Há três anos, quando a aquisição do Newcastle se concretizou, muitos adeptos ingleses ficaram indignados com a decisão do fundo de reforçar um clube com tradição, o que, automaticamente, seria um perigo e iria desestabilizar o equilíbrio do futebol europeu. Curiosamente, estas justificações também evidenciam a hipocrisia de vários clubes que, se lhes fosse dada a oportunidade, gostariam de inverter a ordem natural dos seis grandes ou de usar o Manchester City como exemplo primordial para investir elevadas quantias de dinheiro e competir na Premier League. Infelizmente, em ambos os casos, essa alegada facilidade de criar um projeto com base no dinheiro, nas transferências e na renovação de instalações não existe.
Aqui entra o Newcastle de Eddie Howe, que saiu da zona de despromoção e de um destino quase certamente ligado ao Championship, evitando o pesadelo de disputar o dérbi da cidade contra o Sunderland na segunda divisão e a perda da sua essência. Um mês após a tomada de posse do fundo PIF e dos irmãos Reuben, os principais atores por trás do consórcio, o treinador inglês chegou em novembro de 2021 para replicar o sucesso que teve no Bournemouth (apesar de ter descido de divisão após cinco anos no topo da pirâmide inglesa). O que, à partida, não foi visto como uma boa ideia, é agora provavelmente uma das contratações mais inteligentes para liderar um projeto tão vasto e importante para uma região com um enorme legado histórico, desde Nagelsmann no Leipzig ou Leonardo Jardim no Mónaco. (ambos não tendo o mesmo impacto em termos de cultura futebolística como o Newcastle)

Em contrapartida, apesar das polémicas e falhanços de outros projetos que não chegaram a concretizar-se (como a proposta bilionária de origem catari ao Manchester United), estamos a testemunhar algo completamente novo. Num tempo em que o sucesso deve ser instantâneo ou as repercussões nas estruturas desportivas são extremamente penosas, o Newcastle correspondeu a todas as legítimas expectativas quando falamos deste tipo de aquisições.

Kieran Trippier, Dan Burn e Bruno Guimarães foram as primeiras adições significativas da nova era e simbolizam, cada um, três arquétipos fundamentais para construir uma equipa: experiência internacional, experiência no campeonato nacional e, na sua própria categoria, um jogador brasileiro com enorme potencial para desbloquear o ataque. Tal deturpou por completo os rumores absurdos de contratações supersónicas, como as de Kylian Mbappé ou Erling Haaland. Seguiram-se Isak, Tonali e um jovem talento descoberto pelas formações do Chelsea e Manchester City, para se consolidarem no top 10 da liga e garantirem duas qualificações para a Champions League em três anos, evitando o tédio potencial da Europa League e as dúvidas associadas ao progresso feito, e talvez saltando anos de estagnação.
Claramente, se falarmos em termos de realidade e aplicarmos a lógica do dinheiro de forma estúpida, assumimos que não sabemos nada de futebol e que o Newcastle já poderia ter ganho uma Premier League. No entanto, é importante salientar a atual hierarquia da. Premier League, na qual, neste momento, Chelsea, Arsenal e City continuam a gastar, em média, 200 milhões a cada janela de transferências. Se olharmos para as duas primeiras janelas de Howe, gastar 130 milhões por janela já é, por mais incrível que pareça, um feito enorme, tendo em conta a saturação e a sobrevalorização do mercado.
O Newcastle já quebrou uma maldição de setenta anos com a conquista da Taça da Liga Inglesa na época passada, o que por si só já causou muita alegria e saciou a vontade dos adeptos de iniciar uma era de domínio. O clube é um exemplo de como o investimento, independentemente de quão avultado seja, não transforma o futebol num sistema pay to win, como os videojogos com microtransações. Um novo normal inquietante, mas compreensível.
A aposta em profissionais britânicos contraria os erros normalmente cometidos com uma internacionalização rápida de todas as estruturas cruciais de um clube. Desde a aquisição saudita e a permanência da empresária Amanda Staveley para a transição no comando dos Magpies, até aos diretores desportivos, como Paul Mitchell e, mais recentemente, Ross Wilson, que foi importante para o sucesso de Nuno Espírito Santo no Nottingham Forest.

A nível de competição, o aspeto mais temível, como já constatamos esta temporada, é o fator casa. A paixão enraizada nas exibições, como a recuperação de dois golos de desvantagem contra o Liverpool e o Barcelona, não resultou em vitórias, mas a antecipação das visitas ao estádio indica que o apoio incondicional dos adeptos faz do St. James Park uma condição integral para complementar o novo estatuto do clube. Esta particularidade e autenticidade não seriam vistas nem com o Leipzig de Nagelsmann. Como adeptos do desporto-rei, esta é a razão pela qual o Newcastle é atualmente normalizado.
Porém, nem tudo são rosas, especialmente para um clube com responsabilidades acrescidas. Na temporada de 2023/24, em que o Newcastle terminou em sétimo lugar, assistiu-se à ascensão do Aston Villa com Unai Emery, que se tornou a segunda equipa consecutiva fora do clube exclusivo da Premier League a obter um lugar na competição milionária. Até podíamos verificar que o Newcastle devia exercer a sua primazia como um dos clubes mais ricos da Premier League e garantir um lugar na Liga dos Campeões, mas estamos a falar da melhor liga do mundo, onde cada movimentação, nos últimos anos, está prestes a igualar os valores astronómicos vistos apenas na NBA. A nível tático, também estamos a assistir a níveis mais competitivos por parte do Bournemouth de Andoni Iraola e do Crystal Palace de Oliver Glasner.

Outro sinal, menos positivo, mas que mostra como a identidade que Howe pretende implementar pode limitar certas contratações, é o caso de Isak, Ekitike e Woltemade: o clube não conseguiu manter o seu avançado titular nem contratar o substituto desejado, que acabou por ser contratado pelo Liverpool. Nick Woltemade está a ter um bom início, com quatro golos em cinco jogos, mas a situação vai muito além disso.
Esta temporada, com duas vitórias em oito jogos, suscita várias dúvidas sobre o repertório construído por Howe nas últimas quatro temporadas e sobre a possibilidade de assegurar qualificações consistentes para a Champions e, sucessivamente, desenvolver um percurso para o título.