Benfica | 10 anos depois da última final europeia

    Benfica

    Como foi caricata a eliminação do Benfica aos pés do Marselha, uma equipa perfeitamente ao alcance até dum Benfica que nunca se reencontrou com a sua versão anterior. Mesmo ao Benfica actual, com todos os seus defeitos e caprichos, bastaria um abanão para acordar e passar às Meias, onde não vai desde 2014. As derrotas sucessivas frente a Sporting impossibilitaram a mínima capacidade mental para lutar pelo derradeiro objectivo – e o melhor então é recuperar a última grande campanha na Liga Europa, onde à força de vontade se fez consistente na força da tática, outra possibilidade remota para a actual equipa.

    Aquele Benfica de Jesus, ressacado de títulos depois da trágica semana final de 2012-13, até nem começou bem a época seguinte mas foi-se reencontrando. Lá para o ínicio de Novembro, a última derrota. Da época? Ora, não foi assim tão mágico, mas quase. De 5 de Novembro a 26 de Março, 27 jogos, zero derrotas proporcionadas por umas inacreditáveis 17 clean sheets – Oblak, que, por alguma razão que só Jesus conhece, só se estreia a 15 de Dezembro, só sofreu… seis golos até Maio. A seguir a essa derrota a 26 de Março, mais cinco jogos seguidos sem sofrer golos, por exemplo.

    Às habilidades defensivas da equipa, a formidável perfomance na Luz, com Jesus invicto. Dos 57 jogos da época, só cinco derrotas – todas fora de casa. O treinador português não perdia desde Setembro de 2012 (Barcelona) e ficou sem perder até Setembro de 2014 (Zenit).

    Ao triplete caseiro faltou só juntar o ouro europeu. Falhou-se mais uma vez por razões do além, depois da imaculada caminhada que esmiuçamos a seguir. 

    16-avos de final

    PAOK – A favor do PAOK pouco se poderia argumentar. Só passara o Metalist na pré-eliminatória da Champions por decisão da UEFA, que castigara os ucranianos por corrupção; e o Schalke surgiu intransponível no Play-off, recambiando os gregos para a Liga Europa, lugar mais adequado às suas potencialidades. Pelos grupos passaram de forma tão imaculada quanto o AZ Alkmaar (três vitórias, três empates) – o Maccabi Haifa e o Shakhter Karagandy, rei do pouco tradicional Cazaquistão antes do domínio do Astana, ficaram felizes com a medalha de participação.

    O lendário Huub Stevens, treinador do século XX para os adeptos do… Schalke – por quem ganhou a Taça UEFA -, tinha à disposição muita gente competente mas talvez sem aquela pontinha de talento extra para conseguirem sobressair. Salpingidis, regular na selecção helénica pela banda direita, surgia muitas vezes como destaque individual, sempre pronto a servir “Klaus” Athanasiadis, ainda hoje melhor marcador do PAOK na Europa; Míguel Vítor impunha respeito na rectaguarda e a dupla Lino (brasileiro que andara pelo FC Porto e Académica) – Oliseh tentava encarrilar pela esquerda. O grande líder era Katsouranis, a antiga  figura benfiquista que foi ovacionado pela Luz quando se deixa expulsar aos 70’ da segunda mão, com 0-0 no placard. É da sua falta que nasce a panenka de Gaitán sobre a barreira. Aos 78 outro, um minuto depois mais um. Ficava um esclarecedor 3-0, agregando ao 0-1 do Toumba, onde nem o ambiente escaldante conseguiu incomodar um Benfica sem… sete dos titulares (Oblak, Garay, Siqueira, Fejsa, Markovic, Gaitán e Rodrigo) em Paços de Ferreira, uns dias antes.

    Oitavos de final

    Tottenham – Villas-Boas não resistira a copiosa lição de Brendan Rodgers, que a 15 de Dezembro foi ao carismático White Hart Lane com o seu Liverpool ganhar por cinco golos sem resposta. Entraria em cena Tim Sherwood, interino responsável pela transição até Pocchettino. O inglês, que de proveitoso do seu trabalho só se poderá tirar… a consolidação de Harry Kane na primeira equipa dos Spurs, seria uma das figuras da eliminatória, quando viu Jesus importunar-lhe o juízo por mais de que uma vez no jogo da primeira mão – o baile português chegou a tal ponto que Jorge Jesus, que venceria por 1-3 com bis de Luisão, festejaria o último golo apontando três dedos a um boquiaberto britânico. Antes já o havia provocado com uns binóculos, simulados com as mãos, enquanto dançava. O bate-boca esteve prestes a tornar-se pancadaria. E tudo se originou, supostamente, no acolhimento desrespeituoso com que Jesus foi brindado na chegada da comitiva encarnada ao estádio e nos instantes imediatamente antes da entrada em campo. O português engoliu o sapo e entendeu que castigaria o chico-espertismo com a ajuda da equipa, muitíssimo bem trabalhada por ele e com interprétes de excelência. Rúben Amorim, intransponível como ‘6’, assistira magistralmente Rodrigo para o primeiro golo mas avisava na flash interview que o Tottenham era capaz de fazer o mesmo em Lisboa.

    E tinha razão. Já mostrava aí os dotes de analista tático superlativo. Não que os ingleses tenham dado réplica idêntica, mas depois de resistirem às tentativas do Benfica em adormecer o jogo, começaram subitamente a jogar à bola – Nacer Chadli empata aos 78, faz 1-2 aos 80 e ficavam os ingleses à distância dum golo para provocar o prolongamento. Instalou-se o pânico na Luz, felizmente estava Oblak na baliza – defendeu três ou quatro bolas de golo – e só o penalty de Lima, já nos descontos, confirmou a qualificação. No rescaldo do jornal A Bola, avisava-se:  «Não perde mas convém lembrar que ainda não ganhou. Para desilusão já lhe chega o final da época passada. Se o Benfica quer repetir a presença na final, tem de alterar o chip mental com que defrontou o Tottenham na Luz»…    

    Quartos de final

    AZ Alkmaar – A 26 de Março, a primeira mão das Meias da Taça deu na primeira derrota benfiquista desde Novembro; e quatro dias depois do Dragão, viagem à Pedreira – onde se ganhou, por 1-0. Quase nem houve tempo para respirar fundo e outra viagem, até Alkmaar, a 3 de Abril: à espera estava Dick Advocaat, o globetrotter holandês que uns anos antes tinha assinado aquela obra-prima do Zenit vencedor da UEFA 2007-08. Gudelj, mais tarde sportinguista, aparecia no vértice mais adiantado do losango, apoiando-se à direita num imberbe Berghuis; à frente havia Roy Beerens, nome sonante dos Herenveens europeus. Havia pedigree tático e qualidade individual saliente, mas tanto Slovan Liberec como o já decadente Anzhi Makhachakla – foi nessa época que fechou a torneira – não ofereceram testes de relevo até aí. Jesus, ainda assim, foi prudente. A descansar ficaram só Oblak, Lima e Markovic.

    O Benfica mostrou que era de outro nível. Salvio não marcava desde o  1-1 em Newcastle na época anterior e cheio de vontade, em pontapé de moinho, deu outro ar ao intuito encarnado de marcar fora para confirmar em casa a superioridade, com outra descontracção. Infelizmente, correu tudo como planeado no agregado mas Sílvio, importantíssimo jogador de rotação pela exímia capacidade de fazer parecer que não há diferenças entre jogar à direita ou à esquerda, num lance casual em que se atrapalha com Luisão, as pernas encontram-se, e do reboliço resultou fractura da tíbia e perónio. A derradeira injustiça para quem já tanto tinha suportado. No auge da carreira e quando realmente tinha hipóteses, adeus Mundial do Brasil. E, como se percebe hoje, adeus carreira ao alto nível.

    Meia-final

    Juventus – O Benfica vence o Olhanense a 20 de Abril para confirmar o título mas no Marquês não se pode ficar até muito tarde, havia muito mais para ganhar: um dia antes dos Cravos, a Juventus vinha à Luz para tentar arrumar já tudo para conseguir ir à final, jogada no seu próprio estádio. No boletim clínico dos portugueses estavam Gaitán, Salvio, Fejsa e Artur, além do malogrado Sílvio. Tinha de ser na garra, que do outro lado havia uma constelação que faria 102 pontos na Serie A e um ano depois estaria na final da Liga dos Campeões (entre o onze da Luz e o de Berlim, onde não resistiram ao Barça do MSN, contam-se sete os repetentes).

    Ainda nem se tinham contado 120 segundos e já a Luz vinha abaixo, com uma cabeçada de Garay. Foi o ínicio arrebatador que decidiu tudo. A Juve,  a carburar no 3-5-2 de Antonio Conte, tomou conta do jogo – Enzo Pérez e André Gomes, por muito que tentassem, acabariam sempre engolidos por Marchisio, Pogba ou Pirlo – o mago italiano tinha dito, reagindo ao sorteio, que «lamentava» pelo Benfica. O estádio foi abaixo no golo madrugador e ia abaixo cada vez que o regista tocava na bola. De resto, uma tensão, o nervosismo geral dumas bancadas que percebiam a impotência da equipa. Ao empate de Carlito Tévez, perto do fim, respondeu o Benfica num esgar de frustração – sem olhar para a baliza, Lima apanhou-a à mão e traiu Buffon à lei da buja.

    O que se viu em Turim foi a mais bela demonstração do espírito de sacrifício duma equipa disposta a vingar as humilhações. À segunda oportunidade, a maioria daquela gente não ia desperdiçar a glória – soube-se sofrer, Enzo é expulso aos 67’, Garay sai lesionado perto dos 90’: é um Benfica reduzido a nove que aguenta 40mil tiffosi que já tinham marcado férias para os idos de Maio.

    Final

    Sevilha – O Sevilha tinha despachado o grande rival Bétis nos Oitavos, o Porto por 4-1 nos Quartos e tinha resistido a um Valência de remontadas nas Meias – os Che, depois de perderem em Basileia por 0-3, esmagaram no Mestalla por… 5-0; e depois de perderem em Sevilha por dois golos, estavam a ganhar 3-0 aos 93’. Num episódio que se tornou anedota recorrente na história de Unay Emery, alguém surgiu no derradeiro instante em missão de salvamento: foi M’bia, numa cabeçada depois dum lançamento lateral, a meter o Sevilha com a oportunidade de ganhar a terceira de sete Ligas Europas (ganhariam três de seguida até 2016). Ao lado do camaronês aparecia Daniel Carriço, protegendo José António Reyes, Rakitic e Carlos Bacca para se preocuparem maioritariamente com os afazeres criativos.

    Uma semana antes já estava ganha a Taça da Liga, quatro dias depois seria a Taça de Portugal: mas naquele 14 de Maio, o embalo motivacional não compensou tudo o resto. O Benfica chegaria à final sem Enzo, Salvio, Fejsa e Markovic, que na Meia-final andou metido numa confusão que não era a dele, feito coscuvilheiro, e pumba, viu o inglês Clattenburg levantar-lhe o vermelho como castigo. Sulejmani, a última das sérias opções para a ala, é atropelado aos 24 minutos e para o seu lugar entra André Almeida. Nada correu bem, o cansaço acumulou-se, a lucidez evaporou-se e a equipa nunca foi capaz de assustar uma equipa expectante, à Emery. Oitava final europeia perdida, sempre em circunstâncias estranhas, nunca na máxima força ou com os ventos a favor. Beto adiantou-se aos raciocínios de Cardozo e Rodrigo, dando um passo à frente para se assumir como o herói da final, como orgulhosamente destacaram na capa as publicações portuguesas.  

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    Pedro Cantoneiro
    Pedro Cantoneirohttp://www.bolanarede.pt
    Adepto da discussão futebolística pós-refeição e da cultura de esplanada, o Benfica como pano de fundo e a opinião de que o futebol é a arte suprema.