A anatomia da final da Taça da Liga e um corredor de ouro e prata | Benfica

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Depois de quatro duelos entre Benfica e Sporting ainda há muito para explorar e tentar surpreender. Na final da Taça da Liga Feminina, as águias tiveram de sofrer e de resistir para sair a sorrir e conquistar pela quarta vez (em cinco possíveis) a competição. As surpresas do Sporting – umas maiores que outras – condicionaram o jogo e a ala esquerda de Mariana Cabral obrigou a cuidados do Benfica – na direita e, consequentemente, em todo o campo – que levaram a uma estratégia mais conservadora a meias entre Filipa Patão e a incapacidade de sair.

Depois de um começo por baixo, o Sporting cresceu e foi o protagonista da primeira parte. Mariana Cabral surpreendeu com um onze altamente ofensivo e com poucas jogadoras com perfil mais defensivo. Defensivamente e na primeira fase de construção o Sporting apresentava-se entre o 4-4-2 e o 4-2-3-1 com Rita Fontemanha como central da direita, com laterais e extremos com volume ofensivo e Cláudia Neto a alternar entre a procura das costas das médios encarnadas e um posicionamento mais perto da linha defensiva do Benfica. No entanto, e partindo deste desenho base, o Sporting acabaria por conseguir obrigar o Benfica a baixar a pressão e construir a três com o corredor esquerdo em evidência.

Fátima Dutra, mesmo que lateral no plantel, comparta-se como uma ala de chegada à frente por fora e permitiu a Olivia Smith, principal revelação da temporada, ganhou asas para se infiltrar de fora para dentro e para procurar terrenos interiores. Na prática o 3-3-4 do Sporting queria baralhar as marcações individuais do Benfica com as médias a trocar constantemente de coordenadas e a última linha do Benfica a ser sobrecarregada.

Ter Olivia Smith por dentro – a arrastar de forma constante Christy Ucheibe – permitia também abrir espaço para Brittany Raphino atacar. A norte-americana tem limitações técnicas e ao nível da definição das zonas onde se desmarcar, mas tem capacidade física para vencer duelos e criar perigo. Faltou outro acerto nas decisões para o Sporting converter o volume ofensivo em golos. A compatriota Olivia Smith também conseguiu agitar por vezes e, especialmente, criar espaço e condições para as colegas ferirem, mas tal não aconteceu.

Carole Costa Benfica Brittany Raphino Sporting
Fonte: Luís Batista Ferreira / Bola na Rede

Qualquer estratégia terá uma reação num tabuleiro onde os peões são rainhas e esta vontade do Sporting foi também precavida pelo Benfica. Ter vantagem na linha defensiva e igualdade na linha média levou Filipa Patão a defender com cinco atrás, puxando Marie Alidou para controlar as subidas de Fátima Dutra e obrigando Christy Ucheibe a perseguir Olivia Smith por todo o campo (a resposta de Mariana Cabral na conferência de imprensa é elucidativa). Num 5-3-2 com encaixes individuais no meio-campo e duelos muito bem definidos defensivamente, o Benfica foi limitando o volume ofensivo do Sporting e defensivamente não passou por demasiados sobressaltos. Foi, aliás, um jogo sem muita baliza.

Por ser obrigado a puxar Marie Alidou tão atrás, o Benfica perdeu capacidade para ferir um Sporting que, com tanto balanceamento ofensivo, estava vulnerável atrás. Entre vários passes curtos demais ou longos em demasia, Nicole Raysla foi funcionando como opção em apoio, baixando para procurar ligar jogo e atrair uma das defesas do Sporting. No entanto, face ao conservadorismo atrás, a avançada brasileira não via grande seguimento às jogadas com as jogadoras demasiado afastadas para combinações curtas e sem ameaças à profundidade capazes de receber uma bola mais longa (também aqui o melhor é ler o que disse Filipa Patão, esclarecendo a manta de retalhos que, para cobrir atrás, deixou a frente descoberta).

As alterações do Benfica, nomeadamente a entrada de Chandra Davidson, deram certezas sobre a vontade de Filipa Patão em mudar o perfil do ataque e em conseguir ter uma jogadora mais veloz e capaz nas ruturas. Não sendo um lance de transição, o golo do Benfica – o único do jogo – é a anatomia das duas equipas.

Mariana Cabral assumiu as culpas pelo golo sofrido mesmo tendo o erro pertencido a Hannah Seabert. Procurou a sair a jogar como é apanágio do Sporting, mas acabou por entregar a bola a Kika Nazareth que tocou em Andreia Faria, numa fase em que o Benfica tentava pressionar mais alto. A criativa do Benfica, algo desaparecida em missões defensivas e em grandes corridas, definiu como sabe num lance que mostra o porquê de ser uma das melhores jogadoras do Benfica na época. Temporização, doseamento da força e eficácia para a bola chegar redondinha a Chandra Davidson que também dominou todos os timings da desmarcação. O resto foi história feita num jogo de xadrez que teve um golo recheado de ADN a atribuir a prata e o ouro.

BnR na CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

BnR: Com bola uma das estratégias do Benfica para superar a pressão do Sporting foi acionar a Nicole Raysla em apoio, mas raramente houve um contramovimento por dentro a atacar o espaço. Sente que ter a Jéssica Silva mais aberta e a Alidou como ala impediu saídas mais rápidas ou mais que a transição, o objetivo era guardar bola?

Filipa Patão: Estrategicamente o que nós quisemos com a Nicole foi ter uma jogadora que conseguisse fazer a posição de falsa 10, mas que tivesse o raio de ação e a capacidade de dividir o espaço entre as duas centrais. Por isso optámos pela Nicole, porque sabíamos que em apoio é uma jogadora com muita qualidade, também consegue aproveitar a rutura e ao mesmo tempo tem um raio de ação muito grande para conseguir dividir o espaço entre as duas jogadoras. Sabíamos que íamos precisar dessa divisão do espaço para manter a superioridade por trás e mantermos a igualdade por dentro. O que não resultou, para aquilo que trabalhámos e precisávamos, era a proximidade, como disse, das jogadoras que poderiam beneficiar desse baixar em apoio da Nicole. Tivemos muito pouca agressão ao último terço e às costas da linha defensiva do Sporting pela “preocupação” que as nossas jogadoras tiveram em conter as centrais do Sporting do que propriamente em conseguir ferir através daquele espaço que era criado. Foi isso que falámos ao intervalo, perceber que tínhamos de estar mais próximas, que tínhamos de ter mais ruturas e mais gente a agredir. As substituições também ajudaram a conseguir esse propósito. Sabíamos que a Jéssica [Silva] vinha de uma paragem e que fisicamente não estava a 100%. Estava a 100% no que toca a não estar lesionada, mas não traz a rotina para conseguir andar constantemente em acelerações. Lá está, e volto a repetir, preocupámo-nos muito com as laterais e não com o que fazer quando ganhávamos a bola. Modificámos isso, ganhámos um pouco mais de critério nas nossas saídas na segunda parte, onde críamos mais perigo. Ainda assim numa primeira parte não tão bem conseguida como desejávamos, conseguimos ter duas oportunidades claras para fazer golo. Na segunda parte voltámos a falar do que precisávamos de fazer, trocámos algumas peças, demos “sangue fresco” no jogo e conseguimos ter o ataque à profundidade que desejávamos e estar mais vezes em criação como gostaríamos. Deixar também um apontamento à capacidade de sofrimento e de resiliência que estas jogadoras tiveram porque um plantel que leva mais 13 jogos que o adversário conseguir fazer o que elas fizeram aqui e manter a intensidade é de louvar e dar os parabéns. Elas e nós sabemos o que está a custar esta fase final de época, temos muitos jogos, muita acumulação de cansaço mental e físico, mas isso não serve de desculpa e serve sim para nos reorganizarmos e para definir a estratégia ideal para este momento para termos sucesso. Elas estão de parabéns.

BnR: Ofensivamente o Sporting procurou uma dinâmica assimétrica com a Fátima Dutra a projetar-se à esquerda e a Olivia Smith a infiltrar de fora para dentro, arrastando permanente uma defesa do Benfica. Qual a importância de ter a norte-americana por dentro e qual o impacto desta dinâmica no volume ofensivo do Sporting?

Mariana Cabral: Sabíamos que o Benfica marcaria individualmente as nossas médias, como faz sempre, e se não nos permite ter tanta bola elas têm de se movimentar muito para ter bola. A Olivia [Smith] é uma jogadora de excelente qualidade e que é marcada individualmente pela [Christy] Ucheibe. Se a Olivia for para a esquerda a Ucheibe vai para a esquerda, se for para a direita a Ucheibe vai para a direita, se for para o meio a Ucheibe vai para o meio, se for à casa de banho a Ucheibe vai com ela. Portanto, sabíamos que isso ia acontecer e efetivamente tínhamos a [Fátima] Dutra a subir pelo corredor para ganhar essa vantagem. Acho que a conseguimos aproveitar algumas vezes, mas não conseguimos chegar ao golo. Na segunda parte a Dutra já estava com algumas dificuldades físicas e tentámos aguentar ao máximo porque já tínhamos feito uma paragem devido à lesão da Jacynta Gala no início do jogo e só tínhamos duas paragens na segunda parte. Chegando a uma altura em que podíamos ir para prolongamento, e não podendo fazer mais uma substituição no prolongamento, tínhamos de controlar um bocadinho as substituições. Depois acabámos por tirar a Dutra, mas sim, era efetivamente isso que estávamos a tentar fazer.

Diogo Ribeiro
Diogo Ribeirohttp://www.bolanarede.pt
O Diogo é licenciado em Ciências da Comunicação, está a terminar o mestrado em Jornalismo e tem o coração doutorado pelo futebol. Acredita que nem tudo gira à volta do futebol, mas que o mundo fica muito mais bonito quando a bola começa a girar.

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