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«Irei tomar as melhores decisões no mercado e na construção do plantel do Benfica» – Entrevista Bola na Rede a Tomás Amaral

Depois de trabalhar no scouting do Benfica, Tomás Amaral é a aposta da lista de João Noronha Lopes para o cargo de diretor desportivo dos encarnados, vazio desde a saída de Rui Pedro Braz. Aos 34 anos, o dirigente quer regressar às águias e assumir os destinos dos encarnados num mercado que quer melhor, com mais comunicação e com menos revoluções. Em entrevista ao Bola na Rede, Tomás Amaral aponta vários erros à gestão das transferências nos últimos anos e para a identificação do potencial, para os mercados globais e para o que deve implicar a construção do plantel do Benfica.

«Ao aumentar a comunicação, aumentará também a probabilidade de acerto das contratações».

Tomás Amaral
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Bola na Rede: Em que consiste exatamente o cargo de diretor desportivo do Benfica que se propõe a assumir?

Tomás Amaral: Resumidamente, o cargo de diretor desportivo tem muito que ver com aquilo que é o mercado de transferências. Serei supervisor do departamento de scouting que terá um diretor, um chief scout, algo que já não existe há mais de um ano. Depois terei também de criar a ligação entre departamento de scouting, equipa técnica e diretor geral. A partir daí, em equipa e com bastante comunicação, irei tomar as melhores decisões no mercado e na construção do plantel.

Bola na Rede: Comparando ao Benfica onde já trabalhou como scout, quais as diferenças entre o cargo que se propõe a assumir e onde trabalhou anteriormente, e também entre este diretor desportivo na nova estrutura, e o cargo de diretor desportivo que já existiu no Benfica?

Tomás Amaral: Inicialmente eu era um scout no Benfica. Reportava ao Pedro Ferreira, que era o diretor de scouting da altura, da mesma forma a que agora vou reportar novamente ao Pedro Ferreira, que será o diretor geral. A diferença entre o diretor desportivo e o scout é muito clara. Um scout é não mais que um consultor para o clube, alguém que dá a sua opinião sobre jogadores na perspetiva de serem bons ou não para contratar. O scouting e o departamento de scouting não tomam decisões. Quem toma decisões é o diretor desportivo juntamente com a direção, o diretor geral e o treinador. Estarei com muito mais responsabilidade na tomada de decisão no mercado. A diferença que queremos implementar, e é uma das críticas que temos feito ao longo do tempo, é que o diretor desportivo terá também ele de ser um elo de ligação entre scouting, equipa técnica e direção ou diretor geral. No passado, esta ligação existiu muito pouco e, ao aumentar a comunicação, aumentará também a probabilidade de acerto das contratações porque o scouting terá muito maior conhecimento daquilo que é realmente o objetivo do clube na construção do plantel, no perfil do jogador e no enquadramento deste jogador no plantel.

Bola na Rede: Um dos pilares da campanha passa pela ideia de comprar menos e comprar melhor. Em que é que uma boa estrutura desportiva pode facilitar esta missão?

Tomás Amaral: Volto a repetir, a questão da comunicação é muito importante. Muitos dos erros que aconteceram no Benfica nos últimos quatro anos em termos de mercado não têm que ver somente com a qualidade individual do jogador, mas acima de tudo com o enquadramento dos jogadores contratados. Serve ou não para o modelo o jogador? Há jogadores contratados que têm valor individual, mas não serviam para o modelo do Benfica. O facto do Benfica alterar constantemente de treinador e não ter uma ideia fixa daquilo que quer para o seu jogo leva a que existam constantemente alterações a cada verão. Quando passamos de Nélson Veríssimo para Roger Schmidt, de Roger Schmidt para Bruno Lage e de Bruno Lage para José Mourinho, as ideias não são iguais. Como não são iguais, existe sempre a necessidade de chegar ao verão e alterar tudo em função do treinador que se tem. Acima de tudo, é preciso tomar uma decisão sobre a ideia de jogo que vamos ter, como é que o Benfica tem de jogar. É claro a todos os adeptos como é que o Benfica tem de jogar. Só depois é que temos de pensar em alterações. Se não soubermos para onde é que queremos ir, nunca vamos saber o caminho para lá chegar.

«O big-data não virá substituir o olho humano e a competência dos scouts e das pessoas que trabalham no clube. Será uma ferramenta para ajudar essas pessoas».

Tomás Amaral Spartak
Fonte: FK Spartak Moscovo

Bola na Rede: É importante também uma continuidade nas características do treinador?

Tomás Amaral: Sim, obviamente.

Bola na Rede: E este deve estar enquadrado na ideia geral do clube ou o clube poderá ter também essa capacidade de se moldar ao treinador?

Tomás Amaral: Acho que o clube tem de ter uma ideia geral, claramente, sabendo que os treinadores têm as suas especificidades. Nessas especificidades, a estrutura do Benfica estará obviamente aberta a ouvir e ajudar o treinador que tivermos.

Bola na Rede: Já destacou a relação que tem com o Pedro Ferreira. Quais os pilares desta relação que poderão ser transportados para uma nova estrutura?

Tomás Amaral: O Pedro é alguém que tem 17 anos de experiência no Benfica. Conhece o Benfica em todas as suas áreas pelo tempo que já lá esteve, por ter trabalhado na formação cerca de 11 anos, por ter trabalhado cerca de seis anos no futebol profissional. O Pedro tem um mérito enorme naquilo que é a organização e gestão de equipas. Muita gente pode olhar para ele como alguém do scouting, mas ele é acima de tudo um grande gestor. Fico muito feliz que o João Noronha Lopes tenha tido essa visão de perceber que o Pedro tem capacidade de gestão, liderança e unificação de processos em vários departamentos, tal como já o fez no scouting.

Bola na Rede: A candidatura tem como objetivo colocar a big-data no Benfica, tal como já vemos no Brighton ou no Brentford. Como pode esta ser implementada e quais as consequências positivas que pode ter?

Tomás Amaral: Vamos lançar um departamento do big-data. Temos uma pessoa já identificada para liderar esse processo. É importante fazer perceber às pessoas que o data não virá substituir o olho humano e a competência dos scouts e das pessoas que trabalham no clube. Será uma ferramenta para ajudar essas pessoas. Tudo o que possa ajudar o clube a tomar melhores decisões será bem-vindo e será uma forma de modernizar o Benfica.

Bola na Rede: Em que poderá ser complemento?

Tomás Amaral: Vamos falar de scouting. Pode ajudar a filtrar listas de jogadores de ligas periféricas e a confirmar questões visíveis a olho, dando dados que confirmem que o que estamos a ver está correto.

«O Benfica tem de contratar menos, mas melhor. A contratação de um jogador não termina no momento em que o jogador assina».

Tomás Amaral

Bola na Rede: Analisando agora os mercados do Benfica nos últimos anos com a ajuda da sua visão, de quem já esteve por dentro do clube. Quais os grandes méritos do Benfica no mercado nos últimos anos?

Tomás Amaral: O mérito, e não sei se é mérito das pessoas ou do clube em si e da sua dimensão, está associado à capacidade do Benfica vender jogadores a valores estratosféricos. Há poucos clubes que possam vender jogadores por 100 milhões de euros, hoje em dia. Por outro lado, fala-se muito no mérito de convencer jogador A, B ou C. Acho que muitas vezes basta o nome Benfica para convencer o jogador, portanto, não consigo encarar apenas mérito. Acho até que, com as ferramentas que se tem e com a proteção que existe, porque o Benfica por si só já compra e vende sozinho, se deveria ter feito muito melhor.

Bola na Rede: O que poderia ter sido feito de melhor?

Tomás Amaral: O Benfica não teria de contratar tantos jogadores, mas sim de perceber que tipo de jogador era preciso para determinado enquadramento da equipa. O contratar por contratar existiu no Benfica. Isso é claro na minha opinião. Como tal, diria que o Benfica tem de contratar menos, mas melhor. Falamos não só na individualidade do jogador, mas também no enquadramento e no acompanhamento que existe. A contratação de um jogador não termina no momento em que o jogador assina. Isso é apenas o começo. Um jogador quando entra no Benfica tem de ter acompanhamento, apoio, confiança da estrutura. Não nos vale de nada contratar um jogador em agosto e dizer que é muito bom para em dezembro dizer que não serve e foi um erro. Se tomámos a decisão em agosto, temos de ter confiança na decisão, apoiar o jogador e acreditar que ele vai dar certo no Benfica. Isso não aconteceu e daí tantas trocas ano após ano, autênticas revoluções no plantel. Nenhum clube no mundo sobrevive a tanta mudança.

Bola na Rede: Como vê a mudança no panorama das contratações do Benfica, que passou a entrar no clube dos 20 milhões de euros para cima?

Tomás Amaral: Existe, obviamente, uma coisa natural do mercado: a inflação. Os jogadores hoje em dia estão bem mais inflacionados. Existe a entrada dos grandes grupos de investidores que chegam mais cedo a mercados como a América do Sul, e falo do Grupo City, do grupo Red Bull, de clubes como o Real Madrid ou o Barcelona. Isto aumenta o valor. Cabe ao Benfica, e tem essa responsabilidade quem trabalha no Benfica, procurar antecipar esse talento, contratá-lo mais cedo e perceber que se calhar o jogador não vai render em seis meses, mas que é um projeto de jogador para render a médio-prazo. Não podemos achar que vamos contratar todos os dias o Enzo Fernández. O Enzo Fernández aconteceu, foi muito bom e todos queremos mais Enzo Fernández, mas temos de perceber que há momentos na vida em que, se calhar, temos de contratar mais jogadores como o Di María. Demorou tempo a afirmar-se, mas depois foi o jogador que foi, que não deixa dúvidas e que todos nós amamos.

«Não faz sentido dizer que temos jogadores da formação na equipa A e quando o Alexander Bah e o Dedic estão lesionados, andar a adaptar jogadores a esta posição quando se tem um lateral como o Leandro Santos».

Tomás Amaral
Leandro Santos Benfica
Fonte: Paulo Ladeira/Bola na Rede

Bola na Rede: Pensando na estratégia de antecipação, em que momento em que deve começar a ser feito o acompanhamento dos jogadores?

Tomás Amaral: Primeiro, e é importante referir isso, a nossa candidatura tem como prioridade-base a formação e apenas contratar fora quando não temos jogadores prontos na formação para a função que entendemos ser necessitada. Por outro lado, temos torneios internacionais que começam muitas vezes em sub-15 e o Benfica tem de estar presente em todos os lados. O Benfica, por exemplo, não esteve presente no Mundial Sub-20 no Chile. O Sporting esteve, o FC Porto esteve, o Braga esteve e o Benfica não. É normal que um clube como o Benfica, que quer antecipar talento, não esteja presente no Mundial Sub-20? Para mim não é, não faz sentido.

Bola na Rede: Qual a relação que a direção desportiva tem de ter com a formação?

Tomás Amaral: É importante ver a estrutura geral do futebol dividida em três áreas. Na estrutura atual temos o futebol profissional, com apenas a equipa A, o futebol de formação, da equipa B para baixo, e o futebol feminino. Nós queremos promover uma alteração nesta estrutura. Continuaremos a ter as três áreas chave, futebol profissional, futebol de formação e futebol feminino, mas queremos alocar a equipa B para o futebol profissional. O futebol profissional teria alocada a equipa A e a equipa B porque entendemos que é importante ter essas equipas muito próximas. Um jogador da formação quando chega à equipa B é claramente profissional. Não faz sentido continuar a ser visto como apenas da formação. A partir daí, importa perceber que quem está no futebol profissional terá muita responsabilidade naquilo que é a equipa B, e que quem está na formação terá a responsabilidade da equipa Sub-23 para baixo. Quem está no futebol profissional, antes de pensar em contratar qualquer jogador fora do mercado, terá de olhar primeiro que tudo para a formação. Para isso, a formação terá de ser desenvolvida. O Benfica tem esse trabalho bem feito e não o podemos negar, mas achamos que os jogadores estão, muitas vezes, a ser tapados por contratações que vêm encher o plantel da equipa A. Não faz sentido dizer que temos jogadores da formação na equipa A e quando o Alexander Bah e o Dedic estão lesionados, andar a adaptar jogadores a esta posição quando se tem um lateral como o Leandro Santos. É um jogador que tem elevado potencial e acredito que poderá fazer coisas bonitas no Benfica.

Bola na Rede: Aí a estrutura deve sobrepor-se ao treinador?

Tomás Amaral: Não. A estrutura não se sobrepõe ao treinador, mas o treinador também não se sobrepõe à estrutura. É um trabalho de equipa. O trabalho da estrutura, que muitas vezes não acontece, é orientar o treinador e ajudá-lo a que tome boas decisões. Não é obrigá-lo a tomar decisões, é ajudá-lo e orientá-lo para essas decisões. É algo que hoje em dia não acontece. A estrutura atual do Benfica diz dar todas as condições ao treinador, mas quando começa a correr mal, usa o treinador como escudo para as más decisões da direção.

«Um departamento de scouting também tem de ser ouvido no preço a pagar por um jogador. E isso nunca aconteceu no Benfica».

Bola na Rede: No seu tempo do Benfica, até que ponto é que os relatórios de scouting eram levados em conta e tido como determinantes na escolha dos jogadores? Que importância tinham?

Tomás Amaral: Essa importância, na minha opinião, sempre foi aleatória. Mais não consigo dizer porque me fazem confusão algumas decisões que foram tomadas. Enquanto scout, percebo o meu lugar e sei que a minha função era apenas de um consultor que dava opinião sobre um determinado jogador e que a tomada de decisão não passava por mim, mas também me faz confusão ver algumas decisões que foram tomadas não só na avaliação e decisão de contratação do jogador, mas também no preço a pagar. Há algo muito claro para mim: um departamento de scouting também tem de ser ouvido no preço a pagar por um jogador. E isso nunca aconteceu no Benfica.

Bola na Rede: Há casos em que isso é evidente?

Tomás Amaral: Há. Já foram demasiado falados. Acho que não me compete a mim, neste momento, continuar a falar e a picar nesses assuntos. As pessoas sabem quais são os casos. A nossa proposta é que isso não aconteça mais e que as contratações sejam do Benfica e não de pessoa A, B ou C, do departamento de scouting ou da equipa técnica. O Benfica tem de ser visto como um todo, como um clube, como um trabalho em equipa. Tudo o que seja dividir para reinar não entra no nosso dicionário.

Bola na Rede: Na interligação com a estrutura, qual o papel do treinador na escolha das contratações?

Tomás Amaral: O treinador terá, obviamente, a sua opinião e a capacidade de dizer, em conjunto com a estrutura, que precisa de jogadores para uma determinada posição ou de um determinado perfil para a sua ideia. Cabe ao departamento de scouting, tendo essa informação de forma antecipada, indicar uma lista de quatro, cinco, seis jogadores que possam enquadrar-se nesse contexto. O treinador poderá escolher um jogador desses.

Bola na Rede: Nos casos em que for o treinador a apresentar o nome de um jogador que já conhece, o scouting terá de validar essa contratação?

Tomás Amaral: Terá de validar. Até por uma questão muito simples: o treinador é treinador, o scouting é o scouting. O treinador tem um foco muito grande – e bem – no treino, na gestão diária dos seus jogadores, na preparação para o jogo. Não tem tempo para ver jogadores. É uma falácia achar que o treinador conhece os jogadores todos. Não conhece e não há mal nenhum nisso porque não é a sua função. Cabe à estrutura promover que, quem passa o dia a ver jogadores, seja em vídeo, na televisão ou em viagens, possa ter uma opinião forte sobre o assunto. São eles quem passa o dia a ver os jogadores, não o treinador. Podemos pensar ao contrário. Um treinador vai fazer o onze para o próximo jogo. O scouting deveria ter força para dizer ao treinador qual o onze? Não, porque quem os treina é o treinador. As prioridades aqui também não se podem trocar.

«Tínhamos uma equipa-sombra heterogénea, com várias soluções de diferentes perfis, e uma segunda equipa-sombra homogénea, com dois jogadores por posição dentro do perfil que considerávamos que o treinador poderia vir a gostar ou valorizar».

Tomás Amaral

Bola na Rede: Muito se tem falado no conceito de equipa-sombra. Em que consiste?

Tomás Amaral: Posso explicar como funcionava na minha altura do Benfica. Tínhamos uma equipa-sombra em que o nosso trabalho era identificar jogadores com nível para o Benfica, independentemente do modelo de jogo e da ideia do treinador. Dentro dessa equipa-sombra tínhamos, por exemplo, para a posição de ponta de lança jogadores com vários perfis. Daquilo que nós entendíamos, porque a comunicação nunca foi muito grande, ser jogadores que melhor se adaptariam à ideia do treinador, criávamos uma segunda equipa-sombra, que chamámos de filtro da equipa-sombra. Tínhamos uma equipa-sombra heterogénea, com várias soluções de diferentes perfis, e uma segunda equipa-sombra homogénea, com dois jogadores por posição dentro do perfil que considerávamos que o treinador poderia vir a gostar ou valorizar.

Bola na Rede: Dentro destes perfis, quais as características importantes?

Tomás Amaral: Podemos falar da capacidade para o modelo de jogo, da idade, do valor de mercado, de objetivo de contratação – jogador de grupo ou titular para entrada imediata. Posso dar um exemplo, um cenário hipotético. Não faria sentido ter um jogador como o Pavlidis, o melhor marcador da equipa e que deu tanto à equipa, e pagar mais 40 milhões de euros para um jogador para a sua posição. Não faz sentido porque já estamos bem servidos.

Bola na Rede: Nestas características, há alguma fundamental em todos os jogadores para jogarem no Benfica?

Tomás Amaral: No Benfica atual não existe. Ouvi sempre uma velha máxima: “Podemos falhar a contratação, mas não podemos falhar o critério”. A pergunta que deixo para quem nos for ler é: qual é o critério de contratação do Benfica nos últimos quatro anos?

Bola na Rede: E há resposta?

Tomás Amaral: Não consigo encontrar. Falta visão ao Benfica atual e é isso que nos propomos a mudar.

Bola na Rede: Que mudanças pretendem implementar na equipa-sombra?

Tomás Amaral: A equipa-sombra em si não terá de ter mudanças. Conheço algumas pessoas que trabalham no departamento, porque também trabalharam comigo, e sei da competência que têm e da paixão com que vivem o scouting e o Benfica. Cabe a quem está acima deles, seja o diretor desportivo, diretor geral, vice-presidente ou presidente, criar canais de comunicação que facilitem a ligação entre o departamento de scouting, os cargos diretivos e a equipa técnica. Até hoje, isto não tem acontecido no Benfica.

«A personalidade do jogador é cada vez um fator mais importante naquilo que é a possibilidade de chegar ao alto nível ou não conseguir afirmar-se».

Tomás Amaral
Tomás Amaral Spartak 2
Fonte: FK Spartak Moscovo

Bola na Rede: Para lá do futebol, quais os fatores importantes de ter em conta quando se vai contratar um jogador?

Tomás Amaral: Há um fator crucial e que muitas vezes é diferenciador. No caso de termos dois jogadores muito bons, que se encaixem no modelo de jogo e com a mesma idade, há um fator diferencial: a personalidade do jogador. Na minha opinião, é cada vez um fator mais importante naquilo que é a possibilidade de um jogador chegar ao alto nível ou não conseguir afirmar-se.

Bola na Rede: Como pode ser medida essa personalidade?

Tomás Amaral: Tem de ser feito um trabalho grande de observação ao vivo e um trabalho grande de pesquisa em redes sociais, notícias e entrevistas que o jogador deu, mas também através de pessoas próximas ao jogador. Este lado passa pelo conhecimento e conversa com os familiares, pelas conversas com o agente, embora este possa ter tendência em dizer que está tudo bem, e pelo conhecimento, num mundo global e através da rede de contactos criada por mim, pelo Pedro [Ferreira] ou pelo Nuno [Gomes], de antigos treinadores, colegas, analistas e adjuntos. São pessoas que trabalharam perto do jogador e que nos passam informações indicadoras da personalidade do jogador.

Bola na Rede: Esse é um trabalho invisível fundamental na contratação de um jogador?

Tomás Amaral: É fundamental e não pode ser descurado. Não podemos separar o jogador de futebol da pessoa. Tudo isto tem de estar no trabalho de scouting e na decisão final de um diretor desportivo, de uma direção e de um treinador.

Bola na Rede: Pensando na importância de facilitar a adaptação, até que ponto pode ser necessário melhorar infraestruturas, redes de acompanhamento ou tutorias?

Tomás Amaral: Temos no nosso projeto uma ideia que é o Protocolo Mística Benfica. Começa com um documento onde apresentamos ao jogador, à sua família e ao seu agente, aquilo que é o Benfica, a sua história, a sua exigência, a dimensão do clube e a estrutura que o jogador vai encontrar. É um primeiro passo crucial. Depois, há o acompanhamento e apoio ao jogador, mais relacionado à adaptação à cidade e à vida num novo país, quando falamos de jogadores estrangeiros. A terceira fase é crucial para o clube, e passa por ter perto uma pessoa como o Vítor Paneira, que sabe como poucos o que representa o Benfica e qual a sua exigência. Ele próprio é uma pessoa muito exigente, não só consigo como com toda a gente, porque vê o Benfica como a sua vida. É importante ter uma pessoa como o Vítor enquanto diretor técnico que possa, no dia-a-dia, transmitir a mística aos jogadores que chegam. Depois há uma outra questão. Quando se encontra estabilidade na equipa de futebol, há jogadores com muitos anos de casa e que são responsáveis pela transmissão da mística. Não será só o Vítor, será também o Otamendi, o Aursnes, o António [Silva]. A manutenção destes jogadores e de outros que já estão no Benfica, e a quem queremos dar estabilidade para continuarem no Benfica, permite-lhes ser transmissores dessa mística.

Bola na Rede: Na ideia de estabilidade, qual o papel da direção desportiva nas vendas?

Tomás Amaral: Primeiro, é preciso perceber porque são feitas as vendas. São feitas porque é impossível segurar o jogador, porque um clube chegou e bateu a cláusula de rescisão, ou é impossível segurar o jogador porque o clube está desesperado financeiramente? São duas questões muito diferentes. Posso dar o exemplo do João Neves. Infelizmente para todos nós benfiquistas, foi um jogador que saiu cedo demais. Não era só o jogador, mas tudo o que representava. O João Neves era e é Benfica. Deixo uma questão no ar. O João Neves saiu por necessidade financeira e o Benfica está pior financeiramente que os rivais ou o João Neves saiu porque há incapacidade de convencer o João Neves a ficar?

«Não faz sentido o Benfica pagar 20 ou 25 milhões de euros por um jogador que, à partida, todos sabiam que ia ser segunda opção».

Tomás Amaral

Bola na Rede: Permita-me pegar na estabilidade dos rivais e olhar para o Sporting como ponto de comparação. Na última temporada, o Sporting foi bicampeão também pela capacidade de manter todos os principais jogadores no plantel. É esta uma das fórmulas do sucesso?

Tomás Amaral: Todos achamos que temos uma fórmula do sucesso. Há uma coisa de que estou certo: a estabilidade que o Sporting conseguiu para atacar o campeonato foi um mérito do Sporting; a instabilidade que o Benfica teve foi um demérito do Benfica.

Bola na Rede: No último mercado, o Benfica foi buscar o Richard Ríos ao Brasil e o Franjo Ivanovic à Bélgica, ambos por mais de 20 milhões de euros. Ir buscar jogadores a ligas periféricas por tanto dinheiro é um risco?

Tomás Amaral: O investimento é sempre um risco. Cabe a um departamento de scouting ser ouvido e a uma direção avaliar esse risco e perceber se faz sentido ou não. O treinador não tem nada que ver com o investimento, não é responsável pelo valor.

Bola na Rede: Há valores máximos para certos riscos? Por exemplo, o Ivanovic chegou como potencial suplente, era difícil imaginar que tirasse o lugar ao Pavlidis. Faz sentido pagar tanto dinheiro por um jogador que, à partida, não será titular?

Tomás Amaral: Na minha opinião, e gostando do Ivanovic, não faz sentido o Benfica pagar 20 ou 25 milhões de euros por um jogador que, à partida, todos sabiam que ia ser segunda opção.

Bola na Rede: O Ivanovic e o Pavlidis têm um perfil diferente. Faz sentido que o suplente tenha um perfil diferente ou que se aproxime mais do seu substituto direto?

Tomás Amaral: Muito diferentes. Depende muito do que foram as conversas que Bruno Lage teve com a direção. Bruno Lage disse publicamente que, pela primeira vez, o ouviram naquilo que é o mercado de transferências. Depende da ideia de Bruno Lage. Talvez estivesse a olhar para Ivanovic como um jogador diferente do Pavlidis, mas que poderia vir a necessitar em determinados contextos e jogos. Não consigo responder a isso sem estar por dentro, falar com o treinador e perceber a lógica por detrás da decisão.

«Na nossa opinião, o mercado português terá de ser muito mais bem aproveitado».

Tomás Amaral
Tomás Amaral
Fonte: FK Spartak Moscovo

Bola na Rede: Começava uma viagem pelo mundo e pelos diferentes mercados. O mercado nacional não tem sido uma das prioridades do Benfica nos últimos anos. Sente que deveria sê-lo?

Tomás Amaral: Há dois mercados que têm de ser sempre prioritários para o Benfica. O primeiro mercado é a formação. Vamos considerá-lo um mercado porque podemos captar jogadores, muitos deles com anos de Benfica, que já conhecem a casa e têm no sangue o que é o Benfica e o orgulho de jogar com a camisola do Benfica. Há um segundo mercado, que é o português, que na nossa opinião terá de ser muito mais bem aproveitado. Não quero dizer com isto que o Benfica tenha de cometer loucuras no mercado nacional. O mercado português também está inflacionado. Temos de perceber como negociar melhor dentro do mercado nacional para aproveitar melhor os valores que existem no nosso campeonato, já adaptados ao país, conhecedores da liga e que, mesmo quando estrangeiros, já perceberam a dimensão do Benfica. É um mercado que temos de ter em atenção.

Bola na Rede: A adaptação ao país e conhecimento da liga beneficiam o mercado nacional face aos restantes?

Tomás Amaral: Sim, obviamente.

Bola na Rede: Qual o peso que têm?

Tomás Amaral: Nunca é um peso certo. Depende da qualidade do jogador, do valor de mercado e de opções que possamos ter noutros mercados. Há vários fatores a ter em conta na contratação de um jogador: a qualidade, a qualidade-preço, a facilidade de adaptação, a personalidade. Não é regra que todas as dúvidas que tenhamos entre A e B sejam decididas da mesma forma.

Bola na Rede: No mercado nacional o desafio passará por atrair jogadores mais cedo, com a possibilidade de reforçar a formação, para escapar à inflação?

Tomás Amaral: Acredito que o Benfica faça o seu melhor para recrutar os melhores jogadores para si. Às vezes fala-se que jogador A, português, poderia ter chegado mais cedo. Não sabemos se esse jogador, tendo vindo mais cedo para o Benfica, seria o jogador que se veio a revelar. O contexto foi diferente, o espaço de crescimento foi diferente, a confiança que lhe foi dada noutro contexto foi diferente. O Benfica terá sempre de ter em atenção o recrutamento mais cedo, antecipar o potencial e olhar não só à Primeira Liga, mas também à Segunda Liga e Liga 3. Dou um exemplo bem claro: o caso do [Ousmane] Diomande no Sporting. Hoje em dia é um titular, muito importante, com interessados na Premier League e veio diretamente da Segunda Liga para o Sporting. Um segundo exemplo: o Alisson [Santos]. Começa agora a aparecer no Sporting e foi recrutado na Segunda Liga. Não quero dizer que o Benfica tivesse de recrutar obrigatoriamente estes jogadores, porque os contextos eram diferentes, os plantéis são diferentes, as ideias são diferentes, mas o Benfica tem de ter conhecimento. Quando achar que faz sentido, não pode ter problemas ou preconceitos a olhar para estas ligas.

«Não podemos emprestar para despachar jogadores, temos de emprestar para desenvolver jogadores».

Tomás Amaral

Bola na Rede: Qual o papel e importância dos empréstimos para desenvolver jogadores e qual o critério que deve ser tido em conta para emprestar um jogador?

Tomás Amaral: Na minha opinião, os empréstimos têm sido mal geridos pelo Benfica. Não tanto pelo acompanhamento ou observação do jogador, para perceber em que estado de desenvolvimento está, mas acima de tudo no acompanhamento em termos de comunicação com o jogador e com o clube onde está emprestado. O Benfica tem de emprestar jogadores com um objetivo primordial que é o desenvolvimento para o jogador poder regressar ao Benfica e ser útil. Isto não tem acontecido. Para isso, uma das funções do Vítor [Paneira], que tem esse conhecimento técnico e de mercado, é a de olhar para os jogadores que queremos emprestar, procurar os clubes onde acreditamos que o jogador se possa desenvolver mais facilmente e colocá-lo emprestado. Depois, tem também de fazer o seu acompanhamento pela observação dos jogos e pelo acompanhamento diário de como está o jogador. O jogador sai do Benfica emprestado, mas continua a ser jogador do Benfica. Não podemos emprestar para despachar jogadores, temos de emprestar para desenvolver jogadores. O objetivo desses jogadores e do Benfica tem de ser regressarem para ser úteis ao Benfica.

Bola na Rede: Neste processo de seleção do clube de destino faz sentido pensar em relações e parcerias que facilitem esta lógica?

Tomás Amaral: Faz sentido ao Benfica ter relação com todos os clubes e não apenas com dois ou três, seja em Portugal ou fora do país. Não podemos emprestar um jogador sem critério. O Benfica é uma equipa dominante e que quer jogar no último terço. O Benfica não pode formar um avançado e emprestá-lo a equipas que joguem fechadinhas cá atrás e à procura da transição. Isso não vai desenvolver o jogador, o jogador vai desmotivar e o regresso à casa-mãe, que é o Benfica, ficará mais difícil.

Bola na Rede: Em que dimensões deve assentar esse cuidado?

Tomás Amaral: Perfil de treinadores, treinador desses clubes, ideia de jogo dos clubes, ambiente que se vive à volta dos clubes. Tudo isso é importante.

Bola na Rede: Sente que o cuidado não foi suficiente para impedir que alguns jogadores estagnassem a sua evolução?

Tomás Amaral: Houve jogadores que claramente estagnaram. Não digo que o Benfica os perdeu porque continuo a acreditar que são jogadores com um potencial interessante para um dia serem úteis ao Benfica, mas não ajudou a que se desenvolvessem com a velocidade que se esperava.

Bola na Rede: O potencial é sempre uma coisa difícil de medir porque há jogadores que se desenvolvem e maturam em estágios diferentes. Qual a sensibilidade necessária para avaliar este tema e perceber se um jogador já atingiu o teto máximo ou não?

Tomás Amaral: Depende muito da experiência. Quanto mais anos temos de futebol e mais experiências vivemos, mais capacitados estamos para perceber o que é o potencial de um jogador. Obviamente que, à partida, um jogador de 20 anos terá muito mais potencial que um jogador de 28, mas tudo depende de qual é o potencial. É o potencial no nível técnico, no nível físico, no nível de entendimento de jogo? Muitas vezes, o jogador já tem isto tudo, mas falta-lhe maturidade mental. Muitas vezes falamos de potencial e parece que é apenas “Ele falha cinco remates e daqui a três anos já não falha cinco, só falha um”. Não tem que ver só com isto, também com a questão mental e de desenvolvimento pessoal. Qualquer pessoa normal tem o mesmo desenvolvimento ao longo da vida.

«O Benfica tem de perceber que o talento existe em todo o lado e terá de estar atento a todas as divisões. Se não procurarmos e acreditarmos nesse potencial, pouco vale. Quando o David Luiz veio para o Benfica, houve alguém que acreditou no seu potencial».

Tomás Amaral
Tomás Amaral
Fonte: Benfica Acima de Tudo

Bola na Rede: Retomando a viagem pelos mercados do mundo, este é o primeiro ano em muito tempo que o Benfica não tem qualquer jogador brasileiro no plantel, embora tenha ido buscar o Richard Ríos ao Brasil. O mercado brasileiro está cada vez mais inacessível?

Tomás Amaral: Não, não acredito. Se pensarmos bem, o Brasil é praticamente um continente. Hoje em dia, fruto dos grupos de investimento e de clubes como o Real Madrid irem ao Brasil diretamente, é normal que o Benfica não consiga contratar um Endrick, um Vinícius Júnior, um Rodrygo ou um Estêvão. É perfeitamente normal que isto não aconteça. Agora, sendo um país tão grande, o Brasil continua a ter segundas e terceiras linhas de grande potencial. Cabe ao Benfica fazer bem esse trabalho, perceber bem qual a personalidade dos jogadores para entender o potencial, e acreditar neles. Não me parece que o Benfica tenha deixado de contratar por ser impossível. Deixou de contratar no Brasil por outro fator que não a impossibilidade.

Bola na Rede: Na primeira linha do futebol brasileiro há jogadores que chegam à Europa demasiado cedo ou que não conseguem ter logo o rendimento esperado. Penso no Vitor Roque, no Antony quando chega ao Manchester United. Pode ser uma oportunidade para o Benfica ir buscá-los numa fase em que estão mais desacreditados?

Tomás Amaral: Depende do salário que já têm. Não sei qual seria o salário do Antony, cabe ao Benfica perceber se o seu salário enquadraria na tabela salarial do clube. Acredito que o Benfica tem uma oportunidade no Brasil e noutros mercados para olhar para jogadores numa segunda ou terceira linha, muitas vezes menos conhecidos, e desenvolvê-los. Quem sabe, ao virem para o Benfica, acompanhados e potenciados, possam ir para a primeira linha e superam os melhores jogadores do mundo.

Bola na Rede: Há casos como o do Gabriel Martinelli, que saltou da Série D para o Arsenal. Quão fundo pode o Benfica escavar à procura destes talentos?

Tomás Amaral: O Benfica tem de perceber que o talento existe em todo o lado e terá de estar atento a todas as divisões. Não me cabe a mim que o Benfica, que teve o exemplo do David Luiz, não possa pensar que pode repetir o feito. Podem dizer que não aparecem jogadores como o David Luiz e o Martinelli todos os anos nessas divisões. Obviamente que não, mas se não procurarmos e acreditarmos nesse potencial, pouco vale. Quando o David Luiz veio para o Benfica, houve alguém que acreditou no seu potencial.

Bola na Rede: Jogadores de divisões inferiores serão sempre mais baratos. É possível ter um maior risco nestes casos e contratar mais jogadores para papéis secundários?

Tomás Amaral: Eu percebo a pergunta. Depende sempre de uma coisa: a nossa formação tem ou não jogadores para essa posição? Nenhum de nós sugere que o Benfica vá buscar um camião de jogadores para ocupar espaço na nossa formação. Vamos imaginar que, em três ou quatro gerações, e temos de ter o controlo disso dentro de casa, nos falta um ponta de lança na formação. O Benfica tem que se precaver e, se não existe em Portugal e não perspetiva a formação de um jogador de grande nível internamente, tem de ter a capacidade de ir lá fora. Quem diz no Brasil diz noutros mercados. Tem de antecipar esse talento, contratar e terminar a formação desse jogador já em nossa casa, contratando-os mais barato. Um dia poderão ser muito úteis para a equipa principal.

«Existe uma relação entre a fome de vencer dos jogadores e a sua condição social».

Tomás Amaral

Bola na Rede: Na América do Sul, é por demais evidente a ligação do Benfica com o futebol argentino. Por todo o continente no geral ter jogadores mais técnicos, ousados e criativos, deverá este ser um mercado preferencial?

Tomás Amaral: Obviamente que a América do Sul tem de ser um mercado prioritário para o Benfica. Não só pela sua história, mas também pela quantidade de talentos que saem todos os meses desses mercados. É importante que o clube saiba olhar para esses talentos e perceber que são diferenciados em relação a determinados fatores que não encontramos noutros mercados, seja o fator técnico, mas também o próprio fator da personalidade. Falamos de jogadores cuja fome de vencer será sempre muito maior que jogadores que nasceram com tudo, numa sociedade mais desenvolvida. Não quero dizer que todos os jogadores argentinos eram pobres, mas existe uma relação entre a fome de vencer dos jogadores e a sua condição social. É muito importante que o Benfica perceba que tem aqui a oportunidade de ter jogadores com esta fome, ao contrário de outras contratações de jogadores já feitos, com um determinado estatuto e nível salarial. Não digo que nenhum deles tenha fome, o Otamendi é um caso claro do seu contrário. Veio para o Benfica com a vida resolvida e continua a ser um dos jogadores com mais fome dentro do Benfica. Porém, há muitos casos que vêm com a vida resolvida e, à primeira dificuldade, não lhes apetece ultrapassar ou quebrar a barreira da adaptação. Ao contrário, um jogador mais jovem argentino, brasileiro, uruguaio, ou de outro país na América do Sul tem essa fome e não desiste à primeira contrariedade.

Bola na Rede: O Norte da Europa é um mercado em ascensão e o próprio Benfica tem vários jogadores escandinavos. Quais as características que estes jogadores podem trazer?

Tomás Amaral: Não vou só ao lado físico, porque esse é evidente. Os países nórdicos têm, mais do que os jogadores, pessoas fisicamente mais desenvolvidas que os portugueses. No Norte da Europa, por exemplo na Dinamarca, é feito um grande trabalho na formação dos jogadores. Aqui não tem apenas que ver com o nível físico, também a nível técnico, de entendimento de jogo e da personalidade do jogador nórdico. É um jogador, comparativamente à América do Sul, que nasce com outro nível de vida, mas que é muito correto no cumprimento de regras e profissionalismo. São jogadores bastante apetecíveis para qualquer clube e para o Benfica também. São os casos dos noruegueses Aursnes ou do Schejlderup, que ainda não se afirmou a 100%, mas pessoalmente acredito que se lhe derem espaço e confiança para tal isso vai acontecer. O Dahl chegou ao Benfica e já mostrou capacidade e inteligência para jogar em diferentes posições e o Bah infelizmente tem sofrido lesões, mas no ano do título do Roger Schmidt foi bastante importante. Basta ver a quantidade de assistências que fez ao longo da época.

Bola na Rede: O seu último trabalho foi no Spartak Moscovo, pelo que tem certamente um conhecimento maior da Europa de Leste. Porque é que é um mercado menos explorado em Portugal?

Tomás Amaral: Tem jogadores de qualidade e é um mercado que o Benfica tem de continuar a explorar no Leste da Europa. O Benfica tem dois jogadores ucranianos de bom nível, já teve em tempos também o Yaremchuk. Terá de continuar a explorar esses mercados não só olhando ao perfil físico, que também existe tal como nos países nórdicos, mas também à seriedade que os jogadores das novas gerações de leste levam no futebol.

Bola na Rede: Falou no caso do Sudakov e do Trubin, dois jogadores com a mesma nacionalidade. No ano passado o Benfica tinha o Akturkoglu e o Kokçu da Turquia. Quão importantes são estas sinergias no balneário do Benfica?

Tomás Amaral: Sou bastante da opinião de que, quando contratamos jogadores, e tiro desta equação o valor de mercado e os salários, há três fatores que são muito importantes: o nível do jogador e enquadramento para a ideia de jogo; a personalidade do jogador; e a facilidade que um jogador tem para se enquadrar dentro do balneário. O adepto vê a terça e o sábado ou a quarta e o domingo, os dias de jogos, mas o jogador de futebol vive constantemente com os seus colegas. Passa mais tempo com os colegas do que com as famílias. É essa a vida de um jogador de futebol. É importante que estas sinergias se criem e que, quem constrói um plantel, perceba como é que os jogadores e as suas nacionalidades, os seus costumes, os seus hábitos se vão ligar entre si. Leva a que, no final, o grupo possa ser muito mais unido. Um grupo que não seja unido pode ganhar uma vez, mas para ganhar de forma consistente, os grupos têm de ser unidos.

«O Benfica terá de ter recrutamento em África e de estar presente em torneios, na observação de jogos de academias e na exploração dos mercados dos PALOP».

Tomás Amaral
Benfica Jogadores Adeptos
Fonte: Carlos Silva / Bola na Rede

Bola na Rede: As segundas divisões inglesa e espanhola, principalmente, têm dado cada vez mais jogadores ao futebol português. São mercados mais acessíveis e capazes de apresentar jogadores a que o Benfica chegue mais facilmente?

Tomás Amaral: São, dependendo da forma como apresentamos o projeto e do sentido que façam os jogadores para o modelo. Falo a título pessoal, mas acho que a Segunda Liga Espanhola tem imensos jogadores de qualidade. Muitos deles podem enquadrar-se na visão que temos para o Benfica em termos de futebol pressionante e ofensivo e de capacidade de ser dominantes perante o adversário. Como é óbvio, são mercados a que o Benfica tem de estar atento, sempre dentro dos parâmetros financeiros para não entrar em loucuras de gastar 30 ou 35 milhões de euros por jogadores só porque sim.

Bola na Rede: Olhando para as periferias, para África, Ásia, América do Norte. Por que razão é que estes mercados não são tão explorados pelo Benfica?

Tomás Amaral: Falando de África, tem muito que ver com os clubes em Portugal perceberem como é que os jogadores se vão adaptar à nossa realidade. Há clubes que trabalham muito bem a questão da adaptação, da chegada do jogador, do enquadramento para os clubes onde vão e o Benfica terá de evoluir nesse sentido. Temos uma enorme quantidade de PALOP’s que deve ser melhor aproveitada pelo Benfica. O Benfica terá de ter também recrutamento em África e de estar presente em torneios, na observação de jogos de academias e na exploração dos mercados dos PALOP.

Bola na Rede: Da Geórgia ao Uzbequistão, há jogadores de todo o lado nos principais clubes do mundo. Como é possível chegar a estes mercados que, por serem fora do radar, poderão ter oportunidades de negócio a preços muito baixos?

Tomás Amaral: Possível é. Quando estava no Benfica, já tínhamos atenção a estes mercados, fossem eles asiáticos, europeus, ou de outros continentes. Houve atenção, mas cabe a quem toma decisões abrir perspetivas e confiar que esses mercados podem ser úteis ao Benfica. Até então, não aconteceu.

Bola na Rede: Para concluir, o que espera e pode prometer que vai ser feito na direção desportiva do Benfica a partir do dia 9 de novembro?

Tomás Amaral: Não espero. Vai ser feito. Vai ser diferente e deixo duas mensagens distintas. Uma mensagem para dentro, para quem já está no Benfica. Vão ter a possibilidade de desenvolver projetos e de perceber que a comunicação vai ser muito mais próxima entre todos. Vamos ser um Benfica muito mais unido. Também uma mensagem para fora. É muito fácil falar de títulos, prometer Champions League ou campeonatos. Nós queremos e acreditamos que, com esta forma de trabalhar, vamos chegar a muitos mais títulos. Mas também queremos uma coisa. Queremos que as pessoas se identifiquem com o Benfica, que olhem para o Benfica e digam “Este é o meu Benfica”. É isso que nos propomos e que acreditamos que a partir de dia 9 será feito.

Diogo Ribeiro
Diogo Ribeirohttp://www.bolanarede.pt
O Diogo tem formação em Ciências da Comunicação, Jornalismo e 4-4-2 losango. Acredita que nem tudo gira à volta do futebol, mas que o mundo fica muito mais bonito quando a bola começa a girar.

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