Mauro Jerónimo: «Campeonato do Vietname é muito equilibrado, muito mais do que em Portugal»

    Mauro Jerónimo é um jovem treinador português de 36 anos de idade, que orienta o PVF-CAND, emblema que milita no segundo escalão do futebol do Vietname. Profundo conhecedor da realidade do futebol do país, o Bola na Rede convidou o promissor técnico a abordar a temporada na nação do sudeste asiático, que está a ter o seu começo nesta semanas, além de ter uma conversa sobre os objetivos da sua equipa.

    Bola na Rede: Em primeiro lugar, agradecer teres aceite o nosso convite. Como classificas o nível de futebol no Vietname, dentro do panorama asiático?

    Mauro Jerónimo: De nada, é um gosto estar aqui. No sudeste da Ásia, neste momento o Vietname é o país mais forte, em termos de ranking na FIFA. Nesse lugar do continente é a seleção que vai no primeiro posto. Se formos a englobar a Ásia como um todo, ainda estão uns passos bem atrás da Coreia do Sul, Japão ou Arábia Saudita. Creio que a China, que investiu muito no futebol na última década, para chegar perto dessas nações, está no nosso patamar, em termos de qualidade. Na última qualificação para o Mundial o Vietname ganhou por três bolas a uma, antes do Qatar. Porém, o país ainda uns passos bem atrás dos melhores, como a Coreia do Sul e o Japão, como já referi. Há várias razões para este fenómeno. Por exemplo, nesses países existe uma cultura de exportação de jogadores, que aqui não existe. Ou seja, metade de equipa da Coreia do Sul atua na Premier League e em outras ligas de topo. No Japão igual. Os jogadores destas nacionalidades saem muito cedo das suas nações, para outros países, que normalmente ficam na Europa. Aqui, culturalmente, estamos a falar de países com sistemas políticos distintos. Para se ter uma noção, mesmo que exista aqui um craque, não é fácil que esse atleta saia daqui. Os jogadores têm contrato desde os nove anos de idade até aos 26, o que quebra um pouco essa possibilidade de rumarem a equipas maiores. Para se competir com seleções mais fortes não basta ter uma liga forte internamente. Vejamos o exemplo de Portugal, a grande maioria dos atletas da seleção joga fora. Isso é algo que falta aqui.

    Bola na Rede: Ou seja, em termos de campeonato, a situação é semelhante?

    Mauro Jerónimo: Vai bater no mesmo que a seleção. No sudeste asiático é o campeonato mais forte, ali taco a taco com a Tailândia. Porém, se seguirmos o ranking da FIFA, o Vietname é mais forte. A Thai League 1 conta possivelmente com maior investimento. Aqui no Vietname só podes jogar com três estrangeiros [na Tailândia são permitidos mais alguns, mas do sudeste asiático]. Na Malásia vão quebrar esta regra, não vai existir mais este limite, a partir da próxima temporada. Aqui na Segunda Liga não podem jogar estrangeiros. Querem que o jogador nacional se desenvolva e jogue. Falamos de sistemas de organização ligeiramente distintos, mas a liga bate de acordo com as seleções. No sudeste asiático são fortes, mas no resto do continente há mais fortes. Na AFC Cup temos equipas a dar-se bem, mas na Taça dos Campeões, o Hanoi FC, perdeu os três primeiros jogos da fase de grupos. Perderam contra o Urawa Reds por seis bolas a zero, atuais campeões do Japão. A partir disto vês que há um desnível bastante grande.

    Bola na Rede: Quem consideras que são os principais candidatos ao título no Vietname?

    Mauro Jerónimo: São os suspeitos do costume. Há o Hanoi FC, poderá ser o Cong An Nhan Dan, que é a equipa da polícia de Hanói. Foram inclusivamente os campeões do ano passado. Depois existem duas ou três equipas que andam sempre no top 4, top 5, como o Becamex Binh Duong, o HAGL… Na última época o Becamex não esteve muito bem, mas normalmente estão lá em cima. Normalmente o Hanói FC é a equipa com mais capacidade, já que tem mais títulos nos últimos anos.

    Bola na Rede: Crês que é um campeonato equilibrado, ou que existe alguma disparidade?

    Mauro Jerónimo: É muito equilibrado. Muito mais equilibrado que em Portugal. Aqui a distância pontual entre as equipas é muito pequena. Desde o terceiro até ao décimo há uma distância pontual muito curta.

    Bola na Rede: É bom para a competitividade, neste caso…

    Mauro Jerónimo: Sim, o nível entre as equipas da Primeira e da Segunda Ligas é muito parecido. Não há uma equipa que tu olhes e que digas que é muito mais forte que as outras. O Hanoi FC é um pouco melhor, tem mais jogadores na seleção, mas vais ver os jogos e são bastante equilibrados.

    Bola na Rede: Quais são os jogadores que merecem destaque?

    Mauro Jerónimo: Na Primeira Liga está o Nguyen Quang Hai, que atuava no Pau FC, equipa do segundo escalão do futebol francês. Regressou ao país e joga na equipa detentora do título, o Cong An Nhan Dan. O único jogador que atuou na Europa nos últimos anos. É considerado um dos melhores jogadores desta geração do Vietname, mas tem sofrido algumas lesões. Estão a ocorrer as nomeações para o Melhor Jogador e Melhor Jogador Jovem. Ele está nomeado com o Hoang Duc, outro jogador sonante da seleção nacional. Para os jovens são dois atletas da minha equipa.

    Bola na Rede: Existe abertura para os estrangeiros no Vietname?

    Mauro Jerónimo: Na Primeira Liga tem um limite de três estrangeiros, quatro se estiveres na Taça dos Campeões ou a AFC Cup. Todas as equipas têm no máximo isto. Em relação aos treinadores há abertura, mas não para os europeus. Há abertura para técnicos vindos do Japão e da Coreia do Sul, principalmente desta segunda nação. A tendência nos últimos cinco anos é ir buscar técnicos lá, nem sempre os mesmos.

    Bola na Rede: Um pouco como o Brasileirão e os portugueses neste passado recente…

    Mauro Jerónimo: É mais ou menos isso. O último selecionador do Vietname era da Coreia do Sul e ele teve bastante sucesso. Depois é aquela velha história, se um treinador teve sucesso… como o caso do Brasil. Pensam que a filosofia vai ser a mesma, etc. Há um treinador da Bulgária, outro da Tailândia, outro do Brasil e creio que são apenas estes.

    Bola na Rede: Como são os adeptos no Vietname? São apaixonados?

    Mauro Jerónimo: São apaixonados por futebol, esta gente assiste muito a futebol. Porém, qual é a diferença? Tu sentes que há uma grande diferença quando as seleções nacionais jogam, não importa o escalão, mesmo com a seleção feminina, que jogou inclusivamente com Portugal no último Mundial. Quando o Vietname joga é inacreditável. Se jogarem em casa, o estádio tem mais de 60 mil pessoas e está sempre a abarrotar, isto de lugares sentados. Com pessoas que não estão sentadas ultrapassa esta número. Estás no teu apartamento, há um golo e sabes que foi golo, ouves o ruído na rua, nem precisas de estar a ver o jogo. Isto em jogos de qualificação para a Taça da Ásia ou para o Mundial, não estamos a falar de uma partida com outra importância. Nos clubes, quando cheguei há cinco anos, na Primeira e na Segunda Ligas tu sentes que não existe a mesma energia. Num jogo do campeonato vês 10 mil pessoas, o que não é nada mau, se compararmos com Portugal, que sem os Três Grandes, os estádios não têm muito mais. A paixão pela seleção é inacreditável. Nos últimos dois anos, pós COVID, tem crescido o número de pessoas a vir ao estádio. Também os estádios têm sido renovados. Na Primeira Liga os relvados são todos bons. Claro que não ao nível da Europa, a não ser onde eu jogo, que aí é de topo, nível europeu. Houve várias renovações nos estádios nos últimos dois anos. Sentes que há uma maior preocupação com a atração do público para vir. Mesmo os canais televisivos, há vários canais que transmitem os jogos, há aplicações para o telemóvel. Dá para ver que existe um interesse maior, há várias empresas a investir no futebol. São 100 milhões de habitantes, há uma grande possibilidade de negócio.

    Mauro Jerónimo a treinar o PVF-CAND
    Fonte: PVF-CAND

    Bola na Rede: Quais são os objetivos do PVF nesta temporada?

    Mauro Jerónimo: Em termos de resultados vamos tentar subir, é o que queremos, sabendo que somente sobe uma equipa diretamente. Este ano, o segundo faz um play-off com a equipa que fica em último lugar do escalão acima. Em termos de resultados é subir, mas depois temos uma série de outros objetivos que fazem parte do projeto da PVF, que é um pouco diferente das outras equipas. A PVF é um género do AFC Ajax ou de um FC Barcelona desta realidade. Ou seja, temos um plantel de 20 jogadores de campo, 15 são atletas formados na academia. Essa é a diferença. Historicamente, as equipas que sobem para a Primeira, nos últimos 10/20 anos, são equipas muito mais fortes que as outras. Nesses casos, houve um grande investimento, vão buscar jogadores da Primeira Liga, pagam mais dinheiro, formam uma equipa forte para subir, de modo a terem a certeza que ficam em primeiro. Se fossem dois lugares de promoção, mais um play-off, há uma margem de manobra. Quando só sobe um direto tens que ser quase perfeito em todos os jogos. O nosso projeto é distinto. Queremos ir para a Primeira Liga, mas não queremos ir como os outros clubes. Não fazemos um investimento financeiro comparado com os outros clubes. Mantemos os jogadores da academia, vamos buscar um ou outro jovem… O nosso jogador mais velho tem 30 anos. Todos os demais têm de 22 anos para baixo, malta muito jovem, temos inclusivamente um jogador com 17 anos. Queremos ganhar, mas sem perder esta essência. É um projeto a curto prazo, mas possibilidade de estender a médio prazo. Temos vários jogadores nos diversos escalões da seleção nacional e esse é parte do objetivo. Queremos subir, toda esta malta jovem vai ter ainda mais visibilidade e vão ter muito mais competitividade, porque vão jogar contra estrangeiros, é diferente. Queremos subir também por esse aspeto e também se conseguimos dar à seleção nacional o máximo de jogadores possíveis. Temos boas condições de trabalho, queremos desenvolver atletas e para estarem na seleção têm que estar na Primeira Liga.

    Bola na Rede: Em relação às suas caraterísticas como treinador, qual é o seu estilo de jogo?

    Mauro Jerónimo: Nos últimos anos, desde que estou aqui, tenho a minha filosofia, mas também temos uma filosofia como um todo, como um clube, que vai desde os sub-14 até aos sub-21. Tem que ser uma equipa pró-ativa, que tenta dominar a posse de bola, que tenta atacar o máximo de vezes possível, estar o mais longe da nossa baliza e mais próximo da adversária, criar o máximo de oportunidades possível para fazer golo. Aqui as pessoas adoram ver golos. O estádio parece que o estádio vai abaixo. Nós temos uma maneira de ver o futebol que acreditamos que para o jogador jovem progredir, desde as camadas jovens, para conseguir progredir a um nível para chegar ao nível internacional, como chegar à seleção, de uma maneira mais competitiva, já que a seleção nacional é o trabalho dos clubes, tem que seguir certas ideias. Nós temos essa visão de que a nossa filosofia de jogo da primeira equipa tem que dar a possibilidade de os jogadores tomarem muitas decisões, com bola e sem bola. Não estou a dizer que não existam jogos em que defendamos um pouco mais. Queremos que os jogadores atuem em todos os momentos do jogo de maneira eficiente. O objetivo é sempre ganhar, fazer golos e não sofrer, mas de uma maneira em que as pessoas venham ao estádio e se sintam bem. O futebol é um espetáculo, não nos podemos esquecer disto. Aqui as pessoas vêm ao estádio com as famílias, vão comer fora, o jogo é uma parte social, as pessoas têm que desfrutar e nós acreditamos, também para ajudar o Vietname a progredir, que a nossa proposta de jogo tem que ser atrativa e que os jogadores joguem a dois três toques, possam driblar, façam jogadas bonitas no último terço, combinações. Eu digo que se devem tentar criar sempre o máximo de ocasiões possíveis, não chutar a bola na frente para aliviar, somente se não existir mais nenhuma opção. Isto é a visão do clube como um todo, que por acaso coincide com a minha visão, daquilo que eu gosto do futebol. Por isso ainda estou cá há cinco anos.

    Mauro Jerónimo a treinar
    Fonte: PVF-CAND

    Bola na Rede: Para fecharmos, quer continuar o seu crescimento no futebol asiático? Ou está a pensar voltar para a Europa?

    Mauro Jerónimo: Eu costumo dizer que sou um treinador do mundo. Eu não coloco barreiras a países e continentes. Claro que há determinados sítios para onde não quero ir. Obviamente, contente asiático, europeu e sul americano são os que me atraem mais. Neste momento estou aqui na Ásia, sou um treinador jovem, tenho 36 anos, esta é a minha décima primeira época como técnico. Comecei muito cedo, tive essa sorte, mas ao mesmo tempo ainda sou jovem. Não estou a pôr uma meta que daqui a um mês tenho que estar ali ou acolá. A minha meta é diariamente saber que estou a evoluir o meu trabalho, que vejo que as equipas que estou a treinar conseguem jogar de uma determinada forma, conseguem ter bons resultados. No futebol se não tiveres bons resultados o teu trabalho é difícil de ser visível, esta é a infeliz realidade. Ao mesmo tempo, quero ganhar de uma maneira que me faça sentir bem. A minha meta é essa, que as minhas equipas ganhem, joguem bem. Quando aparecerem outras oportunidades, estar perto de casa é sempre apetecível, mas as condições que oferecem na Ásia são muito boas, não somente em termos financeiros, mas mesmo em infraestruturas de trabalho. As nossas infraestruturas estão ao nível dos grandes em Portugal, pelo menos onde eu estou a trabalhar. Isto faz-te sempre pensar, quando existe uma oportunidade, mesmo de voltar, como já existiram. Tem que se analisar bem, se é um projeto a curto, médio ou longo prazo. Eu gosto mais de projetos a médio prazo, sabendo que no futebol não existem muitos clubes que trabalhem assim, é quase tudo a curto prazo, tens que ganhar amanhã, mas tenho a minha mente aberta para um mercado que seja um nível competitivo bom, um país em que haja boas condições para trabalhar, caso isso não exista, não dá para evoluíres uma equipa nem a ti próprio. Dentro deste prisma, estou pronto para ir para qualquer lado.

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