O futebol de formação na sua essência

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Como o leitor mais atento do Bola na Rede já percebeu, sou um dos redactores do espaço Porto neste sítio, com alguns textos também no âmbito da “Carta Aberta a…” ou “Jogadores Que Admiro”. Porém, fui desafiado pelo diretor-geral do BnR a partilhar um pouco da minha experiência enquanto treinador de formação de futebol, quer no âmbito competitivo, quer no âmbito apenas lúdico.

Para isso, tenho de fazer uma pequena introdução sobre mim e sobre o meu trabalho, para que o leitor possa enquadrar-se na realidade da qual estou a falar. Tenho 23 anos e o curso de treinador de futebol – UEFA B (nível I) desde os meus 17 anos (no qual fui o mais novo formando nesse curso), entre várias formações de treino de guarda-redes, futebol em geral ou até de psicologia no desporto (uma área incrivelmente interessante!). Nesse contexto, e durante estes últimos 6 anos, estive sempre ligado ao futebol enquanto treinador (1 ano infantis do CCD Bairro da Conceição, Escola do Benfica de Beja, Geração de Génios – Faro e caminho para a minha 3.ª época enquanto treinador da formação do Sporting Clube Farense) e tive a oportunidade de aprender junto da formação do Real Betis Balompié (“Betis de Sevilha”) ou do Vitória Sport Clube (“Vitória de Guimarães”).

Tudo isto em escalões competitivos e não competitivos, mas todos ligados à formação. Fora da formação fiz ainda parte da equipa técnica de Sub-23 do Sporting Clube Farense (equipa entretanto extinta). Actualmente, divido o meu tempo entre universidade e duas equipas: 2009 (6 anos – não competitiva) e 2006 (9 anos – competitiva). Apresentações feitas, passemos ao real motivo deste texto.

Para mim, quando falamos de formação, falamos em algo muito mais abrangente que o próprio futebol, e desde logo não me sinto “treinador” ou “mister” de meninos de 6 anos,  vejo-me muito mais como um professor, alguém que está dia-a-dia a trabalhar para que, além das acções coordenativas que esperamos que os pequenotes aprendam, da introdução das regras do futebol e do objectivo gradual de evoluírem do “1×1” para “3×3” e finalmente para o futebol de “5×5”, também possam aprender regras e valores que são muito importantes nesta fase de crescimento.

Não falamos, portanto, de um “regime militar” mas sim de um aquisição de normas que devem ser seguidas para que todos se sintam parte de um grupo, de uma equipa. E nisto, dentro da minha forma de trabalhar, encaro os pequenotes como pequenos-adultos, e regi-me sempre por 3 regras: 1- quando alguém fala, ninguém mais fala; 2- se alguém quiser falar, levanta o dedinho e espera por autorização do professor e 3- quando o professor apita, ninguém continua a dar chutos na bola. São 3 regras simples e de fácil percepção para as crianças, fazendo com que se sintam adultas ao mesmo tempo que implantamos alguma autoridade e controlo entre eles, pois reservo-lhes o poder de me chamar também a atenção se eu desrespeitar alguma das regras.

Desde a minha chegada ao Sporting Clube Farense sempre me identifiquei com os pressupostos que passam pela formação: “FORMAR. Ganhar 20-0 é algo que não passa pelos principais objectivos, é preferível em certos jogos utilizar os jogadores que se calhar têm um pouquinho mais de dificuldade em relação aos colegas de equipa, de forma a motivá-los e mostrar que todos contam. Outra coisa, a importância da derrota e o saber perder também está incutido no espírito dos treinadores: mentalizar desde cedo que os homens se vêem nas derrotas torna qualquer criança mais forte e mais sensível à humildade na hora de saber ganhar.Este último parágrafo foi retirado de uma entrevista que concedi o ano passado ao blog “distritaldebeja”, mas que me parece que transmite bem aquilo que pretendemos dos nossos pequenotes. É importante perceber que falo apenas do futebol de formação, pois a base piramidal continua a ser aquela que move e moverá o futebol e o desporto no geral: uma grande base cria as condições para aqueles que realmente num futuro tenham apetência e condições claramente superiores possam, talvez, singrar e serem jogadores de um outro patamar. E nisto posso acrescentar que na formação do Sporting Clube Farense vemos os nossos treinadores da formação (até ao escalão de infantis) com “plantéis” compostos por uma média de 25/30 jogadores.

É mais difícil de trabalhar? Sim. Mas é mais desafiante e sentimos que estamos realmente a fazer um bem maior à sociedade e ao futuro de meninos que acarretam o lema “És de Faro, és Farense” e sonham poder vestir a camisola de leão ao peito. Posso ainda acrescentar (devidamente autorizado) que o regulamento do nosso clube prevê a formação de duas equipas por escalão e, dentro daquilo que é a nossa linha de pensamento, dar a oportunidade igual a todas as crianças, tendo também em conta que existem sempre 4/5 meninos que se destacam e que, naturalmente, acabam por jogar um pouquinho mais.

E nisto olhamos para as equipas em redor da nossa cidade e deparamo-nos com duas tristes realidades: equipas que não aceitam certos meninos com mais dificuldade pois o lema é “ganhar e golear a todos custo” e vemos outras que não conseguem sequer formar um escalão por falta de jogadores, pois os pais preferem ver o filho jogar menos mas estar no Farense a ir para um clube de uma dimensão um pouquinho menor mas jogar o dobro ou o triplo do tempo e assim equilibrar o acentuado diferencial que vemos entre certas equipas. Mas a culpa não é das crianças, e vou agora abordar aquele que é, para mim, o maior mal da formação: os pais.

“Treinadores de bancada”, “Mourinhos de café” ou “Mestres da táctica” são coisas com que diariamente os treinadores têm de lidar, e não existe nada pior que estar a dar um treino ou estar num jogo e ouvir os pais a mandarem o seu “bitaite” para o filho, dizendo coisas que, na grande maioria dos casos, não fazem sentido. É preciso perceber que um pai/mãe não vai à escola dizer que o professor está a ensinar mal, e no treino desportivo deveria ser igual! Um treinador para os pais depende dos resultados, mas na realidade isso é um factor que, na formação, pouco nos importa.

É melhor ganhar que perder, é certo, mas existem valores bem maiores que esses. Como em tudo, existem excepções, e ao longo destes anos tenho lidado com pais/mães fantásticos mas também “apanhei” pessoas egoístas, más por natureza e sem qualquer sentido de responsabilidade perante a formação, e aí como podemos transmitir aos meninos certos valores como o “pede desculpa ao colega e ajuda a levantar”, quando o mesmo chega no final do jogo ao pé do pai/mãe e ouve “fizeste bem, da próxima bate mais forte”, ou ouvir da bancada nomes que são dirigidos ao treinador e que se sabe que é o que vão transmitir ao pequenino em casa. Mas este é um problema que só terá solução quando existirem condições como nos três grandes: os pais não podem assistir aos treinos e nos jogos, caso levantem demasiados a voz no sentido de melindrar a dignidade de alguém, são proibidos de frequentar as instalações desportivas desse mesmo clube. E sabemos que é uma realidade ainda impossível de se concretizar em clubes financeiramente menos apetrechados.

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Posto isto, existe uma reflexão que acho importante para todos aqueles que, directa ou indirectamente, participam na formação dos pequenotes: quero ter um Cristiano Ronaldo em casa ou uma criança que, consoante a sociedade mais ou menos padronizada em que vivemos, consiga crescer dentro dos valores básicos e que possa, um dia, singrar em algo que o faça realmente feliz? Se conseguir ser os dois, fantástico! Mas todos sabemos que não é assim que funciona. No fundo, o maior prémio que um professor/treinador/pai ou mãe pode ter é um grande SORRISO na cara de uma criança que com pouco está feliz e sentir que fez algo de bom por nos ver como seu reflexo.

Da minha parte, continuarei a seguir as minhas 3 regras fundamentais e a fazer o meu trabalhinho junto daqueles de que mais gosto e com os quais me sinto bem: os meus pequenotes.

Não sendo eu um treinador-modelo e tendo a humildade de saber que tenho muito mais para aprender do que para ensinar (muito mais!), sinto que sigo as linhas de orientação mais correctas durante o meu trabalho, e tal como os meus pequenotes no final dos treinos, vou sempre embora com um sorriso na cara e feliz, mesmo que o dia não tenha sido o melhor de todos.

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Obrigado ao BnR pela oportunidade que me deu de partilhar um pouco da realidade que vivemos e parabéns por esta excelente iniciativa, que espero que se possa alastrar a mais treinadores das formações deste país, quem sabe, numa nova rubrica?

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