Há uma primeira vez para tudo. Para Portugal, foi a primeira vez de ser favorito, de ser melhor e de ganhar (muito mais) do que perder. Descer à Liga das Nações foi um passo atrás que, bem sustentado, permitirá continuar a crescer e dar mais passos em frente.
A sensação não era propriamente nova. Afinal, Portugal já se estreou num Europeu, já deu a volta ao mundo para jogar um Mundial e já esteve entre as melhores da Europa na Liga das Nações. Ainda assim, nunca Portugal tinha tido um estatuto tal de favorito que, depois de cinco vitórias em seis jogos, se tenha dado só luxo de lamentar os pontos desperdiçados num encontro de características singulares e atípicas.
Nos seis jogos da Liga das Nações, Portugal entrou como favorito. Nem o relvado na Irlanda do Norte ou a temperatura a fazer lembrar o futebol de areia e chinelo de dedo que se fazia sentir na Bósnia e Herzegovina mudaram este estatuto. E, em campo, verificou-se isso mesmo.
Foram cenários, e Francisco Neto admitiu-o no final do encontro, praticamente desconhecidos. Não para as jogadoras, já no topo do futebol e habituadas a ter de, habilmente, desbloquear jogos fechados, penetrar espaços inexistentes ou contar as 11 adversárias resguardadas atrás da bola. Mas para uma dinâmica coletiva habituada a ter de correr para ter bola, a dividir jogos e a ter nas etiquetas das camisolas o rótulo de adversário chato de defrontar, foram cenários diferentes.
A transição está lançada. O losango com que Portugal cresceu e saltou etapas está, cada vez mais, deixado para segundo plano. O novo Portugal, que está a aprender a desbloquear blocos baixos e a não ter de se preocupar para ter bola, mas sim no que fazer com ela, mudou e joga neste novo 3-5-2 com ajustes no meio-campo capazes de inverter o triângulo e com perfis diferentes na frente.
Contra Malta, Francisco Neto ganhou algumas certezas. Carole Costa, resistente no onze, é imperativa como referência central de uma linha defensiva que agora junta três (ou cinco jogadoras). Catarina Amado voltou a destacar-se como ala direita, jogando a pé natural e sem ter de parar para cruzar. Na estreia, Stephanie Ribeiro marcou e mostrou pormenores interessantes de avançada com sentido de baliza, quer com diagonais e ruturas a atacar a última linha, quer pela naturalidade com que toca a bola dentro da área e procura o golo. Entre as muitas rotações, há um caminho interessante para seguir.
Portugal vai continuando a superar etapas e a crescer como seleção. Numa altura atípica, o mercado continua a dar sinais de crescimento (Tatiana Pinto, Kika Nazareth, muito provavelmente Telma Encarnação) e, mesmo que haja um abrandamento natural, será muito difícil ver o crescimento estagnar. O Euro 2025 é o próximo passo e, qualquer que seja o resultado que não a viagem à Suíça, será uma desilusão. E ainda bem que assim é.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Tem sido cada vez mais comum vê-la como defesa central, à direita num sistema de três defesas. Hoje joga como ala, quais os maiores desafios do ponto de vista tático que traz esta posição em comparação com a defesa central?
Ana Borges: Tanto eu como qualquer jogadora quer é jogar, independentemente da posição. Já fui extremo, já fui avançada, já fui central, já fui lateral, ou seja, as posições não são muito diferentes. Como ala, tanto estamos a atacar como estamos a defender. Não é uma posição que me seja desconhecida
Bola na Rede: Terminada a fase de grupos na Liga B, e em jeito de balanço, desde o início que se percebeu que Portugal teria desafios diferentes, tendo de assumir o protagonismo com bola e enfrentando defesas mais fechadas. Ao fim de seis jornadas, quais os pontos em que Portugal taticamente mais cresceu e que lições tira destes jogos com características bem diferentes aos da Liga A?
Francisco Neto: Crescemos numa estrutura nova, numa dinâmica nova. Aproveitámos e criámos o nosso 3-5-2, a dinâmica do nosso 3-5-2 mantendo os princípios que tínhamos no nosso 4-4-2 losango. Conseguimos ter um jogo que nos dá um leque maior para o playoff em função dos adversários, em função daquilo que forem as nossas decisões táticas e consolidar em jogo duas estruturas táticas completamente diferentes. Temos 6/7 anos de consolidação do 4-4-2 losango e agora já é o oitavo jogo consecutivo nesta estrutura no 3-5-2. É verdade que ainda precisamos de um adversário muito forte para nos testar e desafiar no 3-5-2 em organização defensiva porque ainda não foi posto em prova. Temos noção disso, por isso sem dúvida que isso foi uma grande mais-valia. Depois também o reconhecimento de quando as equipas nos retiram espaços. Houve jogos que foram melhores que outros, mas é normal, porque nós não estávamos muito habituados em contexto de seleção. Há já muito tempo que andávamos a jogar com equipas acima de nós no ranking. O estímulo de jogar contra equipas que te retiram o espaço entrelinhas, a profundidade, com muita gente atrás da linha da bola, encontrámos muito pouco nos últimos anos. Optámos por outro caminho que foi sempre que tivemos amigáveis jogar contra nós no ranking e faltávamo-nos esse estímulo, por isso está Liga das Nações foi boa. Para nos dar melhores ideias de quais são os espaços que podemos atacar, em que momentos, que tipo de jogadoras se adaptam melhor a este tipo de jogo e não, quem toma melhores decisões neste espaço reduzido. Esta Liga das Nações foi boa para testar essas alterações táticas.