Sky vs. Jumbo-Visma: Um olhar sobre duas potências hegemónicas no ciclismo

    modalidades cabeçalho

    2023 ficou marcado por uma hegemonia da Jumbo-Visma que foi capaz de conquistar as três Grandes Voltas com três ciclistas diferentes, ocupando todos os lugares do pódio na Volta à Espanha. Foi uma época de feitos históricos e que cimentou uma hegemonia que se adivinhava desde 2020, mas que acabou por ser adiada e ainda hoje é atenuada pela ascensão de nomes como Tadej Pogacar.

    Este domínio da Jumbo-Visma não é único, de forma alguma, e a década dos anos 2010 ficou marcada pelo domínio de outra equipa. A Sky, agora INEOS. A formação britânica foi criada em 2010 e precisou apenas de ano e meio para conquistar a sua primeira grande volta, com Christopher Froome a conquistar a Volta á Espanha, ainda que este título apenas tenha sido oficializado aquando da desqualificação de Juan José Cobo, em 2019. Em 2012, a Sky conquistava o seu primeiro Tour de France e logo com dobradinha, pois Froome ficava em segundo apenas batido pelo primeiro vencedor britânico da “Grand Boucle”: Sir Bradley Wiggins.

    Em 2019, a equipa conquistava a sétima Volta á França da sua história e com o quarto ciclista diferente. Foi responsável por conseguir que três britânicos diferentes conquistassem a Volta à França, impulsionando o ciclismo na Grã-Bretanha, e também pelo primeiro colombiano de sempre a conquistar a maillot jaune (Egan Bernal).

    Como tal, torna-se adequado comparar a presença destas duas equipas no pelotão, a forma como afirmam a sua hegemonia em corridas por etapas e em competições de um dia.

    SKY TRAIN

    Começando pelo ponto mais fácil de abordar e onde, desde logo existe uma diferença clara entre as duas equipas: a forma como correm quando se assumem como as donas do pelotão.

    A Sky optava por uma forma extremamente calculista de correr baseada numa cadência forte e consistente, sem grandes mudanças de ritmo. Foi a Sky que começou a tornar os “esticões” sem cadência consistente, uma forma obsoleta de correr. A estratégia passa por colocar a equipa a trabalhar na frente, impondo um ritmo muito forte logo a partir de uma fase madrugadora do dia. A intenção não é tanto a de dinamitar a corrida, mas sim a de desgastar o pelotão, desencorajando qualquer ataque dos adversários.

    Nos anos áureos da Sky (sobretudo entre 2015 e 2018) era muito comum assistir a dias de alta montanha em que a equipa britânica colocava 4 ou até 5 corredores num grupo de 15 ou até de menos ciclistas. Desta forma, o objetivo do “Sky train” não era o de arrumar com a classificação geral, mas sim o de minimizar as diferenças no fim da etapa. Primeiro, passavam pela frente os roladores da equipa, como Ian Stannard, Luke Rowe, Christian Knees…

    Depois era a vez de corredores como Nicolas Roche, Leopold König, Mikel Nieve, gregários de luxo, aumentarem o ritmo, com vista a fazer um trabalho consistente e paciente. Na subida final, entravam em cena os grandes nomes, os braços direitos de Christopher Froome: nomes como Geraint Thomas, Mikel Landa, Richie Porte, Wout Poels… Os nomes variavam e por vezes até Leopold König ou Mikel Nieve eram o principal escudeiro de quem quer que fosse o líder da equipa britânica.

    Se ninguém atacasse, era habitual que um ou dois ciclistas fizessem a subida toda na frente do pelotão, preservando sempre alguém para ajudar o líder em caso de um ataque muito perigoso. Se houvessem ataques, a resposta muitas vezes passava pela ausência de uma resposta direta, com a manutenção de um ritmo consistente em detrimento de um “esticão” ou então trocava-se de corredor na frente para aumentar o ritmo. Era um jogo de paciência que não se focava no espetáculo, mas sim em ganhar.

    Um grande exemplo disto foi mesmo no Tour de France de 2015, na etapa 12 (Como a Eurosport usa num vídeo) com chegada ao Plateau de Beille. No início desta subida mítica, quem começa a trabalhar é Peter Kennaugh, depois de Roche, König, Stannard e Rowe terem feito o seu trabalho. A certa altura, Rafal Majka (então gregário de Alberto Contador) aumentava o ritmo e o então campeão britânico desaparecia do grupo.

    A 8,1 km da meta, Majka acabava o seu trabalho e era Richie Porte quem passava para a frente, com Geraint Thomas e Chris Froome na roda. Porte endurecia já muito o ritmo e por isso, quando foi a vez de Alberto Contador atacar, a iniciativa do espanhol foi neutralizada após cerca de 200 metros. Nairo Quintana também atacou e Porte continuou sem aumentar o ritmo, acabando por capturar o colombiano que era segundo à geral. Vincenzo Nibali tentou também a sorte e rodou isolado durante 1,8 km, sem resposta direta de Porte. Alejandro Valverde também atacou, requerendo já um ligeiro aumento de ritmo de Porte.

    Quando estas variações aconteciam, era comum ver o britânico a deixar abrir pequenos espaços para o colega de equipa. Se a Sky colocava um ritmo consistente, Froome ainda mais consistente e calculista era. Em 2015, a Movistar era a única equipa capaz de ameaçar a superioridade numérica da Sky, uma peça chave para o sucesso do comboio porque ao ficarem rapidamente isolados, cabia aos líderes, aos rivais diretos da Sky, tentar atacar para despir de colegas o líder da equipa britânica.Depois de quase 5 km de Richie Porte na frente do grupo dos favoritos, Nairo Quintana voltava a lançar um grande ataque e era Geraint Thomas quem passava para a frente.

    A etapa de sonho para o “Sky train”, a mais fácil de controlar, era uma em que a fuga chegasse com grande vantagem e com subidas muito longas, sobretudo no final para recompensar a consistência do ritmo. Um final em descida era fantástico para a formação britânica, pois mesmo que acabasse uma subida com alguns segundos de atraso para um rival direto, podia fechar esse espaço na descida, desgastando e desmoralizando o corredor.

    Esta tática resultava muito no passado por causa da superioridade do alinhamento da Sky, mas sobretudo por causa das características de corredores como Wiggins, Froome e Geraint Thomas. Excelentes trepadores por direito, mas fortíssimos nos contrarrelógios.

     Um grande exemplo disto é o Tour de 2016. Chris Froome superou Romain Bardet por 4 minutos e 5 segundos. Tirou ao francês 4 minutos e 25 segundos nos dois contrarrelógios dessa edição da corrida. Dos 4 minutos e 21 segundos que teve para o 3º classificado, Nairo Quintana, 3 minutos e 15 foram conquistados nos contrarrelógios. Era uma peça essencial para a estratégia desta equipa em três semanas.

    O ATAQUE É A MELHOR DEFESA PARA A JUMBO-VISMA

    Ao contrário da Sky, a Jumbo utiliza a sua superioridade física e numérica de uma forma diferente: a equipa dos Países Baixos não se limita a colocar um ritmo gradualmente mais forte ao longo da etapa para evitar ataques adversários porque é a Jumbo que os faz. Olhemos para a etapa 1 da Volta à Espanha de 2020, por exemplo. O dia acabava com subida a Arrate, com 5 km de extensão.

    Durante a aproximação à subida, até foi a INEOS quem endureceu com Kevin Rivera e Ivan Sosa. Mas a cerca de 4,6 km da chegada Sepp Kuss lançou um ataque isolando desde logo Richard Carapaz e reduzindo o pelotão a um grupo muito reduzido em que Primoz Roglic, líder de Kuss era o único com um colega no grupo e que até chegou mesmo a ter dois, com George Bennett em modo “ioiô”. Aqui ficava claro que todo o trabalho da INEOS fora praticamente inútil contra a Jumbo-Visma.

    Kuss mandava umas acelerações ocasionais enquanto puxava na frente. Acaba por se tornar uma forma de desencorajar os ataques pela positiva, sem se prender a um ritmo singular, mas a intimidar os adversários que se apercebem da capacidade do número 2 da equipa. Depois com Roglic a liderar, basta levar o grupo até perto da meta, o esloveno arranca e volta a conquistar uma vitória.

    Ao longo dos anos, a Jumbo tem vindo a aperfeiçoar e a adaptar esta sua tática. Sobretudo motivada pelo seu maior rival que durante 2 anos lhes tirou o seu maior objetivo, o de ganhar a Volta à França: Tadej Pogacar. O esloveno da UAE Team Emirates é um corredor explosivo e imprevisível, sem medo de atacar de longe, o que acaba por ser a sua própria fraqueza em corridas de três semanas.

    Tanto no Tour de 2022 como no de 2023, a Jumbo fez um jogo de desgaste frente a Pogacar. Fê-lo na etapa com chegada ao Col du Granon em que a equipa neerlandesa atacou na antepenúltima subida do dia, o Col du Télégraphe para isolar Pogacar e usar Primoz Roglic e Jonas Vingegaard como armas para cansar o esloveno que também ia disferindo alguns ataques seus, na esperança de dissuadir as iniciativas dos adversários diretos. O mesmo cenário foi repetido no Galibier mas só no Granon é que Pogacar estourou completamente, perdendo quase 3 minutos para Jonas Vingegaard.

    E foi nesse dia que a Jumbo percebeu como derrotar Pogacar. É uma questão de desgastar o esloveno, levando-o acima de tudo a desgastar-se a si próprio,  aproveitar o seu perfil aventureiro e confiante para que Tadej ataque, ataque e volte a atacar. No ano passado, o esloveno da Emirates não conseguia abrir qualquer espaço para Vingegaard que, em contrapartida o atacou apenas no Hautacam para selar a vitória na etapa e na classificação geral. Este ano, Vingegaard foi controlando as perdas para Pogacar e determinou os dias em que queria ganhar a corrida e assim fez. Não é por acaso que Pogacar acaba os dois últimos Tours a mais de 4 minutos do rival dinamarquês.

    Tanto no Tour de 2022 como na Vuelta deste ano, a Jumbo utilizou outra jogada que permite distinguir as “abelhas” da antiga Sky: a Jumbo-Visma não se coíbe de lançar ciclistas para a fuga, gosta de se libertar das funções de controlo do pelotão para desgastar as equipas adversárias, preparando um ataque à posteriori. Se as equipas não quiserem perseguir, acontece o que aconteceu este ano, com Sepp Kuss a conquistar a Volta à Espanha graças a uma fuga na etapa 6.

    Na Volta à França, é muito comum ser Wout Van Aert o homem escolhido para a fuga, com vista a aproveitar a explosividade e stamina do fenómeno belga, ainda que o objetivo seja mais meter um ritmo forte quando a corrida já está efetivamente lançada, do que atacar a geral com o belga.

    Essencialmente, a equipa da Jumbo corre de uma forma mais camaleónica do que a Sky, no sentido de ser capaz de assumir uma postura defensiva, bem como uma postura ofensiva mais imprevisível do que a que era assumida pela Sky, sendo que a equipa britânica apenas metia um ritmo mais forte quando queria rebentar com o pelotão, era raro vê-los atacar com outra pessoa que não o seu líder.

    Efetivamente, a Sky mostrou no Colle de Finestre que consegue dinamitar uma corrida a uma longa distância na meta quando Chris Froome atacou a 80 km da meta para ganhar a Volta à Itália de 2018, recuperando de mais de 3 minutos de atraso para Tom Dumoulin. Mas foi um esforço muito mais singular por parte de Froome nesse momento da corrida, do que um ataque coordenado ao longo de toda a etapa como a Jumbo tem por hábito fazer. O esfoço da Sky acabou por se focar na parte inicial da etapa, até ao “Cima Coppi”.

    O Sky train é perfeito para um especialista no contrarrelógio como Thomas, Froome ou Wiggins, para os defender nas montanhas, terreno em que o seu desempenho é menos bom (enfâse no menos bom). A tática da Jumbo está moldada para Jonas Vingegaard e Primoz Roglic, ciclistas completos moldados para corridas explosivas, imprevisíveis e lançadas desde longa distância. Esta última estratégia é, sem dúvida, mais favorável ao espetáculo.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    FPF instaura processos ao Boavista e ao Lank Vilaverdense

    O Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol...

    Bayern Munique interessa-se por defesa central do Bayer Leverkusen

    O Bayern Munique pode apresentar uma proposta em Jonathan...

    Revelado clube interessado em Orkun Kokçu

    Orkun Kokçu pode deixar o Benfica no final da...
    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.