O Chile inteiro parece ter entrado pelo Estádio Nacional Julio Maríntez Prádanos adentro. As bancadas coloriram-se do vermelho e branco das milhares de bandeiras chilenas ferverosamente agitadas por um público que viveu esta Copa América como o momento histórico que a competição, de facto, constituiu para um povo que, não fugindo à regra sul-americana, vive o futebol de uma forma que só entusiastas do desporto-rei conseguirão entender.
O hino argentino foi assobiado, o chileno cantado… perdão, gritado, a plenos pulmões, com uma entrega que se esperava contagiante, das bancadas para o campo.
O Chile, embalado pelo fervor das bancadas, começou melhor o encontro, pressionante sobre a área argentina, à medida daquilo que vinha fazendo contra os adversários que teve pela frente até à final, não se atemorizando pelo nome do adversário, anulando com determinação e, até, alguma agressividade as intenções contrárias (Vidal e, sobretudo, Aranguíz importantíssimos neste capítulo, auxiliando o “joker defensivo” chileno, Marcelo Díaz, que tanto fez de trinco como central quando os laterais subiam no terreno) de forma a lançar um ataque caracterizado pela abundância – de homens e talento. O primeiro lance de perigo ilustrou isto mesmo, culminando com um remate de Vidal a causar dificuldades ao guarda-redes argentino, Sergio Romero.
A Argentina só conseguiu reagir por bola parada – livre batido por Messi, cabeceamento de Aguero e defesa apertada de Claudio Bravo. O ataque organizado alviceleste ia sendo, portanto, neutralizado, e as coisas ficaram ainda piores quando Angel Di María se lesionou (entrou Lavezzi). Tomando conhecimento da superioridade chilena, a Argentina reorganizou-se (Pastore, Lavezzi e Messi vieram mais atrás buscar jogo, Rojo e Zabaleta deixaram de subir tanto) e não permitiu tanta posse ao adversário, conseguindo, até, ganhar algum terreno com esta mudança estratégica, exibindo-se em bom plano nos últimos quinze minutos do primeiro tempo, culminados com um bom lance de envolvência ofensiva – Lavezzi lançou Pastore no flanco esquerdo, Messi e Aguero deslocaram a marcação, deixando espaço para o “inventor” da jogada rematar para uma boa intervenção do guara-redes chileno.
A segunda parte trouxe mais do mesmo daquilo que se foi vendo na primeira meia hora de jogo, com o Chile a tomar o controlo do encontro, tendo como “capitães” da batalha do meio-campo Aranguíz e Marcelo Díaz, a oferecer mais posse de bola ao ataque chileno e “secando” completamente o ataque argentino. As situações de perigo criadas por La Roja, porém, eram escassas, apesar da vontade – Sanchez roubou a bola a Otamendi após uma má recepção do central do Valência nos primeiros segundos de jogo, mas isso apenas resultou num cruzamento para um cabeceamento inofensivo de Vidal à figura de Serigo Romero.
Até ao final do tempo regulamentar, a intensidade mantinha-se, mas a bola ia passando cada vez menos pelas extremidades do terreno de jogo, algo a que não estaria alheio o medo de não perder perante a proximidade do prolongamento. Ainda houve espaço, porém, para mais duas oportunidades de perigo – Sanchéz, num remate espectacular, de primeira, atirou ao lado da baliza de Sergio Romero, e Higuaín concluiu um contra-ataque argentino, lançado por Messi, com um remate à malha lateral da baliza chilena naquele que foi o último lance de perigo do tempo regulamentar.
O prolongamento não trouxe muito ao jogo, revelando fragilidades físicas esperadas de ambos os lados (embora o Chile estivesse mais fresco tanto pelo facto de não ter esgotado as substituições como pelas 24 horas a mais de descanso entre a meia-final e o jogo decisivo) e heróis da entrega, como Zabaleta, que emendou um erro de Mascherano, indo incomodar ao flanco direito (!!!) um remate perigoso de Alexis Sanchez, que não saiu conforme o atacante desejaria por força da intervenção do lateral do Manchester City, naquela que foi a única oportunidade de perigo do tempo extra.
Nos penalties, Higuaín e Banega falharam e coube a Alexis Sanchez a decisão de dar o primeiro título da história do Chile. Não era o tudo o nada da La Roja, mas entre a marca dos onze metros e a baliza de Romero estava, então, a distância de se agarrar uma oportunidade única – o Chile atuava perante os seus adeptos e tinha à sua disposição a selecção mais talentosa de sempre. Alexis avançou para a bola e, fervilhando nas suas veias uma mistura de loucura e frieza, executou, devagar, um penalti que colocou em suspenso toda a nação chilena mas que terminou no fundo das redes e significou um dos momentos mais felizes desta nação.
Um penalti que fez parar a respiração de um país inteiro, momentos em que a história ainda não se tinha escrito e a alegria ainda não tinha tido autorização para se soltar. Segundos que duraram horas, todos eles angustiantes, mas que, no fim, valeu a pena suportar.
O futebol tem destas coisas… apaixonantes.
Figura do Jogo: Charles Aranguiz – Foi o principal responsável por travar um dos melhores ataques do mundo em selecções. Pareceu omnipresente, desdobrando-se em desarmes um pouco por todo o terreno, nunca se desorganizando. Foi o capitão da batalha do meio-campo ganha à alviceleste e que permitiu ao Chile alcançar a superioridade na posse de bola, fundamental para neutralizar o ataque argentino e manter a confiança chilena na conquista da Copa América. No prolongamento, manteve a entrega e revelou uma enorme disponibilidade física.
Fora-de-jogo: Javier Pastore – Pastore não teve, propriamente, a exibição mais pobre da carreira, mas esteve muito apagado durante a partida e, apesar de ter pela frente um batalhão de incansáveis (sobretudo Aránguiz), exigia-se mais intensidade e entrega ao avançado do PSG.