Vou contar-vos uma história, já muito antiga, que até parece brincadeira ou lenda, mas que desde bem cedo descobri ser mesmo coisa da vida real. Em criança, insistiam comigo ter vivido no meu país um gigante muito belo e bondoso que cobria com a sua sombra todo o território e ainda mais algum. Era respeitado e temido; e jamais alguém o conseguira vencer. Apontavam-me um local, e diziam-me: – Foi por ali que ele passou. Mas olhando atentamente, eu já nada conseguia ver.
Explicaram-me que cuidar de um gigante era muito difícil: era preciso vesti-lo, alimentá-lo e acarinhá-lo; o que todos faziam sem queixume, pois, na verdade, o gigante era – desde há muito – o orgulho do país e do povo, que o adorava, pela sua beleza e bondade, e saía sempre à rua em multidão e em festa para cantar e dançar os seus grandes feitos. Porém, basta um punhado de homens maus para tudo cair por terra; e o gigante foi maltratado. Por fim, já muito triste e cansado, derrotado no físico e na moral, decidiu partir para outro lugar.
Ouvindo esta história, e enquanto crescia, alimentei o sonho de, um dia, poder ver com os meus próprios olhos o belo e bondoso gigante. Passei a assomar à janela todas as manhãs, onde fitava o horizonte e gritava por ele, na esperança de o fazer regressar. Mas o tempo foi passando e, por vezes, a própria crença enfraquecia. Percebi então, anos mais tarde, que afinal eu era somente mais um, por entre os muitos milhões espalhados pelo mundo, que todos os dias, pontualmente pela manhã, gritavam duma janela pelo regresso do belo e bondoso gigante. O povo pediu e com base num amor comum, irreprimível e inabalável, construiu um novo caminho para o futuro, feito de raça, querer e ambição.
Certo dia, igual a qualquer outro dia, algo de diferente ouviu-se da minha janela. O gigante regressava a casa, aproximando-se pé ante pé, fazendo toda a terra tremer à sua volta. Pelo caminho, o povo vestiu-o, alimentou-o e acarinhou-o, da forma como qualquer gigante necessita. O gigante voltou a ser respeitado e temido, voltou a ser o orgulho do país, mais pequeno do que ele próprio, transbordante de alegria. Hoje, o seu povo, espalhado pelos quatro cantos do mundo, festeja o seu regresso e a sua glória. O belo e bondoso gigante chama-se Sport Lisboa e Benfica e não tem rival; ou rivais. E a sua sombra vermelha e branca cobre todo o território e mais algum.
Sobre o tetracampeoanto
Perdoe-me, caro leitor, este devaneio criativo, mas o dedinhos a bater no teclado são hoje comandados pelo coração; pois a mente, essa, não suporta tanta emoção. O Benfica sagrou-se tetracampeão, confirmando – se é que ainda era necessário – deter, de forma total e completa, a hegemonia no futebol português. O caminho até aqui foi tortuoso, com muitos obstáculos, alguns até internos – quem poderia crer nesta conquista após a onda de lesões que afectou este plantel –, no entanto, o trabalho efectuado, do topo à base, revelou-se competente, pode mesmo até dizer-se suficiente. Termo curioso, mas significativo quanto à realidade, ao referirmo-nos a uma jornada tão inolvidável.
Nem tudo foi perfeito, é verdade, porém, o decorrer da época veio confirmar (e destacar) a maior capacidade do Benfica, tanto a nível individual, como colectivo, em relação aos seus adversários. O futebol praticado pode nem ter sido o melhor, mas, nesta prova, mais nenhuma outra equipa poderia (ou justificaria) ter terminado no 1.º lugar – o Benfica conquista o seu 36.º título de campeão nacional, somando, para já, o dobro dos títulos conseguidos pelo seu principal rival, um dado significativo sobre a verdadeira dimensão desportiva e social do Benfica no nosso país.
Chegará o momento para avaliar aquilo que correu bem ou mal; para destacar os melhores e também os piores. Mas hoje, o dia está reservado para festejar, em união, pois no Benfica é sempre assim: os obreiros da nossa gloriosa história vêm de uma imensa família – onde se incluem dirigentes, treinadores, jogadores e adeptos –, constituída por milhões. O povo voltará a sair às ruas, enchendo o Marquês de Pombal, mas muitas outras praças e avenidas nos quatro cantos do mundo – é hora de festejar a vida e a obra do maior clube português; um dos maiores do mundo.
Foto de Capa: SL Benfica