreender a importância que a família tinha para eles e que, portanto, deviam assumir que Roman Reigns era quem se sentava na “cabeceira da mesa”, que era quem os ia guiar no sentido de honrar a família Anoa’i. Ficou assim estabelecida a base para o que veio a ser uma das melhores fações dos últimos anos: a “Bloodline”.

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    ROMAN REIGNS E… MAIS NINGUÉM

    A “Bloodline” começou apenas com Jey Uso e Roman, uma vez que Jimmy estava lesionado (só se juntou depois da Wrestlemania 37) mas foi a propulsora de uma história interessante que prendia o espetador e que desenvolvia vários aspetos da personagem do campeão. Este storytelling criou em muito pouco tempo uma aura à volta do reinado do Reigns, uma aura que passou a ser uma marca de confiança da WWE: quem seria a pessoa certa para tirar o título a Roman Reigns?

    Entre a WrestleMania 37, quando Edge e Daniel Bryan perderam para Roman num “triple threat” de forma decisiva, e a WrestleMania 38, não existia uma direção clara, uma pessoa que pudesse assumir esta posição de “top guy” da empresa. Falava-se de Bron Breakker, Brock Lesnar, de John Cena e até de The Rock. Mas nenhum destes nomes parecia o certo, nenhum estava a ser construído como alguém que estivesse a caminho da vitória definidora, aquela que cria uma estrela e é isso que o triunfo sobre Roman Reigns tem de ser.

    Na Wrestlemania 38, evento em que Roman se torna campeão indisputado, regressa Cody Rhodes, o “American Nightmare” e um dos fundadores da AEW.  Foi um dos regressos mais impactantes da indústria em 2022. Rhodes foi recebido em apoteose pelos fãs que já ansiavam há vários meses a chegada do “son of a son of a plummer” e foi colocado numa rivalidade de alto perfil com Seth Rollins. Os dois tiveram uma trilogia de combates concluída em maio.

    Durante estes meses, a personagem de Cody foi construída com base no objetivo de se tornar campeão da WWE, um feito que o pai, Dusty Rhodes, nunca alcançou. Era também inegável que existia uma ligação entre Cody e os fãs, nomeadamente pela estrela que o “American Nightmare” foi capaz de construir fora da WWE entre 2016 e 2022.

    Apesar do ímpeto, Rhodes teve uma rutura completa dos músculos peitorais antes do Hell in a Cell, uma lesão que o colocou fora de ação até 2023, estando mesmo em dúvida para o próximo Royal Rumble.

    Ainda assim, nos primeiros meses após a lesão, a WWE foi acompanhando tanto no RAW como no Smackdown como em Premium Live Events (PLE), a recuperação de Cody, mostrando que a empresa mantinha fé no lutador e que tinha efetivamente altos voos reservados para o mesmo.

    Contudo o afastamento de Vince McMahon da gestão da WWE a todos os níveis alterou um bocado este foco ainda que o novo chefe da equipa criativa, Triple H, pareça ter boas relações com Cody Rhodes (que diz ver no “The Game” um ídolo).

    Mas houve uma história fulcral que colocou em causa esta narrativa. Logo a seguir à Wrestlemania, Sami Zayn começou a tentar cair nas boas graças da “Bloodline”, tornando-se um lacaio dos Uso e de Roman Reigns para enfraquecer Drew McIntyre e os RKBro, com vista a que a Bloodline ganhasse hegemonia completa no que a títulos mundiais e de tag team diz respeito, unificando títulos de tag do Smackdown e do Raw.

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    HONORARY UCE

    Durante a segunda metade deste ano, a relação entre Sami e os Uso foi explorada ao detalhe. Os campeões indisputados chegaram a virar as costas e a deixar Sami Zayn sozinho num “6 man tag”, o que levou o “Master Strategist” a sugerir tornar-se um “Honorary Uce”, ou seja, um membro honorário da Bloodline, com vista a que os campeões sentissem que podiam confiar nele.

    Aos poucos, Sami conseguiu mesmo aproximar-se de Roman Reigns e a ligação que criou com a “Bloodline” revelou-se extremamente orgânica. Vários segmentos ficaram marcados pelas gargalhadas genuínas que o canadiano conseguia provocar nos colegas de fação. Tornou a “Bloodline” interessante num momento em que o reinado de um Roman Reigns, agora com aparições mais esporádicas, estava claramente a estagnar e a tornar-se repetitivo para os fãs, depois de ter começado de forma tão promissora.

    Enquanto Reigns andava preso em rivalidades desinteressantes e previsíveis como foi o caso de Brock Lesnar (a caminho do Summerslam) e de Logan Paul, a tensão entre Sami Zayn e Jey Uso foi o aspeto mais atrativo no panorama do título Mundial.

    O pico da química entre Sami e a “Bloodline” foi mesmo em outubro quando Jey Uso disse que não confiava no lutador canadiano. Sami pediu ao Uso para se acalmar, uma vez que o “Tribal Chief” só queria paz, ao que o campeão de tag team que respondeu que não lhe interessava o que Roman dizia.

    O segmento estava perfeitamente desenhado com a linguagem corporal a contar uma parte dramática da história da fação em que pela primeira vez desde 2020, existia um desentendimento entre Roman Reigns e Jey Uso. Foi então que mesmo estando a ser atacado verbalmente, Sami Zayn provou que se preocupava de tal forma com a sua “família” que começou a defender Jay, dizendo que ele não se estava a sentir muito “ucey”. Esta expressão provocou uma gargalhada geral no público e no ringue, tirando bastante dramatismo do momento, mas conseguindo avançar com a história na mesma.

    No Survivor Series, o “War Games” masculino foi construído à volta da lealdade de Sami Zayn: estaria ele do lado da “Bloodline” ou do antigo melhor amigo, Kevin Owens, que apelara a Sami que se afastasse de Roman porque ia acabar por ser traído. O “Master Strategist” não ouviu Owens e escolheu ajudar Roman Reigns e a “Bloodline” a levar a melhor sobre os “Brawling Brutes”, Kevin Owens e Drew McIntyre. Foi um dos combates com melhor “storytelling” do ano e elevou a personagem de Sami Zayn que foi definitivamente aceite por toda a Bloodline.

    Os fãs deram por si a torcer pela aceitação de Sami Zayn pelos Anoa’i, criando-se uma grande ligação emocional, orgânica e de simpatia por Sami que nunca foi campeão mundial nos 9 anos em que luta ao serviço da WWE. Já no NXT, era possível perceber que existia uma certa vontade dos fãs de aplaudir Sami Zayn, de torcer pelo “Underdog of the Underground”, alguém que ao longo de toda a caminhada no “developmental” da WWE foi comparado a Daniel Bryan (atualmente Bryan Danielson, na AEW) por esta ligação natural que tinha com os fãs.

    Aliás, sempre que Vince McMahon se distraía e usava Sami Zayn como devia, os fãs ficavam logo do lado do canadiano. Mesmo quando andava perdido no “mid card”, os fãs vibravam sempre que Sami e Brock Lesnar estavam juntos no ringue em 2017. Quem acompanhou a carreira fora da WWE (lutava com o nome El Generico), ainda é capaz de ter uma ligação mais forte com a história desta estrela.

    Sami Zayn tem uma história parecida com a de Bryan e está num momento semelhante da carreira àquele em que o “American Dragon” estava quando chegou à cena do título da WWE em 2013, com os fãs a sentir-se entretidos por tudo o que fazia.

    No caso de Sami, ainda não chegou à popularidade de Bryan na Wrestlemania 30, em que os fãs só o queriam a ele como campeão, rejeitando qualquer outra solução. Que o diga Batista. E toda a história lentamente construída da tensão entre Sami Zayn e a Bloodline parece ter como conclusão perfeita que seja o lutador canadiano a fazer jus à alcunha de “Master Strategist” para os derrubar, para acabar com aqueles que o aceitaram, sob falso pretexto.

    E que melhor altura para tamanha vitória do que na WrestleMania, o maior palco de todos. O palco perfeito para dar a grande derrota de Roman Reigns que não perde desde 2019. É possível até estabelecer um paralelismo com o momento em que Roman Reigns foi rejeitado pelos fãs porque não era Daniel Bryan, em 2015.

    7 anos depois, Roman volta a enfrentar o que motivou toda a personagem do “Tribal Chief”, toda a necessidade de reconhecimento alheio de Roman Reigns como a cara da empresa, por um público que sempre procurou outra pessoa que fosse alguém com quem se identificasse.

    Alguém como Steve Austin numa altura em que personagens estilo Super-Homem, como Hulk Hogan ou John Cena já não são cativantes, e o público quer personagens passíveis de ter evolução. Um grande exemplo disto foi a caminhada de “Hangman” Adam Page até ao título Mundial da AEW. As melhores histórias no Wrestling são aquelas em que o espetador se revê psicologicamente na personagem.

    Sami Zayn é uma pessoa que trabalhou anos e anos para merecer uma oportunidade, alguém que se esforça para ser aceite por uma família, depois de já ter sido traído pelo melhor amigo e etiquetado como alguém que fomenta teorias da conspiração. Uma pessoa que não tem o perfil ao qual a WWE habituou os seus espetadores. Não é um lutador extremamente musculado, é alguém que parece o homem comum, o que ajuda a criar uma ligação com os fãs modernos.

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    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.