Zaaf Cycling Team: A equipa demasiado boa para ser verdade

    modalidades cabeçalho

    No passado mês de dezembro, era anunciada a criação de uma equipa de ciclismo feminino sediada em Girona, Espanha, sob a designação de Zaaf Cycling Team. O nome surgiu com base no ex-ciclista francês Abel-Kader Zaaf, nascido na Argélia quando o território permanecia sob o domínio colonial de França. Ried Belatreche é neto da lenda do ciclismo africano e a principal figura do projeto, pelo que associou o apelido do avô à equipa como uma homenagem.

    O ciclista Zaaf era conhecido como uma figura irreverente, o mais azarado do pelotão ou então um que corria com mais coração do que cabeça. Abel-Kader Zaaf é um grande nome do ciclismo africano, contando com excelentes exibições em corridas no Norte de África, nomeadamente em 1950 quando alcançou 5 vitórias na Volta a Marrocos e 2 na Volta ao Nordeste de África. Alinhou no Tour como parte de uma equipa do Norte de África nesse mesmo ano.

    “Desde criança vivi de perto as histórias do meu avô e deixou-me a sua paixão pelo ciclismo. Até as minhas filhas competiam quando eram pequenas. Faço esta equipa em homenagem ao meu avô e para que o seu nome e história sejam conhecidos em todo o mundo.” – Ried Belatreche em declarações ao Diário AS

    O Diretor Desportivo desta equipa é Manuel Lacambra, que até estava à procura de criar uma equipa de ciclismo feminino de formação.

    “Estava a tentar montar uma equipa para cadetes femininas e abriram-se portas para eu montar uma equipa maior, uma equipa italiana. Depois de um tempo, recebi uma ligação de Riyadh, neto de Zaaf, e ele disse que queria montar uma equipa de alto nível e perguntou se eu estava interessado. Nós reunimos, chegámos a um acordo muito rapidamente, e foi assim que este projeto começou no passado julho. Fomos a reboque de toda a gestão e até ao último momento, mas esteve tudo bem dizia o Diretor ao AS, já em janeiro deste ano

    A equipa ia começar como uma formação do escalão Continental, mas tinha clara ambição de subir ao World Tour, como se podia ver pela presença anunciada em corridas como o Tour, o Giro e a Vuelta, bem como em “Monumentos” como a Liége-Bastogne-Liége. Como se isto não bastasse, o elenco da Zaaf Team também era de luxo, com destaque para Audrey Cordon-Ragot, antiga campeã do Mundo de Ciclocrosse e múltiplas vezes campeã de França na estrada. Também Eva Anguela, antiga campeã de Espanha em Juniores e a campeã do Canadá, Maggie Coles-Lyster mostravam uma formação ambiciosa não só para o presente, mas também para o futuro.

    De acordo com o site “Pro Cycling UK”, a equipa contava com um orçamento de 4 milhões de euros.

    SALÁRIOS EM ATRASO

    O projeto começou a dar para o torto logo no final de março, quando várias publicações, nomeadamente o Cycling Weekly e o Cyclingnews divulgavam a 23 de março que a Zaaf Cycling Team não tinha pago quaisquer salários ou despesas nos primeiros três meses de 2023. A União Ciclista Internacional (UCI), a Federação Espanhola de Ciclismo (RFEC) e a The Cyclists’ Alliance (TCA) intervieram na situação.

    A UCI garantiu à Cycling Weekly que iria clarificar a situação junto das atletas, bem como da Federação Espanhola (a responsável pelo registo da Zaaf). Já Iris Slappendel, Diretora Executiva da TCA garantiu que a associação continuaria a apoiar as ciclistas.

     Nas últimas semanas, a TCA tem ajudado as corredoras da Zaaf a lidar com uma situação muito difícil. Temos estado em contacto com a UCI e com a Federação Espanhola para tomar as medidas necessárias com vista a proteger os direitos básicos das ciclistas, bem como a sua saúde mental

    Já a RFEC anunciava a 31 de março que ia fazer uso da garantia bancária para pagar os salários em atraso.

    No início de abril, Audrey Cordon-Ragot trouxe a público a falha no pagamento salarial dentro da Zaaf Team, tendo apresentado a sua demissão da formação espanhol no fim de março. Cordon-Ragot falou ao jornal “Le Télégramme” sobre o que motivou a sua decisão, deixando fortes críticas à estrutura da Zaaf, comparando a mesma à de uma equipa francesa amadora

    “Depois de vários lembretes meus, corrida após corrida, vi que nada estava a progredir. No entanto, acho que fui paciente. Como a equipa era nova, disse a mim mesma que eles só precisavam de um pouco de tempo para se orientar. E depois, as preocupações financeiras levaram a outras preocupações: ao nível do pessoal, estávamos com falta de elementos. Em termos de organização, nem sequer foi ao nível de um N1 amador.”  Dizia Audrey Cordon-Ragot ao Télégramme, de acordo com o Pro Cycling UK.

    Com o passar das semanas, as demais ciclistas tomaram a mesma decisão que a francesa, partindo em busca de uma nova equipa para tentarem salvar os objetivos para 2023. Cordon- Ragot não tardou a encontrar uma nova equipa, assinando a 7 de abril pela Human Powered Health.

    O FUTURO DA ZAAF CYCLING TEAM

    No dia 26 de abril, a Zaaf abdicou da participação na Vuelta, duas semanas depois de falhar na aquisição do convite para o Tour. No dia seguinte, perdia a licença UCI para o escalão Continental e passava oficialmente a ser uma equipa amadora, uma vez que com a saída de um total de 8 ciclistas a equipa contava apenas com 7 ciclistas no total, inviável para ser considerada uma formação profissional.

    Todavia, duas ciclistas não foram autorizadas a alinhar na Vuelta, mesmo que encontrassem uma nova equipa a tempo da corrida. A 1 de maio, o site Velo-Club.net revelou que a neozelandesa Michaela Drummond e a italiana Debora Silvestri estavam impedidas pela RFEC de alinhar na Volta à Espanha, mesmo depois de, a 13 de abril, a UCI ter autorizado as corredoras da Zaaf Team a mudarem de equipa.

    Drummond foi anunciada pela Team Farto-BTC a 28 de abril e Silvestri tornou-se corredora da Laboral Kutxa Team a partir de 12 de maio.  O site “IberoBike” revela que a decisão da RFEC terá sido motivada, em particular, por questões relacionadas com as leis laborais de Espanha, uma vez que, tendo Drummond assinado pela Farto a 28 de abril, não restava tempo para toda a burocracia necessária para que a ciclista alinhasse a tempo para a Vuelta.

    Não foi o mesmo caso com a australiana Lizzie Stannard, que rumou à Israel Premier-Tech, uma equipa do World Tour, e foi autorizada a alinhar na Vuelta.

    O futuro para a Zaaf Cycling Team, o projeto que prometia impulsionar o ciclismo feminino espanhol para um nível completamente diferente, está incerto, sendo que uma revolução na estrutura parece a solução mais clara para tentar, se é que é possível, salvar o projeto da decadência.

    Em 2023, a Zaaf conta apenas com duas vitórias, ambas alcançadas por Ebtissam Zayed Ahmed que conquistou os títulos nacionais de contrarrelógio e de fundo no Egito. De resto, o destaque vai para um top 6 no Tour Down Under e um top 5 na Cadel Evans Great Ocean Road Race, com Danielle De Francesco, para dois top 5 em clássicas belgas, com Audrey Cordon-Ragot, e para um pódio com Nikola Noskova na Volta à Comunidade Valenciana.

    - Advertisement -

    Subscreve!

    Artigos Populares

    Filipe Pereira
    Filipe Pereira
    Licenciado em Ciências da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o Filipe é apaixonado por política e desporto. Completamente cativado por ciclismo e wrestling, não perde a hipótese de acompanhar outras modalidades e de conhecer as histórias menos convencionais. Escreve com acordo ortográfico.