Está na hora de ser bravo. Foi esse o pedido de Brendan Rodgers no mercado de transferências em Janeiro, tentando abanar uma comodista direcção do Celtic que insiste em sentar-se sobre o aborrecido domínio interno. Nos últimos 13 anos, contam-se 12 títulos de campeão. Seis Taças nas últimas oito.
Os rivais de sempre, o Glasgow Rangers, contam um título mais uma taça nos mesmos períodos. Ficaram para trás desde a queda financeira, sentimento atenuado apenas nos anos de Steven Gerrard ao leme.
Ao Celtic falta apenas um campeonato para alcançar os 55 dos rivais e meter no papel aquilo que já todos perceberam e aceitaram. Brendan Rodgers, que nunca conseguiu replicar o mesmo sucesso na Europa, saiu frustrado com a falta de ambição em 2019, depois de no máximo conseguir ser relegado para a Liga Europa.
Voltou há um ano, pronto para tentar novamente o regresso do Celtic a papéis importantes nos grandes palcos. Nova tentativa, o segundo último lugar nos Grupos e para amostra, grande sinal de retoma para os optimistas, a primeira vitória milionária em casa em mais de uma década – depois de ganhar ao Ajax por 2-1 a 22 de Outubro de 2013, foram outros neerlandeses os caridosos a permitir a quebra da malapata, estes vindos de Roterdão.
A complacência europeia dos católicos de Glasgow gerou gritos de revolta profunda principalmente desde que se viu o Rangers a chegar à final da Liga Europa 2021-22, deixando pelo caminho trutas como o Borussia Dortmund, provando que os ambiciosos do Celtic Park tinham razão em exigir mais aos responsáveis. Brendan Rodgers é a cara dessa exigência.
Qualificados directamente para o novo formato, as novas possibilidades aumentam a dificuldade – mais jogos significam mais carga física e psicológica, e o fim da lei de repescagem para as outras competições não tolera erros de principiante e desconcentrações.
Talvez por esta questão, o planeamento para 2024-25 tenha tido como prioridade a manutenção do esqueleto do último plantel, surgindo como única grande mudança a saída de Joe Hart, em idade de descanso merecido, e a substituição por outro nome com experiência de elite continental: Kasper Schmeichel, que andava pela Bélgica a segurar o Anderlecht.
As outras incursões no mercado foram para tornar definitivos os satisfatórios empréstimos de Paulo Bernardo e Adam Idah, o gigante irlandês do Norwich, que se vê a tempo inteiro em Glasgow em troca de 9,9 milhões de euros.
Matt O’Riley, a coqueluche dinamarquesa que dinamiza a intermediária à frente de McGregor, já chamou à atenção de meia Europa, mas continua feliz e contente no Celtic Park, em forte demonstração de segurança financeira escocesa – veio o Southampton e foi prontamente mandado para trás, de maneira tão assertiva que foram obrigados a focar atenções em Mateus Fernandes. Também chegou a Atalanta, insistiu, fez cinco propostas e às cinco o Celtic disse… não!; e agora vem o Brighton com tudo, preparando a irreparável perda de Gilmour, pedido por Conte em Nápoles.
Até agora, lição de bem proteger os activos e de como resistir à tentação dos cofres cheios – o que nem sempre garante performance desportiva e facilmente provoca percalços nos projectos. Falta ainda a tal bravura exigida por Rodgers na procura de outro tipo de alvos, mais ousados na qualidade técnica e por isso mais caros – tornando-se essencial ao Celtic subir do patamar desse mercado até 10 milhões para garantir outra clarividência e ritmo competitivo, se quiser acompanhar a vanguarda europeia e deixar à solta o seu respeitável pedigree internacional.
Ainda que não haja ainda grande perspectivas de entradas sonantes – o único nome forte a rodar é Arne Engels, belga de 20 anos desenvolvido pelo Augsburgo – os sinais dados na pré-temporada têm sido excepcionais, com golos em catadupa e uma fluidez desconcertante.
Se o 4-1 ao Chelsea ajudou a confirmar a ideia dum crónico caos londrino, o 4-3 a um Manchester City, já com Haaland e Grealish no onze, confirmou as boas rotinas que se vêm criando e o 4-0 ao DC United provou que não foi só aproveitamento do ritmo baixo inglês, geralmente mais demorados nos períodos de férias.
Foram 19 golos marcados em cinco jogos na pré-época e se dúvidas existissem a temporada oficial começou imediatamente com um 4-0 ao Kilmarnock, seguido dum 3-1 ao Hibernian para a Taça da Liga.
A figura que mais sobressai, acima até do já clássico Kyogo Furuhashi – associado ao Manchester City – do já mencionado O’Riley ou do despachado Maeda, é Nicolas Kühn. Este internacional sub-20 alemão contratado em Janeiro último por 3,5 milhões ao Rapid Viena e que em 1122 minutos (ou 12 jogos completos) acumulou nove contribuições para golo, cinco mais quatro assistências.
O onze base mantem-se então sem grandes alterações, arrumado em 4-3-3 e com grandes ideias de progressão rápida entre sectores, rotinas afinadas que não darão descanso a Philipp Clement, técnico belga que tem tido dificuldades na reformulação do Rangers: se o Celtic perdeu o último jogo a 3 de Março, Clement não ganhou cinco das últimas dez jornadas, sendo eliminado pelo Benfica pelo meio – primeira vitória portuguesa de sempre no Ibrox – e acabando por deixar fugir a Taça nos últimos minutos à custa dum erro do keeper Jack Butland: ou seja, dos últimos 15 jogos da temporada passada, ganhou… seis.
Profundas dores de cabeça mantidas para este ano, que já iniciou com a eliminação na 3.ª pré-eliminatória milionária aos pés do Dínamo Kiev (3-1 agregado), machadada quase fatal nas finanças protestantes. O dinheiro não abunda e ainda se impõe o aluguer do Hampden Park, com o urgente combate à degradação de certas zonas do Ibrox.
Com a derrota, o Rangers perde de imediato 12 milhões de prémio e passa duma competição onde são divididos 2,12 mil milhões em prémios para a Liga Europa, onde o bolo tem… 485 milhões, 22% desse total. Receberão agora sensivelmente três milhões pela entrada na Liga Europa, enquanto os rivais encaixam… 16. Numa Liga tão desequilibrada, onde só dois competem seriamente, é um mundo de diferença.
Caminho aberto para o Celtic se sentar confortavelmente no trono escocês e focar na Europa, devolvendo à nação um útil lugar no ranking com pelo menos uma vaga garantida na Liga dos Campeões. O ponto da situação é preocupante: o campeão escocês terá que disputar o play-off a partir de 2025-26.