Todos já fomos crianças e, a maioria de nós, benfiquistas com sonhos de águia ao peito.
Houve tempos em que, entre amigos, jogava pela ala esquerda com o meu pé destro a cortar para dentro. Qual Simão Saborosa. E assim me imaginava no lugar do capitão a brilhar na Luz.
Longas viagens de carro permitiam-me ir no banco de trás a imaginar toda uma carreira de bola no pé. Aparecia com 17 anos de vermelho e branco nos relvados do Estádio da Luz. Uma época para adaptação, outra para afirmação, e uma terceira de consolidação. Ajudar o SL Benfica a chegar ao título de campeão nacional. Contribuir para que o clube do meu coração também na Europa fosse campeão. Golos, assistências, desarmes. Correrias em esforço para orgulhar as bancadas gloriosas.
O meu único dilema prendia-se pelo facto de querer sentir a Premier League, mas não querer sair do SL Benfica. Após desfrutar do orgulho de representar o SL Benfica, sairia então uns três anos para viver o ambiente da Liga Inglesa, regressando antes dos 28 para poder ainda dar muito com as cores do meu clube.
É que eu era uma criança, uma criança benfiquista que sonhava constantemente com os relvados da Luz, com a bola no ar e em vir a amortecer no símbolo da águia ao peito.
Isto numa altura em que a Formação do clube vivia momentos de amargura e descrédito. Entretanto crescemos. Eu e o Seixal.
Hoje temos uma maravilhosa academia que ajuda a proporcionar ao clube uma estupenda formação. Ao longo dos últimos dez anos, vários jogadores têm surgido e é raro aquele que fica tempo suficiente para deixar uma marca real no clube.
A aposta nos miúdos tem sido crescente, tal como o seu talento. Temos cada vez mais – e melhores – jogadores a surgir das nossas escolas.
No Seixal, formamos jogadores. A minha dúvida é se também andamos a formar benfiquistas. Algures no meio deste caminho, o profissionalismo parece ter abafado a emoção, a paixão.
Bem sei que hoje o futebol vive condicionado às comissões. É um passe certeiro e já os agentes se movem por tudo o que é canto a promover o seu ativo. E os dirigentes, quais caixeiros viajantes, não descansam enquanto a venda não estiver concluída. É ver aqueles que não podem viajar com a equipa, mas são vistos em entrevistas e reuniões em cada canto deste mundo.
O interesse do jogador nunca é protegido nem alimentado. São milhões para a ganância e fraqueza humana e nada para a progressão do atleta.
O ruído à volta dos miúdos é tanto que percebo que não consigam adormecer para sonhar. Contudo, lembro-me de sonhar acordado. Por isso, pergunto: Onde para o sonho? A paixão? O benfiquismo? Porquê tanta pressa de se irem embora?
Estes miúdos, já jogadores que vivem o sonho de tantos nós, não parecem saber desfrutar dele. Só tocam ao de leve o relvado da Luz. Uma pena da águia prestes a ser arrebatada pela ventania que se tornou o Jogo.
Texto revisto por: Mariana Coelho
Foto de Capa: SL Benfica