
O Benfica foi superior ao Fenerbahçe no Estádio da Luz e, num duelo de treinadores setubalenses, Bruno Lage superiorizou-se aquele que apelidou o melhor da zona onde cresceu, José Mourinho, e que já tinha apontado como o melhor do mundo. Quando o assunto toca ao choco frito, a melhor receita foi do Benfica de Lage.
Depois de um jogo que serviu o ponto – e para o ponto, se o empate fosse convertido em números – o Benfica impôs-se no Estádio da Luz a partir da agressividade na pressão e da verticalidade na procura da baliza. A entrada de Leandro Barreiro, muito mais um jogador de ataque à zona de finalização e de morder os calcanhares aos adversários que o 6 que Roger Schmidt emparelhou com Florentino Luís, permitiu às águias subir linhas, incomodar a saída de bola turca e provocar e aproveitar os erros.
O Benfica aproximou-se da versão mais vertical da última temporada, com menos pausa nos ataques e maior capacidade de chegada à área, e juntou-lhe a agressividade defensiva que vem pautando o arranque de 2025/26. Do meio-campo para a frente, de Richard Ríos a Fredrik Aursnes, de Kerem Akturkoglu a Leandro Barreiro, as águias impuseram-se pelas recuperações altas e impediram o Fenerbahçe, muito abaixo na primeira parte, de ter bola.

Além do atleticismo e do perfil físico do ataque, o Benfica também ganhou recursos para hibridizar o desenho da pressão. Quando em posições mais baixas no terreno, Fredrik Aursnes baixava para fazer uma linha de cinco capaz de controlar a amplitude dada pelos alas do Fenerbahçe ao jogo. Quando o objetivo era subir linhas na pressão, Leandro Barreiro impunha-se pelo perfil físico e Aursnes e Akturkoglu, variando os posicionamentos, quer mais dentro, quer mais fora, condicionavam a saída de bola do Fenerbahçe, que, algo amorfo em campo, não conseguiu reagir.
A estratégia do Benfica em campo estava bem definida: recuperar bolas o mais cedo possível e chegar rapidamente à frente. Pelo regresso desta urgência em atravessar o campo, Vangelis Pavlidis voltou a ser destaque. Ainda procura o melhor encaixe com Franjo Ivanovic, mas a solo, recupera todos os argumentos para pautar o ataque encarnando. Recebe e espera pela altura ideal para soltar, dá alguma pausa ao ataque desenfreado e enquadra os colegas.
Sem fazer um jogo de alto gabarito técnico, foi fundamental para dosear a avalanche encarnada que, com os extremos frequentemente por dentro e Leandro Barreiro a saltar a cada indicador de pressão, concentrava muita gente no corredor interior. O que estava a ser feito sem bola, rapidamente se transformava uma vantagem com esta e, com muitos jogadores por dentro, era fácil ao Benfica entrar no último terço.

Aí, não foi preciso um acerto extraordinário nas ações para o perigo chegar. Nas escolhas do futebol, a opção pela vertigem e pelo atleticismo retirou alguma capacidade técnica ao Benfica para definir o último terço. Houve lances a pedir melhor definição, situações de superioridade ou vantagem desfeitas por um passe errado, mas Bruno Lage sabia disso. A estratégia estava feita para bater, bater até furar. E furou, num lance com um roteiro escrito por dois “patinhos feios”.
Leandro Barreiro já tinha falhado uma ocasião clara, aparecido em fora de jogo no golo anulado a Vangelis Pavlidis e visto um golo seu anulado por uma falta demasiado mesquinha para o patamar Champions League. Numa jogada de insistência, onde muita coisa foi feita da forma contrária ao que vem nos livros, assistiu Kerem Akturkoglu. O turco, que tal como o luxemburguês tem uma balança desequilibrada nos atributos, com pontos fortes assinaláveis e lacunas demasiado gritantes, tratou de marcar o último golo da eliminatória.
É evidente que, de algum modo ou de outro, a novela da transferência frustrada teve impacto em Kerem Akturkoglu. Independentemente dos bastidores, o turco ficará associado à chegada à Champions League num golo contra o clube onde contava já estar e onde, quiçá, ainda irá parar num futuro mais ou menos próximo. A vida não é linear e muito menos o é o futebol.

Entre a linearidade possível, Richard Ríos colocou um travão nas questões que se iam levantando. Para surgir a melhor versão do colombiano, o Benfica precisará sempre de um jogador mais criativo à sua frente, capaz de especializar o médio no que de melhor faz. Ainda assim, Ríos está bem longe de ser um flop ou de estar em sub-rendimento gritante, tal como ontem não fez o melhor jogo da carreira. O futebol é pródigo em julgamentos rápidos.
No que toca a julgamentos rápidos, há espaço também para valorizar o crescimento crescente de António Silva, que já foi um dos destaques do Mundial de Clubes 2025 e continua a sê-lo no arranque da época. A linha defensiva do Benfica está em destaque, com Dahl e Dedic também a protagonizarem bons jogos, mas há um destaque natural para o central encarnado. Apareceu muito novo e de forma algo surpreendente, impôs-se na melhor versão coletiva encarnadas nos últimos anos, e viveu depois um período mais intermitente. O regresso à solidez com que despoletou é a melhor notícia para o defesa e para as águias.
Quanto ao Fenerbahçe de José Mourinho, preso nesta teia de agressividade e impetuosidade na pressão, acabou por sofrer. Atrás, há lacunas gritantes individuais e os erros com bola, sem bola e na defesa às bolas paradas acumulam-se de jogo para jogo. Contra o Benfica, a ausência de Jhon Durán impossibilitou uma alternativa mais direta para a saída e foram muito poucas as vezes, especialmente na primeira parte, que o conjunto turco passou o meio-campo. Mesmo Anderson Talisca, o melhor do Fenerbahçe na eliminatória, teve pouca bola e poucos momentos para ameaçar.

A receita do choco frito, o ex-líbris de Setúbal, foi cozinhada por Bruno Lage. Há que saber escolher os temperos e a Champions vai exigir ao setubalense variar entre as especiarias pesadas para matar e as mais ténues, que permitam dar destaque à matéria-prima que tem. O futebol é uma questão de vida e também o é de culinária.
BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: Já aqui destacou a importância…
Bruno Lage: Você não acha o Barreiro trinco, pois não?
Bola na Rede: Não, o Barreiro é um jogador de atacar espaços no ataque, principalmente.
Bruno Lage: Pronto, ainda bem. É que às vezes a gente lê coisas que até ficamos malucos. Mas diga.
Bola na Rede: Queria pegar precisamente no papel do Barreiro, mas também dos jogadores que jogaram na frente do ataque com ele, o Aursnes e o Akturkoglu porque o Benfica apresentou um modelo híbrido na pressão, com linha de cinco, dois na frente, três na frente, com estes três jogadores a orientar muito bem os indicadores de pressão e o desenho da pressão do Benfica. Pergunto-lhe, num jogo desta importância e perante um adversário com esta capacidade, quão importante foi ter estes momentos bem definidos para o Benfica ter superioridade e a posse de bola?
Bruno Lage: Já posso ir feliz para casa, a sua pergunta é fantástica. [Para António Silva] Respondes tu? Mérito dos jogadores. Para fazer isso tudo que você disse, tenho de ter a capacidade de ter jogadores desta qualidade, como este aqui ao meu lado, e a capacidade deles interpretarem todos os momentos do jogo. Nós a mudar de sistema, o adversário a mudar de sistema, e vamos fazer as coisas bem feitas.
Bola na Rede: O Fenerbahçe acumulou alguns erros defensivos, principalmente na primeira parte, quer com bola, quer sem bola, quer nas bolas paradas. Face a estes erros individuais, como é que um treinador a partir do banco consegue reagir e responder a limitações individuais através do coletivo?
José Mourinho: A partir do banco não é fácil, a comunicação não é fácil. Honestamente, a perder 1-0 ao intervalo, estava contente de perder 1-0 ao intervalo. Deu-me a possibilidade de, no intervalo, mudar, de começar e de lhes ver os problemas da primeira parte a diferentes níveis, como você disse, inclusive nas bolas paradas, como você diz bem. Não me recordo que treinador foi, mas há umas semanas um treinador falou nisso e é uma coisa que temos de, antes de começar a competição de grupos, seja na Champions, na Europa ou na Conferência, tem de uma vez por todas definir se voltou a ser permitido ou não os bloqueios. Agora é só bloqueio, bloqueio, bloqueio e as coisas não são muito claras. A equipa que ataca tem vantagem porque a equipa que defende está sempre no limite do “tu bloqueias, eu bloqueio, tu bloqueias, eu agarro, tu agarras, eu agarro” e depois está sempre no risco de ser assinalada grande penalidade. Mas isto fora do contexto do jogo. O contexto do jogo para mim é muito fácil. Vou sempre chateado quando perco, frustrado quando perco, mas prefiro perder e dizer que o adversário é mais forte do que eu. Vou menos chateado.
Bola na Rede: Já aqui falou em confiança, já aqui falou no papel do Otamendi como mentor e referência. Pergunto-lhe se a maior agressividade nos duelos que tem demonstrado nos últimos jogos, desde o Mundial de Clubes, é um fator de confiança ou que gera confiança e qual a sua importância?
António Silva: Acho que elas andam um bocadinho juntas. O ganhar duelos e ganhar duelos aéreos traz confiança ao central para o resto do jogo. O central é isso, são duelos, e quantos mais ganhar mais confiança dá. Depois com bola, claro que é importante. Essa confiança vai-se construindo desde o início do jogo e os duelos para um central são muito importantes.