O Clésio também é moçambicano, intervalei, em conversa com um amigo nascido na Beira e impedido de ver o jogo com o Tondela. Quem é o Clésio?, peguntou-me. Exactamente!, respondi-lhe.
Este breve diálogo, entre dois benfiquistas mestres de nada – mas com certa técnica –, aconteceu, de verdade, e regressou aos meus pensamentos, periodicamente e com força crescente, nestes últimos dias. Com todo o respeito que me merece Clésio Baúque (o jogador que é e que espero possa vir a ser), o que se passou em Aveiro, naquele lado direito da defesa, não foi um queimar de etapas, mas um incêndio etário de proporções bíblicas – ainda hoje, quando fecho os olhos e inspiro, sinto um ligeiro cheiro a queimado. Não me interpretem mal: a questão não é, obviamente, pessoal; trata-se, essencialmente, de uma assumida e profunda discordância com uma estratégia desportiva em clara ruptura com o nosso passado recente – que, se a memória não me atraiçoa, nos valeu dez títulos e duas finais europeias.
Clésio Baúque tem 21 anos, é extremo de raiz e opção intermitente na nossa equipa B. A sua titularidade não respeitou critérios técnicos ou tácticos (e isto deverá ser algo inédito), mas apenas um preceito ideológico, nascido no topo e respeitado por Rui Vitória, que garante, na hora das escolhas, prioridade aqueles criados no Seixal. Não me interpretem mal: gosto (muito) de ver futebolistas promissores, portugueses ou não, educados no berço futebolístico de águia ao peito, germinando na equipa principal na sequência do trabalho e do mérito. Porém, defendo uma integração progressiva destes elementos e insisto numa ideia deixada em textos anteriores: a (notória) ânsia por atalhos no processo de crescimento dos nossos jovens jogadores pode, eventualmente, ser contraproducente no presente e, em último caso, inviabilizar o futuro.
Gosto de ver o Benfica ganhar e nunca me canso de o fazer – haverá, certamente, piores defeitos. As vitórias com Tondela e Galatasaray não disfarçam, porém, as fragilidades desta equipa. Não me interpretem mal: o grupo tem qualidade (pelo menos, mais do que dizem), revela coragem, mas também, e isso parece-me óbvio, sérias limitações em parte dos seus sectores. Analisando friamente, essas lacunas sobrevêm de uma nova estratégia desportiva, mais mansa no mercado, assente na formação para ocupar os espaços em branco; a excepção tornou-se a regra, corrompendo a concepção de mais-valias. Para já, a coisa está negra: não se conquistam tricampeonatos com três derrotas em oito jornadas e, infelizmente, Janeiro ainda vem longe.
Rui Vitória faz o que pode, com o que lhe deram. Por isso, compreendo mal as críticas que lhe são imputadas – perdida a timidez do discurso (que era, na minha opinião, o seu maior defeito), merece-me total confiança e apoio. O treinador nem sempre é assertivo? É verdade; mas já não o era nos últimos seis anos e isso, tirando um ou outro caso, nunca foi problema. No tal passado recente, havia sempre soluções – dentro do relvado – capazes de minimizar certos erros de apreciação. Não me interpretem mal: mas os golos que dão títulos são marcados pelos capitães.
P.S.: Luisão é um símbolo eterno. Para o ser – após 12 anos de Benfica (caso raríssimo no futebol moderno) – nunca precisou de abdicar daquilo a que, julgando justo, considerou ser seu por direito. Falo, essencialmente, das renovações de contrato, que discutiu com quem de direito, frente a frente, sem meias palavras ou falsas verdades; pese as normais dificuldades de uma negociação entre (bons) profissionais. Como um homem que é e que nunca será esquecido. O capitão Luisão marca, nos tempos que correm, a diferença entre um homem inteligente e sério e um cão a derreter – comida a sobremesa, só restará um pau. E isto, já podem interpretar como entenderem.
Foto de Capa: Sport Lisboa e Benfica