A final da Taça de Portugal é um jogo único. Pelo ambiente, pela natureza da própria competição e, acima de tudo, por ser um jogo que começa do zero. O Sporting campeão nacional defrontava o FC Porto em pé de igualdade mesmo que, há uma semana, fossem 18 os títulos que separavam os dois clubes.
O FC Porto entrava em campo exatamente como o Sporting. O passado colocava as cartas em cima da mesa: os dragões precisavam de vencer para resgatar uma época abaixo das expectativas; aos leões, a Taça de Portugal era a cereja no topo de um bolo construído com 34 jornadas de superioridade clara e inequívoca e o sonho de conquistar a dobradinha. Passado que, quando soou o apito inicial, foi deixado para trás.
Antes do jogo um “rebentamento” que desse lugar a uma (ou mais) “cervejinhas” foi dominante. Com a bola a rolar, rapidamente se percebeu que esta superioridade tal que permita falar em inoperância do outro lado era uma miragem. E que, também por isso, qualquer cerveja no fim do jogo fosse mais saborosa. O presente ditou-nos um interessante confronto tático disputado a cada duelo, a cada toque na bola.
Rúben Amorim lançou os dois alas com perfil mais ofensivo do plantel. Nuno Santos e Geny Catamo coexistiram em campo, miragem rara quando feito o retrato da temporada e ainda mais distante ao pensar nos jogos contra adversários deste nível. O Sporting queria alargar o campo ao máximo e criar espaços para entrar por fora, com os dois alas a chegar a zonas de cruzamento, ou por dentro, aproveitando esse espaçamento para acionar os jogadores mais criativos ou permitir aos médios entrar de rompante.
O FC Porto respondeu com uma linha de 6 que exigia a Wenderson Galeno e a Francisco Conceição a tarefa de criar superioridade na última linha. Foi a primeira resposta de Sérgio Conceição a Rúben Amorim. Com tantos jogadores na última linha defensiva, o Sporting teria espaço para aproveitar até lá chegar. Sem ser uma defesa em bloco baixo, ter mais de metade da equipa alinhada criava, necessariamente, espaço noutras zonas do terreno.
O FC Porto variava o desenho da pressão. Abdicar dos extremos em alturas mais subidas, obrigava a um trabalho de coordenação dos jogadores que pressionavam os defesas e médios do Sporting. Entre um 6-3-1 e um 6-2-2 com Pepê a dar ordem para subir o bloco e pressionar os centrais ou para ficar nas posições e controlar o espaço. O brasileiro foi fundamental na difícil tarefa de controlar os movimentos de Pedro Gonçalves.
Sabendo que o FC Porto controlava a largura, Pedro Gonçalves assumiu-se como o principal desequilibrador do Sporting, desencaixando da última linha e procurando as zonas de ninguém, tentando receber sem oposição para ver o jogo de frente. Entre Pepê, João Mário e Francisco Conceição, os dragões foram definindo a melhor maneira para impedir o português de receber e de dar sequência ao jogo do Sporting.
Entre as interessantes batalhas que iam acontecendo ao longo do campo, foram três erros individuais que traçaram o caminho para a resolução do jogo. Todos eles sintomáticos de méritos ou deméritos de FC Porto e Sporting.
Sem ter tanta bola, o FC Porto conseguiu ameaçar várias vezes o Sporting nos primeiros minutos. Recuperando o esférico, chegava rapidamente à frente e procurava colocar a bola nas costas dos defesas. A hesitação de Diogo Pinto mostrou desde cedo que o pote de ouro estava nessa zona de ninguém e Wenderson Galeno, Pepê e Evanilson procuraram ser opção no espaço em diagonais mais curtas ou mais longas, dependendo da altura do terreno. E foram cruciais nos dois lances capitais da primeira parte.
Uma diagonal curta de Evanilson aproveitou uma má receção de Geny Catamo para empatar a partida, já depois de Jeremiah St. Juste se superiorizar a todos na área do FC Porto. Ao lançar dois alas mais ofensivos, Rúben Amorim teve de tomar uma opção no momento defensivo e escolheu Geny Catamo para fechar a linha defensiva à direita no 4-4-2. O moçambicano, nada habituado a receber em terrenos tão recuados e interiores, falhou a abordagem e entregou a bola a Evanilson que não tremeu.
Cinco minutos depois, e numa diagonal muito mais longa, Wenderson Galeno ganhou as costas da defensiva do Sporting e arrancou em direção à baliza. O GP do Mónaco já tinha finalizado, mas a medalha da velocidade foi disputada a milhares de quilómetros, no Estádio do Jamor. Entre Jeremiah St. Juste e Galeno ganhou o brasileiro que colocou o FC Porto a jogar com mais um durante 60 que se tornaram 90 minutos. Mais um lance em que os dragões souberam aproveitar um erro individual.
O jogo mudou de figura, Sérgio Conceição lançou Mehdi Taremi ao intervalo e colocou Pepê como lateral direito. Estava dado o mote para os dragões se instalarem no meio-campo adversário com menos perigo e ameaça do que se poderia prever. Os melhores jogos da era Conceição no Dragão foram sempre contra equipas que se propuseram a disputar o jogo. Pelo papel estrategista no desenho da pressão e pela capacidade de aproveitar espaços, o FC Porto é melhor quando não tem de penetrar blocos baixos. E foi esse o cenário da segunda parte.
Francisco Conceição cresceu como agitador – ou, como Roberto Martínez diria, um “espalha-brasas” – e o FC Porto continuou muito ativo pelo corredor direito. O extremo já não tinha o apoio de João Mário e o FC Porto procurou reforçar a concentração de jogadores no corredor central. Além de Mehdi Taremi, como referência a prender os centrais, Evanilson e Pepê continuaram a procurar atacar as costas da defesa em diagonais muito curtas. As oportunidades foram aparecendo a um ritmo escasso e sem grande perigo com a competência e coesão do Sporting a superarem as artimanhas do FC Porto.
Foi já no prolongamento, e numa altura em que o Sporting resistia como podia, que o terceiro erro individual definiu o jogo. A segunda parte de Diogo Pinto foi de grande nível e consistência. É um guarda-redes que se sente, neste momento da carreira, mais confortável entre os postes que fora deles. Depois de hesitar nas saídas na primeira parte, foi com convicção que o guarda-redes escolheu a pior altura para sair. A bola estava longe da baliza, numa posição lateral e com proteção suficiente na área, mas Diogo Pinto saiu mal, acertou em cheio em Evanilson e deu grande penalidade. Mehdi Taremi despediu-se, quatro temporadas depois, com um golo que deu uma Taça. Nota para Diogo Pinto: as circunstâncias colocaram a final da Taça de Portugal como o primeiro teste de fogo ao guarda-redes, apenas a terceira opção (e quarta, se considerarmos Diego Callai, titular da equipa B na primeira volta). Nunca será o culpado de nada.
Com 90 minutos em inferioridade numérica, o Sporting nunca esteve fora do jogo, nem mesmo quando em desvantagem no marcador. Há uma mudança estrutural em curso no clube de Alvalade que, tendo os estímulos certos, continuará a crescer. Contra o FC Porto, foram as bolas paradas a ameaçar. Diogo Costa agigantou-se por duas vezes em intervenções de grande complexidade – os reflexos foram decisivos – e segurou a vantagem. Há muito trabalho feito pela equipa técnica de Rúben Amorim, quase sempre conseguindo colocar um dos centrais em condições para atacar a bola no segundo poste.
Em bola corrida, notou-se a inferioridade numérica. O Sporting ajustou em 5-3-1 e perdeu a ameaça entrelinhas dos extremos, passando a depender de um jogo mais direto a procurar Viktor Gyokeres. Otávio e Zé Pedro – sem ser um central fora de série, fez uma temporada regular e foi capaz de levar Viktor Gyokeres para o pior pé – foram controlando as investidas do sueco com maior ou menor facilidade. Rúben Amorim trocou os alas, mais fortes e talhados para o momento defensivo, e foi Eduardo Quaresma quem ofensivamente mais acrescentou. Não tem medo de transportar a bola nem de conduzir, tem capacidade técnica para superar adversários e recursos para jogar a alta velocidade. Foram válvulas de escape dos leões.
O apito final deu tempo para pensar o futuro. Rúben Amorim vai continuar no Sporting, mas deu pistas sobre o futuro. Fazer pequenos ajustes no modelo de jogo dos leões tem sido fundamental para a evolução competitiva do Sporting. O técnico dos leões confirmou que os dois alas ofensivos em simultâneo será uma das perspetivas em aberto para a próxima temporada onde o Sporting quererá ser ainda mais dominador. Quem fará as coberturas dos alas e qual o jogador mais talhado para fechar a linha defensiva ou a linha média são questões a ser respondidas na próxima temporada que pode trazer mais surpresas ou variações. É também quase certo que vai chegar um novo guarda-redes com outra capacidade para controlar a profundidade e de saída da baliza.
Mais incerto é o futuro do FC Porto. A decisão da continuidade (ou não) de Sérgio Conceição já foi tomada e deverá ser conhecida nos próximos dias. O discurso do técnico deixa espaço para antever uma saída, mas mesmo a permanência terá um impacto diferente das transições nas últimas temporadas. Em qualquer dos casos é mais uma temporada que Sérgio Conceição não termina com as mãos a abanar.
BnR na CONFERÊNCIA DE IMPRENSA
BnR: Antes de mais muitos parabéns pela conquista da Taça de Portugal. Na primeira parte o Porto atacou muito pelo lado direito com o Francisco Conceição suportado pelo João Mário e o Pepê e o Evanilson em constantes ruturas a atacar a última linha. Ao intervalo abdica do João Mário, e o Pepê passa a funcionar como um lateral direito muito por dentro, mantendo esta função das ruturas com o Evanilson. Ter um ponta de lança sempre a prender os centrais compensou deixar o Francisco Conceição com menos apoio e qual a importância do Pepê funcionar como elemento a mais por dentro?
Sérgio Conceição: Foi uma boa análise da sua parte. Não sei se esteve a estudar depois do jogo, mas foi uma boa análise. Na primeira parte, até à expulsão… o que originou a expulsão foi isso. Atrair do lado da bola e do lado contrário à bola explorar aquilo que é a última linha do Sporting. Acho que não foi por sair um jogador e entrar outro. Acho que o Francisco Conceição, o Galeno, o Gonçalo Borges, os nossos alas desequilibram com grande facilidade e chamam a eles no mínimo uma cobertura. E se nós tivéssemos feito aquilo que fizemos na primeira parte mas com mais espaço, ou seja mais longe da baliza adversária, teríamos mais espaço para atacar e seríamos mais eficazes. Quando nos faltou esse espaço tivemos mais algumas dificuldades. Até porque o Nico estava a levar mais um homem do Sporting para aquela zona e nós termos o Pepê por dentro era exatamente para continuarmos a fazer esse tipo de movimentos a romper por dentro com o Francisco Conceição por fora. Uma ou outra vez conseguimos. Não dessa forma, mais pelo corredor central com o Evanilson. Muito da estratégia ofensiva passou por ter esta postura para criar dificuldades e explorar aquilo que eu acho que são algumas das fragilidades do nosso adversário.
BnR: Hoje o Sporting jogou com dois alas com perfil mais ofensivo, mas manteve uma estrutura defensiva muitas vezes em 4-4-2 com Nuno Santos na linha média e o Geny Catamo a fechar a linha defensiva à direita. Qual o motivo da escolha do ala em cada posição e as entrada do Esgaio e a passagem do Quaresma para o corredor deveram-se à necessidade de ter jogadores mais capazes no momento defensivo?
Rúben Amorim: Foi de frescura. O Geny vem de lesão, já estava muito cansado. Nunca pudemos jogar com os extremos, estávamos sempre baixos e tinha de ter capacidade para carregar bola. O Eduardo Quaresma é muito bom nisso. Também porque o Taremi entrou e o Francisco Conceição estava sempre a vir com a bola para dentro e cruzar para o segundo poste. Entrando o Diomande e o Quaresma, limitávamos muito essa capacidade. O Nuno Santos já não aguentava mais, é uma posição muito exigente. Em relação aos dois alas, acho que é o caminho do Sporting: jogar com três defesas e dois alas. Acho que o foco poderá passar por aí no próximo ano.