Escrevo este texto após assistir in loquo à vitória da equipa de andebol do Benfica sobre o FC Porto – hexacampeão e favoritíssimo ao título (pelo orçamento de que dispõe e pela sua qualidade individual e colectiva) – no segundo jogo das meias-finais do campeonato da modalidade. Esta eliminatória não é mais que uma nova versão adaptada ao desporto da luta desigual entre David e Golias e, neste momento, é o conjunto mais frágil, suportado em parte por miúdos da formação (atentem às qualidades de Hugo Lima e Pedro Moreno), que tem uma vantagem de 2-0.
Naquele jogo, a vitória não se fez apenas de valores técnicos ou tácticos; seria ridículo considerar que a alma, por si só, pode carregar um corpo inteiro fazendo-o superar os obstáculos teóricos e práticos. No entanto, ajuda (não duvidem). E muito! O pavilhão da Luz fez-se em Inferno, levando ao colo – que expressão tão bem engendrada – aquele grupo de jogadores transcendido, deixando tudo em campo. Neste momento, as modalidades colectivas do Benfica transpiram, em cada jogo e competição, a mística deste clube: garra, querer e ambição; e capacidade para vencer qualquer adversário – uma posição única, se bem que já experimentada, no panorama desportivo nacional, e que representa um imenso orgulho para todos os benfiquistas.
O caso do futebol é em tudo semelhante. Sobre o desporto-rei já se falou, e bem, do extraordinário trabalho de Rui Vitória; do esforço e da humildade que cada um e todos demonstram; do talento de Jonas e Gaitán; da liderança do capitão Luisão e de todos os outros capitães sem braçadeira, como Jardel ou Samaris; do rendimento de Eliseu; do meteórico “nascimento” de Renato Sanches; ou sobre como uma verdadeira onda vermelha carrega, em casa e fora, a equipa rumo à vitória. Este momento é, de facto, o melhor desde há muitos anos no que diz respeito à saúde desportiva do nosso clube – e nenhum Fulano ou Sicrano poderá plantar factores desestabilizadores da realidade, nas rádios, nas TVs ou nos jornais, por muita imaginação ou falta de seriedade e honestidade que possa ter.
As dificuldades surgirão, como até aqui, oriundas de todos os quadrantes – umas já esperadas, outras nem tanto. Os adversários, uns com mais qualidade do que outros, farão o que puderem, dentro das quatro linhas, para contrariar aquela que, até ao momento, mais e melhor fez por estar no 1.º lugar do campeonato (e que, por coincidência e sem lirismos inúteis, está, de facto, em 1.º lugar no campeonato). As lesões, os castigos ou, como muitos descrevem, a sobrecarga de jogos devido à notável presença nos quartos-de-final da Liga dos Campeões podem causar mais e maiores dificuldades. Porém, não nos podemos esquecer de que todas estas situações surgem-nos – ou nem sequer nos largaram – desde o início da época; o Benfica já apresentou este ano o seu melhor “onze”? Resta fazer como até aqui: superar cada um dos obstáculos, passo a passo.
Segue-se um ciclo de elevado grau de dificuldade, que inclui a recepção ao Sporting de Braga (mais a eliminatória com o Bayern de Munique). Nesta fase, nada mais há para teorizar. Daqui para a frente, cada jogo deve ser encarado como uma final, pois, na verdade, cada jogo será decisivo para as contas finais do campeonato. Vencer é obrigatório; todavia, rejeito qualquer tipo de pressão adicional. Desde que isto começou, a equipa do Benfica sempre revelou, acima de tudo, consciência da sua missão, partilhando visivelmente a nossa vontade de festejar. Portanto, para além do futebol que nos levou até à liderança do campeonato, espero apenas constatar a costumada fórmula feita de garra, de querer e de ambição – para o resto, teremos a mística cantada por 65 mil almas.
Foto de Capa: SL Benfica