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A vitória que explica Mourinho e o Benfica que ainda procura o seu caminho | Ajax 0-2 Benfica

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Há jogos que não entram para a história pela beleza, nem pelo excesso de inspiração, mas por aquilo que revelam sobre o estado anímico e estrutural de uma equipa. Em Amesterdão, o Benfica não construiu uma exibição para guardar, mas, isso sim, um sinal de vida. E quando se está numa Liga dos Campeões que parece não perdoar um erro, um desvio ou até uma hesitação, o simples ato de respirar fundo e afirmar “estamos vivos” vale mais do que a estética.

Ora, o encontro com o Ajax expôs isso de forma quase cruel: dois gigantes, duas camisolas pesadas, a viverem uma realidade que não se veste de glória, mas de sobrevivência. E, no meio dessa atmosfera quase melancólica, o Benfica foi aquele que conseguiu, enfim, juntar a urgência à disciplina. E é precisamente por aqui que começa a explicação de um final de tarde que, mais do que bonito, foi útil.

A equipa sabia que o jogo não pedia perfeição; pedia resposta. Sobretudo depois das palavras duras de Mourinho após o jogo da Taça, quando ele próprio admitiu que “houve muito jogador que não foi sério, que não encarou as coisas como devia” e que, ao intervalo, “gostava de ter feito nove substituições”. Esse eco ainda andava na cabeça dos jogadores — e, para ser sincero, andava também na minha. Precisava de ver a reação, não em discursos, mas em atitudes. E, desta vez, o Benfica entrou a perceber o peso da ocasião.

José Mourinho Benfica
Fonte: Ana Beles/Bola na Rede

Não demorou muito até o jogo ganhar contornos que encaixavam na estratégia de Mourinho: um início intenso, direto, a explorar a instabilidade emocional do adversário. E aí, num daqueles momentos em que a equipa ainda está a aquecer motores, surge o tal episódio que mudou a disposição de tudo: o canto em que Ríos ganhou nas alturas, obrigando Jaros a uma defesa difícil, e a recarga de Dahl, um remate de execução limpa, potente, colocado, daqueles que parecem dizer “se não marcarmos agora, não marcamos nunca mais”.

Sim, foi cedo, cedo o suficiente para o Ajax se desmontar, e cedo o suficiente para o Benfica perceber que não precisava de se reinventar. Bastava ser pragmático. E isso, com Mourinho, não é um insulto, mas um desígnio.

Senti, desde esse instante, que o jogo estava a ser disputado num tapete emocional inclinado. O Ajax tocava na bola, mas tocava desconfortável. O estádio murmurava, inquietava-se com cada passe falhado. E Mourinho, que melhor do que ninguém sente o cheiro da fragilidade adversária, soube transformar essa ansiedade num recurso.

O Benfica, mesmo sem grande volume ofensivo, ia expondo as limitações do Ajax: a incapacidade de lidar com movimentos contrários de Barreiro e Pavlidis, a dificuldade em segurar segundas bolas, a desorganização no momento de transição. E quando não conseguia ferir, defendia. Defendia com Ríos sempre atento ao espaço interior de Kenneth Taylor, com Aursnes a cortar linhas de passe para o flanco forte dos neerlandeses, com os centrais a manterem Weghorst num duelo físico tão exigente quanto necessário.

Mas, como seria esperado de uma equipa ainda à procura de equilíbrio, o Benfica não manteve sempre essa superioridade emocional. Houve ali uma fase, aquela meia hora em que o Ajax cresceu, que expôs fragilidades antigas, nomeadamente a dificuldade em segurar o jogo com bola, a tendência para recuar metros sem intenção, o habitual bloqueio em zonas de primeira construção. E foi precisamente nesse período que emergiu a figura de Bounida. Um talento ambidestro, inquieto, que parecia, por momentos, capaz de desatar o nó neerlandês sem pedir licença a ninguém.

Ainda assim, mesmo com o Ajax a ameaçar, nunca senti o Benfica verdadeiramente perdido. O susto maior, aquele remate forte de Klaassen defendido por Trubin e o corte providencial de Otamendi na recarga, serviu mais como lembrete do que como aviso fatal. Era a prova de que esta equipa, apesar das suas quebras, não se desorganiza de forma irremediável. Não colapsa. Não implode. Sofre, mas recompensa-se na forma como reage.

Quando chegou o intervalo, percebi que o mais delicado estava ultrapassado. Não porque o Benfica controlasse o jogo, mas porque controlava a narrativa emocional. De certa forma, parecia-me um típico jogo de Mourinho, ou seja, vantagem cedo, bloco organizado, risco medido, confiança crescente na capacidade de sofrer. Não brilhante, mas adulto. Não exuberante, mas consciente.

E, acima de tudo, com uma ideia clara. Este Benfica não está talhado, neste momento, para assumir jogos durante 90 minutos. É uma equipa em construção, com atacantes em falta, com um treinador que dispensa romantismos e que sabe que, nas noites de Champions, ganhar muitas vezes é saber sobreviver.

E foi isso que o Benfica fez na primeira parte, logo sobreviveu com intenção. Foi frio quando tinha de ser frio, direto quando tinha de ser direto, pragmático quando o jogo pedia pragmatismo.

De facto, se a primeira parte mostrou um Benfica pragmático, a segunda revelou um Benfica vulnerável, mas lúcido na forma como soube transformar essa vulnerabilidade num método de sobrevivência. E, para mim, é aqui que se percebe verdadeiramente o “dedo” de Mourinho. Não no brilho, não na ousadia, mas na capacidade de ler o jogo como quem lê uma sala em silêncio. Não é preciso dominar para controlar, já que, às vezes, basta condicionar.

O recomeço trouxe, por isso, exatamente aquilo que eu antecipava, isto é, um Ajax disposto a reagir, a jogar com o desespero próprio de quem já não tem muito a perder. E, nesse período, o Benfica sentiu o campo a inclinar.

O jogo deixou de ser disputado na zona onde os encarnados se sentiam mais confortáveis, o meio-campo, e passou a ser vivido perto demais da área de Trubin. Era claro que Mourinho tinha preparado a equipa para sofrer, mas também era claro que a equipa estava a ser empurrada para trás pela irregularidade que tem acompanhado esta época sempre que tenta ter bola.

Ainda assim, nunca me pareceu que o Ajax tivesse armas para tornar esse domínio territorial em algo realmente consistente. Houve aproximações, houve meia-dúzia de rasgos de Bounida, sempre ele, e até um par de jogadas que nasceram do talento já sabido de Weghorst em servir quem chega de trás. Mas o Ajax vive uma crise tão profunda que até as boas sequências terminavam invariavelmente em imprecisão ou ansiedade.

E o Benfica, mesmo recuado, ia cumprindo. Não era bonito, longe disso. Diria que há equipas que defendem bonitas, com elegância, com classe; este Benfica defende como quem sabe que não tem alternativa. É um conjunto que, quando se fecha, não o faz com harmonia, mas com disciplina. Não encanta, mas resiste. E essa resistência contém sempre algo de admirável, sobretudo quando a equipa não tem soluções ofensivas para respirar.

Por outro lado, a verdade é que este jogo, visto de forma crua, expôs todas as limitações atuais do Benfica com bola. Sempre que conseguia recuperar a posse, a equipa hesitava, perdia metros, parecia incapaz de transformar o ganho momentâneo em algo sustentável.

A circulação era lenta, previsível, por vezes desligada. Faltavam rotas claras, faltava atrevimento, faltava sobretudo qualidade na condução e no passe entre linhas. É por isso que, quando se fala do Benfica “jogar pouco”, eu percebo exatamente porquê. Esta segunda parte foi um espelho disso.

Mas, ao mesmo tempo — e isto é importante — também foi espelho daquilo em que Mourinho acredita. Um jogo construído sobre solidez, sobre sacrifício, sobre o rigor dos “soldados”, como ele próprio já definiu Leandro Barreiro. E esse rigor foi vendo-se em detalhes: Ríos manteve-se sempre atento aos médios neerlandeses, Barrenechea mostrou dificuldades no um-contra-um, mas compensou na ocupação dos espaços interiores, António Silva e Otamendi venceram os duelos essenciais, Aursnes revelou aquele instinto posicional que vale ouro em jogos sem bola.

O que não se viu, novamente, foi atrevimento. Houve um momento ou outro em que o Benfica tentou transitar — Sudakov a conduzir, Pavlidis a segurar uma bola difícil, Dedic a surgir por trás para finalizar —, mas eram simples lampejos, nunca tendências. A equipa parecia com medo de perder o pouco que tinha conquistado, e isso retirou-lhe oxigénio. Esta foi uma segunda parte passiva, quase cínica, que fez o Ajax acreditar que podia chegar ao empate mesmo que, na realidade, nunca tivesse mostrado suficiente clareza para isso.

E é aqui que entra o detalhe que, para mim, explica muito sobre o momento desta equipa: Mourinho voltou a hesitar nas substituições. Há jogos em que um banco vibrante resolve problemas; há outros em que o banco é um eco vazio. Para Mourinho, claramente, este Benfica é mais o segundo caso. Ele olha para trás e não vê soluções reais. Vê jogadores, mas não vê ideias. E, por isso, espera. Espera quase até ser tarde. Espera até que o jogo o obrigue a mexer. Foi assim em vários dos jogos anteriores e foi assim aqui.

Só mudou quando o Ajax colocou dois pontas-de-lança. E, nesse instante, nesse único instante onde o medo de perder supera o medo de arriscar, Mourinho agiu. Entrou Tomás Araújo para reforçar a linha defensiva, num movimento que diz muito sobre a mentalidade do treinador: o resultado é um bem precioso demais para ser exposto ao caos.

Curiosamente, foi depois desse ajuste que o Benfica encontrou espaço para ferir. Uma daquelas ironias do futebol: a equipa só se libertou quando aceitou fechar-se por completo. E, quando finalmente apareceu margem para contra-atacar com algum critério, surgiu o momento que simplificou tudo: Barreiro, o tal soldado, a combinar com Aursnes e a finalizar com maturidade, castigando a fadiga neerlandesa num lance que foi mais consequência emocional do que criação tática.

E, se é para falar de Barreiro: ele foi, sem exagero, a alma deste jogo. Não pela técnica, não pela criatividade, mas pela forma como veste funções que muitos evitam. Corre pela equipa, fecha pelo colega, aparece onde falta alguém, ataca o espaço quando necessário e tem aquela característica que define os jogadores que Mourinho sempre adorou: nunca foge. Nunca abdica. Nunca se esconde. E, por isso, não me surpreendeu nada vê-lo resolver.

No fundo, este segundo golo foi a metáfora do jogo todo: o Benfica não brilhou, mas soube esperar pelo momento certo em vez de forçar o brilho. Jogou pouco, mas ganhou muito. E, por uma vez nesta Champions, isso bastou.

O Ajax? Esse merecia um parágrafo próprio. Não pela grandeza histórica e passada, porque, essa, já é mais do que conhecida, mas, isso sim, pela decadência que vive atualmente. Porque, vendo bem, esta é uma equipa que perdeu a identidade, o encanto, a audácia. Vive atrelada ao talento momentâneo de Bounida e à força de Weghorst, como se estivesse a tentar reconstruir um edifício moderno com ferramentas do século passado. Este Ajax não é o Ajax do Cruijff, não é o Ajax do 4-3-3 pedagógico, não é o Ajax da formação que iluminava a Europa. É um conjunto perdido. E o Benfica aproveitou (e muito bem) isso.

Deste modo, no cômputo geral, na visão do adepto comum, é óbvio que o Benfica está longe de praticar bom futebol. Vê-se nas dificuldades em assumir jogos contra equipas modestas, vê-se na falta de imaginação ofensiva, vê-se na aposta constante no bloco baixo, vê-se na dependência de momentos isolados. Este jogo, por muito que tenha tido final feliz, não mascara nada disso.

Mas também não era esse o propósito. A missão era sobreviver. E o Benfica sobreviveu. Porque ganhar assim, num contexto complicado, oferece algo que nenhum treino consegue oferecer: convicção.

Convicção de que ainda é possível. Convicção de que o grupo se reergue. Convicção de que Mourinho, com todos os defeitos, ainda sabe construir equipas que sobrevivem.

O Benfica sai, assim, de Amesterdão com os primeiros pontos, com a porta do play-off entreaberta e com uma sensação quase paradoxal: jogou pouco, mas ganhou muito. E, no fim de contas, numa prova onde o brilho dura segundos e os pontos duram meses, essa é a matemática que importa.

O futuro dirá se esta vitória foi o início de um caminho ou apenas um suspiro isolado. Mas, por agora, vale o essencial: o Benfica viveu. Respirou. E, finalmente, deixou de cair.

Raul Saraiva
Raul Saraiva
O Raúl tem 19 anos e está a tirar a Licenciatura em Ciências da Comunicação. Pretende seguir Jornalismo, de preferência desportivo. Acredita que se aprende diariamente e que, por isso, o desporto pode ser melhor.

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